|
Sexta-feira, 19/4/2024 O Big Brother e a legião de Trumans Luís Fernando Amâncio Em 1998, Jim Carrey despontava como sério candidato ao Óscar de Melhor Ator. Ao menos era o que pensavam os meus colegas de colégio, fascinados com a versatilidade interpretativa do astro de O Máskara, Ace Ventura e Debi & Loide. Tínhamos 13 pra 14 anos e, para os nossos padrões cinéfilos, essas eram verdadeiras obras de arte. De repente, nas locadoras do bairro, surgiu O Show de Truman. Eram tempos em que a informação circulava a passos lerdos, portanto não tinham nos avisado que Jim Carrey pretendia atuar em filmes sérios a partir de então. Muitos devem ter se sentido enganados com aquele longa-metragem. Nele, acompanhamos Truman Burbank, um homem que, sem saber, leva uma vida simulada, transmitida em tempo real para uma enorme audiência. É um bom filme. E a produção se saiu bem com a crítica e na bilheteria. Embora, no meu colégio, tenha sido um fracasso (“filme sem graça”). A ficção, é claro, carrega nas tintas. Pouco tempo depois, porém, chegaria na tevê brasileira programas com premissas parecidas com a dO Show de Truman. Estou me referindo aos reality shows ― os programas cujo mote seria transmitir algo real, supostamente sem interpretações. No Limite (2000) foi a primeira produção a alcançar sucesso. Nas noites de domingo, depois do Fantástico, acompanhávamos aventureiros enfrentando provas esdrúxulas de resistência e sendo submetidos à ingestão de iguarias exóticas no meio da floresta. Em 2001, estreou A Casa dos Artistas, sacada do Homem do Baú para não comprar um formato holandês que se alastrava pelo mundo. O juntado de famosos não tão famosos interagindo com Silvio Santos no domingo à noite incomodou a Globo na audiência. Que lançou, no ano seguinte, dentro das regras do licenciamento de programas televisivos, o Big Brother Brasil. Eu acompanhei essa primeira leva de reality shows. Lembro bem da mistura da falta de opções na tevê com o êxtase em ver pessoas fazendo nada na beira de uma piscina. Era como observar um aquário de peixes. E se eu desligasse o aparelho e algo interessante finalmente acontecesse? Hoje, quase 25 anos depois de No Limite, o formato dos reality shows se modificou bastante. Tendo como base o último BBB, vejo que o programa se tornou uma grande ação de marketing. As provas, os quadros, as festas... tudo é tematizado de acordo com os patrocinadores. E o elenco fica, a todo momento, agradecendo às marcas que possibilitam a humilhação na prova pela liderança, o luxo no quarto do líder e as festas que causam a discórdia na edição seguinte. O curioso é que, a princípio, o objetivo de um reality show deveria ser retratar a realidade. O tema era mostrar personagens na forma mais natural possível. Algo que podemos entender como próximo de algumas vertentes do cinema documentário, como o cinéma vérité. Hoje, a mira dos reality shows aponta para as redes sociais. O BBB copia a estética delas, com os participantes atuando como influenciadores em suas "publis". O que, aliás, é a profissão de parte de elenco e se tornará, após o programa, na profissão da outra parte. Retratar uma suposta realidade não atrai mais audiência para um programa de tevê. Afinal, os usuários encontram isso nos perfis que seguem. Os próprios espectadores fazem isso com suas arrobas do Instagram, no TikTok... Compartilhar a vida ― ou melhor, o recorte dela que você acha interessante ― tornou-se regra. Postar = existir. A ponto de, quando uma pessoa pública anuncia estar doente, não sabemos se lamentamos pela saúde dela ou damos parabéns pelo engajamento que o conteúdo irá gerar. A reviravolta no enredo de O Show de Truman é quando o protagonista percebe que sua vida é um simulacro, que tudo pelo que ele passa é exposto para o entretenimento do público. Imaginar aquela situação, em que sua intimidade é atração para uma plateia desconhecida, era assustador. Hoje, esse sentimento está ultrapassado. Com uma câmera na mão, o sonho de muita gente é ser Truman Burbank. Luís Fernando Amâncio |
|
|