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Terça-feira, 7/5/2002 Aprendendo a ficar invisível Rafael Lima ![]() -- Grant Morrison Suponha que não uma ou duas, mas todas as teorias da conspiração são verdadeiras. Que todas as paranóias dos filmes do Oliver Stone são fundadas em fatos reais. Que o governo norte-americano realmente ocultou os alienígenas no caso Roswell. Considere, ainda, todas as narrativas do ocultismo que chegaram ao domínio público: Chtulhu e os monstros descritos por H.P. Lovecraft, o Necronomicon, a turminha barra-pesada de Aleister Crowley. Agora suponha que é tudo verdade, que não há nenhum exagero ou charlatão. Junte uma meia dúzia de divindades arquetípicas – o deus egípcio Hórus, Buda – e conhecimentos de mitologias extintas, como o ciclo solar dos maias. Adicione ao bolo alguns poetas de língua britânica, teses de lingüística, e o noticiário político das 8. O resultado é o pano de fundo perfeito para Os Invisíveis, a obra-prima em quadrinhos de Grant Morrison, que acaba de chegar, finalmente em edição decente, às bancas brasileiras pela editora Brainstore (leia-se: Jotapê Martins). Para quem cometeu a besteira de não ter lido quadrinhos durante a década de 90, Grant Morrison foi o terceiro da santíssima trindade de roteiristas ingleses contratada para revitalizar os quadrinhos da DC Comics nos anos 80, junto com Alan Moore e Neil Gaiman. Escocês de Glasgow (imagine só o sotaque), Grant seguiu o figurino: arrumou um personagem menor, esquecido, com o qual poderia ter total liberdade criativa – o Homem-Animal (pelo nome, vê-se que o personagem não poderia fazer muito sucesso nos meios convencionais...). A primeira providência foi alterar seu uniforme, adicionando-lhe uma prosaica & básica jaqueta jeans, que deu um toque tão arrojado ao seu visual a ponto de torná-lo padrão para todo mundo, anos depois – é, moda também existe nos quadrinhos. Como o Homem-Animal derivava seus super-poderes dos animais próximos, Grant achou por bem torná-lo vegetariano e, ao invés do Mestre dos Espelhos ou do Gorila Grood, colocá-lo para combater traficantes de marfim na África, caçadores de baleia no Alaska ou experimentos genéticos não autorizados em laboratórios secretos. O nome é: ecológico. Nos mais de 2 anos em que roteirizou a revista (publicados integralmente no Brasil, na revista DC 2000), Grant brincou com a cronologia, resgatou vilões do ostracismo, matou toda a família do herói, e como se não fosse suficiente a metalinguagem de colocar um personagem olhando para fora da página e percebendo a presença do leitor, entrou, ele mesmo, no último número da história, para se despedir... Morrison nunca negou a fama de arrasar os personagens que escrevia. Escrever roteiros para um personagem recém-abandonado por ele é mais ou menos como dirigir um carro alugado que participou de um pega na véspera: parece que todas suas opções de uso foram esgotadas. Grant adotou a esquecida Patrulha do Destino (Doom Patrol), “os mais bizarros super-heróis do mundo”, elevando as histórias a patamares quase incompreensíveis ao fazê-los enfrentar vilões como os Homens-Tesouras, que só falavam no método cut-up de William Borroughs (“aqui inexiste dragonete” era uma frase típica), a Irmandade Dada, ou o estranhíssimo Danny the Street, o personagem que era uma rua, ou antes, uma locação extra-dimensional com o espírito de um travesti. A mini-série em 4 partes Flex Mentallo não ficava mais atrás em termos de mistura de referências e viagem narrativa, por isso não teve igual aclamação popular. Em 1989, Grant Morrison já era importante o suficiente para que se cometesse a insanidade de lhe ser entregue, em bandeja de prata, um dos embaixadores da editora: Batman. O resultado foi a graphic novel Asilo Arkham, que narra uma rebelião naquela instituição (para onde os criminosos insanos de Gotham City – todos os inimigos do Batman, para resumir - são enviados quando presos) e o Cavaleiro das Trevas tem que ir lá dentro salvar os funcionários tomados como reféns. Em paralelo, conta-se a vida de Amadeus Arkham, fundador do asilo e psiquiatra, em sua luta contra a doença degenerativa que dominaria hereditariamente seu cérebro. Morrison faz a mágica de emprestar verossimilhança ao ambiente de loucura: uma funcionária explica a Batman o método de tratamento do Duas Caras, vilão obcecado com a dualidade, que decidia o destino de suas vítimas no cara ou coroa: primeiro, deram-lhe um dado comum, multiplicando por 3 seu número de opções; em seguida, passaram para o tarô, com 78 alternativas, até o I-Ching, com o objetivo de desmontar a sua visão de mundo maniqueísta. O problema é que o Duas Caras ficara tão obcecado com o processo de escolha que não conseguia nem mais decidir se era hora de ir ao banheiro sem ler nas cartas... Asilo Arkham é um passeio nos jardins da insanidade, é uma odisséia pessoal de Batman (também um perturbado mental, ao seu modo) que teme a sensação de volta para casa ao adentrar os portões do asilo, é uma metáfora ao funcionamento mente, o conflito entre as diversas partes da personalidade e a luta contra a loucura. ![]() ![]() ![]() Nesse primeiro número, com o dobro de páginas de uma edição comum, conhecemos King Mob, líder da gangue e preocupado com o aparecimento de um novo membro, potencialmente poderoso e que deve ser recrutado antes que “o outro lado o leve”. O novo membro, claro, é McGowan, delinqüente juvenil cujas principais distrações são arremessar coquetéis molotov na escola (pela qual nutre profundo ódio) e puxar carros. Até que, numa dessas incursões de depredação noturnas, Dane é pego e, depois de julgamento, enviado para a Casa da Harmonia, um centro correcional para jovens com ares de penitenciária de segurança máxima. King Mob vai resgatá-lo de lá, após um ritual místico, onde invoca John Lennon para saber se o guri era mesmo o novato anunciado, convidando-o a se unir a eles. Pelo ![]() O lance agora é acompanhar as reviravoltas mês a mês, mas dá para acrescentar que, depois de alguns meses, Morrison transforma o roteiro numa espécie de diário, colocando mais e mais coisas pessoais na história, fazendo de King Mob (que na aparência já era um clone seu com piercings) seu completo alter ego. O ritual de magia em que a cabeça de Lennon aparece feita de música tinha sido feito por Grant, anos antes – aliás, Morrison confessa abertamente nas convenções (já que ele é o único dos 3 grandes que ainda as freqüenta...) os rituais de ocultismo em que esteve envolvido ("Eu não quero ouvir pessoas me dizendo que não há coisas como mágica porque eu sei que há, e não quero que me digam o contrário. Eu estou dizendo que existe mágica no mundo e que ela realmente funciona, e que se todos nós fizermos ![]() Talvez a melhor mostra do que é o tom da revista seja uma pichação num banheiro inglês, anotada por um leitor: "O Grande Irmão Está te Vigiando. Então Aprenda a Ficar Invisível" Elesbão e Haroldinho Dizáin Foi com grande júbilo e regozijo que esta coluna recebeu a edição de número 83 da revista francesa de design Étapes, onde a capa e várias páginas internas foram dedicadas aos trabalhos do estúdio Elesbão e Haroldinho. Quem não conhece, tá mais que na hora de reservar largura de banda e ir conhecer a página deles, conferir o FreakShow, e cada edição do Design de Bolso. Rafael Lima |
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