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Terça-feira, 19/11/2024 Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha... Renato Alessandro dos Santos ...cabem todos na tenda rodriguiana Nas veias abertas pela imaginação criadora, o universo conspira. Como na ocasião em que se deram todas as ações que levaram ao palco Vestido de noiva, de Nelson Rodrigues, em 1943. Ninguém parecia disposto a levar à encenação aquela peça cheia de peripécias hercúleas: cenas simultâneas, iluminação feérica, atores com as falas mais do que decoradas forjadas na própria memória deles. Nenhum diretor estava a fim de levar aquela loucura toda aos palcos, até que, fugindo dos nazis, um polaco que nem sequer sabia falar uma frase completa em português desembarca no Rio de Janeiro e, por culpa daquele beco sem saída que a burocracia reveste, viu-se impedido de seguir viagem aos EUA. Era o destino que cabia a [Zbigniew] Ziembinski, que, ao lado de Santa Rosa nos cenários e de Nelson na labuta de poeta trágico, tornaria possível o nascimento do teatro brasileiro moderno, definitivamente. Como lembra Ruy Castro em O anjo pornográfico, nunca é demais recordar que, antes de Vestido de noiva, o teatro brasileiro do século 20 era um zero à esquerda. Sem mais nem menos: se não era o teatro de revista, eram farsas e outras encenações que não cobravam dos atores mais do que um pouco de esforço. O ponto nem exigia que eles decorassem as falas, uma vez que, do centro do palco, eram sussurradas e, efetivamente, pronunciadas na base da improvisação. Ziembinski mudou tudo isso. Fez os atores decorarem as falas e repeti-las à exaustão, e nunca até então um diretor havia exigido tanto de sua trupe, que, magistralmente, era formada por uma falange de amadores chamada Os comediantes. Nelson Rodrigues, como um gênio adormecido, mal ainda havia se dado conta de que era a grande estrela da dramaturgia brasileira do século XX. Se a escrita da peça levou seis dias, com direito à redação datilografada pela esposa no sétimo dia, decerto, na sua cabeça, a peça já vinha se desenvolvendo há tempos. Nelson foi da pobreza à riqueza e de volta à pobreza em questão de anos, conta Ruy. Teve todos os dentes arrancados por conta do tratamento da tuberculose. Enfrentou a censura, após o sucesso retumbante de Vestido de noiva, e pode esperar a consagração em vida só bem perto de sua morte. Mas é ele, Nelson Rodrigues, o grande responsável pelo altar que sua dramaturgia alcançou. Trata-se do poeta trágico no velho sentido aristotélico, uma vez que suas tragédias (míticas ou cariocas) demonstram não apenas sua intuição em relação ao etos brasileiro de ser (toda sua polêmica ligada a tabus, sexualidade etc.) mas também a genialidade de seu trabalho, um texto dramatúrgico nunca até então tão repleto de rubricas. Aos leitores em formação, é aguçar o espírito em busca de escolher o caminho a percorrer: aos comedidos, cabe enveredar pelas crônicas e pela vida como ela é; aos ousados, vale pelejar pela dramaturgia arredia que, bordejando o cânone, ainda se encontra longe do óbvio ululante, isto é, não há consenso que enfeixe essas páginas em que o esgoto e a ribalta convivem em vielas citadinas que abrem alas a punguistas, marginais, bêbados, oportunistas de toda espécie, vagabundos com dentes de ouro escarlate, adúlteros, maridos, e pais, e esposas, e mães, todos recalcados e com caraminholas em carne viva, além do manifesto completo de personagens que iluminam a esquina e a sarjeta, enquanto esperam por novos leitores prestes a se deparar, pela vez primeira, com muitos dos maiores pontos luminosos da dramaturgia brasuca moderna, como é o caso de Vestido de noiva, esta peça ímpar de Nelson, aquela que o tempo vem mostrando ser capaz de colocar o teatro brasileiro ao lado de obras-primas que, desde os gregos, vêm flamejando leitores de todas as épocas. Nota do Editor Leia também "Nelson ao vivo, como num palco". Renato Alessandro dos Santos |
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