|
Sexta-feira, 25/8/2023 Insônia e lantanas na estreia de Rafael Martins Luís Fernando Amâncio O romance de estreia de Rafael Martins acompanha a saga de Humberto em uma noite de insônia. O porteiro, em busca de descanso antes de assumir o turno de trabalho, não encontra tranquilidade. A cada interrupção, o relógio sentencia um horário, que são os títulos dos capítulos da primeira parte da obra. O mostrador digital atormenta o personagem. E não é só ele. Quem já enfrentou a insônia conhece a aflição. Na medida em que as horas avançam, nos pressionamos ainda mais. Tensão que faz a mente fervilhar: vamos nos alternando em batalhas inglórias, como remoer entreveros ancestrais, pensar em respostas para discussões hipotéticas, ou programar a ceia do próximo Natal. E quanto mais os pensamentos se inquietam, diminuem as chances de sermos seduzidos pelo sono. O que é contraditório e angustiante na insônia: a certeza de que deveríamos dormir nos afasta ainda mais do sono. Seria perfeito se o cérebro viesse com um botão de desligar. Opção que até existe, na verdade. Mas não são todos que contam com anestesistas na mesa de cabeceira. Em O segredo das lantanas, a serenidade de Humberto é cortada pelo advento de diversos fantasmas. A intimidade indiscreta do casal da residência vizinha faz com que ele sinta desejo e inveja. As memórias da infância, passada na mesma casa em que reside com a esposa e a enteada, também alvoroçam seus sentimentos. A construção segura da narrativa, sobretudo nessa primeira parte, é um mérito de Rafael Martins. O clima de suspense se apresenta a cada capítulo. Afinal, o título da obra não é propaganda enganosa. Há, de fato, um segredo nas lantanas ― e, se você não sabia que lantanas são um gênero de plantas, pega na minha mão que somos colegas na ignorância botânica. Na medida em que a leitura avança, nos preparamos para ouvir um vidro estilhaçar, uma figura enigmática romper a escuridão ou alguma tragédia acontecer. Os fantasmas do passado que surgem, porém, são o que há de mais assustador no romance. E estendem seus tentáculos até o presente. A narrativa em primeira pessoa possui essa qualidade de nos envolver numa cumplicidade com o interlocutor. Afinal, nada é mais invasivo do que ter acesso aos pensamentos de alguém. O personagem narrador, logo percebemos, possui um caráter duvidoso. Despreza a esposa, está desencantado com a vida particular e profissional. Suas ambiguidades tornam ainda mais curiosa a experiência de conhecê-lo. Os traumas vão sendo rememorados na medida em que o sono não chega. E não são poucos. A ausência paterna, a mãe enigmática, o avô violento, a sedução pela tia… não são poucos os problemas que consomem Humberto. A segunda parte do livro se dá em terceira pessoa. É pela ótica de Carolina que acompanhamos o desenrolar dos eventos apresentados anteriormente. E situações sutilmente insinuadas se tornam mais evidentes no decorrer do texto. Nessa metade final, O segredo das lantantas segue em um ritmo ainda mais acelerado. De forma objetiva, os pequenos capítulos vão resolvendo alguns dos mistérios relativos à constituição familiar e à personalidade de Humberto. Formado em Direito e com atuação profissional na área, Rafael Martins estreia bem na literatura. O segredo das lantanas é uma leitura dinâmica e agradável. O texto cumpre as demandas do gênero suspense e a narrativa é bem construída. O livro saiu pela Editora Patuá e pode ser encontrado aqui. Luís Fernando Amâncio |
|
|