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Sexta-feira, 23/9/2022 A pior crônica do mundo Luís Fernando Amâncio Cinco jovens, dois brasileiros e três gringos, se aventuram durante uma semana no Rio de Janeiro. A premissa não é ruim. Consigo imaginar histórias de diversos gêneros partindo desse ponto. Do erótico ao suspense. Do romance à ação. Filmes de baixo orçamento e até blockbusters. O Rio de Janeiro, cidade exuberante por suas belezas, constituição social e história, é um excelente cenário. E jovens costumam ser os protagonistas prediletos de Hollywood. Não teria erro. Mas teve. O texto de Washington Olivetto para O Globo sobre as férias do filho com os amigos (publicado em 04 de julho desse ano) talvez seja a pior crônica já escrita. E eu sei: a polêmica é antiga e provavelmente você a conhece. Muitos se escandalizaram com o fato de, em enfadonhas linhas, o publicitário dizer ao leitor que o Rio de Janeiro é maravilhoso para quem é rico. Fica a sugestão: na próxima vez em que for humilhar o pobre que não é amigo do Jorge Ben Jor, ao menos o faça de forma sucinta. Meu foco, porém, será textual. Uma defesa da crônica enquanto gênero literário. Afinal, estamos falando do patinho feio das formas literárias. Algum leitor aí teria a audácia de dizer que a crônica é sua categoria literária predileta? Já houve lista de “melhores livros da história” contemplando uma antologia de crônicas em seu ranking? Pois é. E tudo bem. A crônica não almeja sumptuosidades. Dentre as formas literárias, é mesmo a mais modesta. Mas não se engane: ela possui virtudes. Por exemplo, sua natureza flexível: ela divide espaço com o jornalismo, finge trivialidade, arranca sorrisos de canto de boca e, no fim, derruba o queixo do leitor. A crônica é o texto mais malabarista da literatura. Pode iniciar falando das dificuldades de se comprar parafusos e finalizar levantando questões existências. Quando bem executada, evidentemente. O texto do Washington Olivetto é uma catástrofe. Ele vai elencando eventos sucessivos e desinteressantes. O leitor que sobrevive aos parágrafos não desenvolve qualquer empatia pelos personagens. No fim, o autor tenta arrematar com uma conclusão piegas que só piora a experiência. As crônicas não devem ter a presunção de ensinar algo a alguém. O que elas podem até fazer, é claro, mas por acidente. O verdadeiro compromisso da crônica deve ser com a leveza. Ela é um espaço de lazer para o escritor. O lugar em que surgimos em nossas roupas de banho, com os cabelos desalinhados e cantarolando uma música cafona. É onde mostramos o que realmente somos. Se o leitor captar isso, parabéns, sua missão foi cumprida. Ouso, inclusive, sentenciar: um bom romancista pode ser uma pessoa intragável. Um poeta talentoso pode ser de difícil convivência, por mais belos que seus versos sejam. Já o bom cronista só pode ser gente boa. Pois escrever textos descontraídos e reflexivos na exata medida requer uma sutileza que as pessoas desagradáveis não dominam. Dito de outra forma: se você admira um cronista, significa que ele poderia ser seu amigo. Pode convidá-lo para um churrasco. O mau cronista, por sua vez, não necessariamente é uma pessoa ruim. Às vezes pode coincidir, é claro, mas generalizar seria injusto. Pode ocorrer de o cronista ruim ser, afinal, apenas um publicitário no lugar errado. Nota do Editor Leia também "As Cem Melhores Crônicas Brasileiras". Luís Fernando Amâncio |
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