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Quarta-feira, 1/5/2002 E Éramos Todos Thunderbirds Rennata Airoldi Em Arte, não há regras. Não há certo ou errado. Há maneiras e maneiras de comunicar algo e de se fazer entender. Falando especificamente sobre teatro e sobre o fazer teatral, é preciso que o espectador compreenda o universo abordado pela peça e as críticas que a compõe para que haja reflexão e para que a transformação em cada um - enfim, a catarse, seja através do riso, das lágrimas, da raiva, de qualquer sensação e ou emoção. Para tanto, acredito que não é preciso buscar assuntos e textos em universos e tempos distantes, mas sim no "aqui e agora". As coisas que estão ao nosso alcance e que fazem parte do nosso universo são raramente abordadas com propriedade. Às vezes, é muito mais difícil lidar com o concreto, com os problemas atuais, de maneira clara e explícita, do que com os "males" que perseguem a humanidade no decorrer das eras. Há em São Paulo um grupo de teatro que sobrevive há vinte anos falando do "aqui e agora" de maneira formidável, atual e aparentemente descompromissada. Na verdade, a maneira descontraída do "Grupo Cemitério de Automóveis" falar das coisas é uma grande virtude. É também uma vitória ver um grupo de teatro que consegue produzir os próprios espetáculos há vinte anos! E o pior é que não são um ou dois espetáculos por ano; às vezes, são vários ao mesmo tempo. Foi o que aconteceu em 2000, no Centro Cultural São Paulo, onde se realizou a "Mostra Cemitério de Automóveis", com catorze espetáculos, dos quais treze eram textos do diretor e fundador do grupo, Mário Bortolotto. Isso é o que eu chamo de ato de coragem! Desde então, me apaixonei pelos textos e por essa maneira aparentemente "fácil" que o grupo e sua linguagem estão presentes nos espetáculos. Peças que vão do escracho total, do irreverente, até a emoção tocante como "Nossa vida não vale um Chevrolet" - que rendeu, a Mário Bortolotto, o Prêmio Shell de Melhor autor. Tendo recebido, nesse mesmo ano, também o prêmio APCA de Melhor autor pelo Conjunto da Obra, em decorrência da mostra que reuniu mais de cinqüenta profissionais com um mesmo objetivo: dar vida a todo esse legado! Assim, passei a ficar mais atenta à trajetória desses sobreviventes da arte. Sou, declaradamente, cada vez mais fã desse autor. Digo isso com muito respeito a todos os profissionais envolvidos no grupo, que não "esperam acontecer", simplesmente "fazem"; fazem sempre e muito. Mesmo com todas as dificuldades que é a produção teatral em nosso País. "E Éramos Todos Thunderbirds" é o último espetáculo desta companhia. Trata de nós mesmos, da MTV, das mudanças de valores de nossa juventude, das coisas boas que gostamos de lembrar, dos sonhos que não conquistamos, de gerações que não lutaram contra a ditadura, não estiveram numa guerra, mas que viram clipes de rock na MTV. Do saudosismo de uma época inocente de nossas vidas. Parece pouco, parece simples e até fácil. Não é, já que o grupo fala de tudo isso de uma forma excepcional. A peça é um retrato exato de uma geração, apontando criticamente "o hoje" e "o que está por vir". (Não pensem - os refratários a qualquer tipo de discurso intelectualizado - que esse "criticamente" é uma forma chata e moralista; muito pelo contrário.) Qualquer um que tenha mais que catorze anos, e que nunca se encantou com um espetáculo teatral, ficaria enlouquecido, no bom sentido, ao assistir a essa peça. Com uma linguagem ágil, poucos aparatos tecnológicos, muita criatividade e - acima de tudo - uma unidade cênica extraordinária (que está desde o filme exibido no saguão do teatro até a saída cênica dos atores ao término do espetáculo), somos todos envolvidos, sem perceber, pela sua maneira original de fazer teatro. Os atores, com destaque para Fernanda D'Umbra de Lima (também produtora do espetáculo) e para o próprio Mário (que é ator também), têm uma maneira totalmente natural de lidar com o texto, lembrando o mais puro improviso e não algo pré- estabelecido (um texto, por exemplo). É como se as coisas acontecessem no aqui e agora; como se as idéias surgissem e os comentários decorrentes delas pulassem da boca dos atores. (Deu para entender a metáfora?) Quem ganha com isso é o espectador, que mal vê o tempo passar e fica com o gostinho de quero mais na boca... A "tristeza" dessa história, contudo, é a mesma de outros carnavais... a falta de público (!). Muitos amigos, muitos convidados, muitos conhecidos... (De novo, volto a falar das mesmas coisas nesta coluna.) É preciso espaço para os grupos, é preciso incentivo, divulgação, apoios... Tenho certeza de que 99,9% dos jovens dessa cidade adoraria assistir a um espetáculo como este. Não que seja uma peça juvenil, muito pelo contrário, mas é que a linguagem desenvolvida por esse grupo é muito atual, e isso facilita a compreensão dos que não são freqüentadores de peças teatrais; permitindo, inclusive, que sejam cativados e que passem a ver o teatro como algo agradável, e não chato e incompreensível. Mas não se aflijam! (Atenção todos os leitores, ainda há tempo de assistir a esse espetáculo que fica em cartaz até dia 5 de maio.) Um recado aos produtores teatrais, empresários, donos de teatros e espaços culturais, que por ventura venham a ler esta coluna: o grupo pretende fazer uma mostra com 20 espetáculos no próximo semestre. Para tanto, é preciso ajuda, incentivo, etc. Eles precisam basicamente de um espaço para se estabelecer, para ensaiar, montar as peças. Com certeza a segunda mostra fará tanto ou mais sucesso que a primeira. (Assim, aos meus leitores fica a dica: confiram "E Éramos todos Thunderbirds". Fiquem de olho na mostra que está por vir...) Aos que puderem contribuir com estrutura ou apoio ao grupo, não se omitam, entrem em contato com eles, conheçam o trabalho de vinte anos do "Grupo Cemitério de Automóveis". Para ir além "E Éramos Todos Thunderbirds" Até dia 5 de maio de 2002 Teatro Cultura Inglesa, Vila Mariana (próximo ao metrô) R. Madre Cabrini, 413 - Tel. 30390553 Sextas e Sábados às 21h - Domingo às 19h. Grupo Cemitério de Automóveis Rennata Airoldi |
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