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Sexta-feira, 10/5/2002
A internet e o fim do no.
Julio Daio Borges

O no. acabou. É o que se noticia, à boca pequena, no universo da internet brasileira (mais humilde e menos pujante do que em outros tempos: a notícia não deu nem manchete, apenas insuficientes "notinhas"). O fim do no. encerra - com atraso, como sempre acontece no Brasil - a era dos sites regidos pela benevolência dos "investidores"; gente empenhada em "injetar capital", é bom que se diga, a fundo perdido. Isso já acabou há muito tempo nos Estados Unidos; mas aqui ainda persistia, por isso, a notícia estampada na "capa" do próprio site: "Por decisão de seus investidores, a partir de hoje no. deixa de ser renovada".

Como tudo começou - Embora a maioria não achasse (e o discurso geral sempre fosse esse mesmo, ou seja: de que a internet estava aí para todo mundo), os jornalistas sempre tiveram a nítida impressão de que a internet fora feita para eles. E só para eles. Professores de HTML, depois de passagens pelos "centros de treinamento" da Folha e da Abril, afirmavam para quem quisesse ouvir: "A internet veio para substituir o jornal. No começo não se sabia; hoje já se sabe: o jornal." Os alunos - interessados em coisas como e-commerce, tecnologia wap, troca de arquivos via Napster e sites de entretenimento - de repente, sentiam-se órfãos (muitos pensavam em ir para casa), quando descobriam que a internet simplesmente não fora feita para eles.

E, de fato, para os jornalistas, era just too good to be true: a internet oferecia a única possibilidade de dar furos em tempo real; a capacidade de armazenar dados, beirando o infinito; a fluidez e flexibilidade para redesenhar e redefinir conteúdos, da noite para o dia; a chance de interação real ou virtual com a audiência (milhares, dezenas de milhares, centenas de milhares de leitores); a oportunidade de lançar-se numa empreitada solo, mandando banana para a chefia, a um custo baixíssimo; o fim da burocracia, dada a falta de legislação específica, permitindo a reprodução indiscriminada de imagens e de textos; era, enfim, o sonho de recriar o mundo, sem regras e sem limites, ganhando, de lambuja, rios de dinheiro em Nasdaq (a equivalente internética de Wall Street).

Não foi bem assim, no entanto, que aconteceu. Ou talvez tenha sido; mas o certo é que o final não foi feliz.

Administradores do pior tipo - Os jornalistas, embora capazes de gerar o melhor conteúdo, como mostrou o próprio no. (e seu modelo supremo, a Salon.com), revelaram-se administradores do pior tipo. (Uma constatação já feita e refeita, no Brasil, em décadas de experiências fracassadas na mídia impressa.) O modelo da internet - aqui e no mundo todo (diga-se) - contemplava geralmente um "modelo de despesas" perfeito, mas nunca (ou muito superficialmente) um "modelo de receitas" efetivo. Trocando em miúdos: linhas editoriais eram definidas; equipes eram contratadas; escritórios eram montados; gastos eram previstos - mas sempre apostando em esquemas frágeis de faturamento. Pensava-se, por exemplo, em publicidade via banner [1]; em parcerias com grandes portais [2]; em venda de conteúdo [3]; em comércio eletrônico [4]; e, numa perspectiva mais ambiciosa (à la iG), em abrir capital na bolsa de valores tupiniquim [5].

A publicidade internética [1] teve de dividir verba com a mídia tradicional (televisão, rádio, jornais e revistas). Resultado: uma campanha difamatória resolveu provar por "a+b" que a internet era um fiasco (uma vez que apenas 3% do total de internautas clicava nos anúncios exibidos). Já as ditas parcerias [2], quando o parâmetro era a visitação e o número de pageviews, funcionaram às mil maravilhas, rendendo fama e fortuna a pequenos sites (de repente, catapultados por uma ZipNet da vida). Resultado: os portais terminaram endividados; muitos quebraram, muitos voltaram a seus países de origem, muitos permanecem afundados em resultados operacionais negativos. A venda de conteúdo [3] parecia um filão, mas só decolou em sites de grandes corporações, interessadas em notícias específicas sobre produtos e serviços (não em conteúdo mais abrangente e rico). O comércio eletrônico [4] permanece como mistério insolúvel. Já foi desacreditado (quando do quase-fim da Amazon), hoje engatinha (tendo tirado o Submarino, em 2001, do prejuízo). Já a abertura de capital [5] é um sonho impossível, principalmente depois do baque da Nasdaq, da explosão da "bolha" (ainda mais na meca da mídia eletrônica, os Estados Unidos).

Torre de Babel - O no. ("notícia e opinião", para quem não sabia) tinha, portanto, todos esses defeitos e mais um: o da experiência (a mesma que não se transfere de uma mídia para outra mídia). Começou escalando a nata dos colunistas dos jornais do Rio (leia-se JB e O Globo): Arthur Dapieve, Flávio Pinheiro, Mario Sergio Conti, Sérgio Abranches, Tutty Vasques, Villas-Bôas Corrêa, Walter Fontoura e Zuenir Ventura. Depois, incorporou uma gama infindável de colaboradores [para ler todos os nomes, é preciso um fôlego incrível]: Aldir Blanc, André Corrêa do Lago, Andrea Kauffmann-Zeh, Arnaldo Cohen, Beatriz Horta, Beatriz Resende, Cacá Diegues, Carlos Alberto Mattos, Claudio de Moura Castro, Drauzio Varella, Elena Landau, Francisco de Oliveira, Frédéric Pagès, Heloísa Buarque de Hollanda, Hermano Vianna, Inês Pedrosa, Jesus Paula Assis, João Gordo, João Moreira Salles, Joaquim Ferreira dos Santos, Jonathan Kandell, José Augusto Pádua, Jurandir Freire Costa, Kenneth Maxwell, Leandro Piquet Carneiro, Luiz Felipe de Alencastro, Marcos Augusto Gonçalves, Marcos Ribas de Faria, Maria Rita Kehl, Paulo Lins, Renato Lessa, Ricardo Prado, Roberto Muggiati, Sérgio Alcides, Sérgio Bermudes, Sérgio Miceli, Suzy Capó e Silvio Meira.

Em que pesem as qualidades individuais de cada um (no seu ramo ou setor), uma redação desse tamanho - sem contar o diretor, os editores, os conselheiros, os redatores e os repórteres (estão todos lá listados, na homepage do no.com.br) - seria simplesmente inexeqüível (já no "mundo real", que dirá no "mundo virtual"...). Conclusão: o "modelo de despesas" estava, seguindo a fórmula, mais-que-perfeito - mas e o "modelo de receitas"? O visitante mais assíduo enxergava um banner lá no topo, periodicamente renovado, e, na página principal, às vezes, um outro banner à direita, em posição vertical. Mas será que isso era suficiente para sustentar todo esse cast [supracitado]? Mais as atualizações diárias e as reportagens de grosso calibre, rivalizando com os grandes jornais do Rio e de São Paulo? Claro que não. A "injeção de capital" vinha, então, dos investidores [os tais, como queríamos demonstrar]: Opportunity, GP Investimentos e La Fonte. O último, um belo dia, resolveu abandonar o barco; a equação - na hora - se desequilibrou; deixaram de ser pagos os salários; em poucos meses, o no. expirou.

Mocinhos e bandidos - O que tudo isso significa? Que a inteligência deve tirar o time? Que a única chance de sobrevivência é produzir um mix entre o besteirol e a pornografia? Que internet, assim como a televisão, é um caso perdido? Que neste país ninguém valoriza a cultura, a educação e as artes assim constituídas? Não, não, não e não.

O fim do no. deixa muitas lições, todavia. Primeira: como na "economia real", não se pode implementar um "projeto virtual" sem um "modelo de receitas" consistente e firme. Segunda: em qualquer organização que se preze, o número de remadores deve ser maior que o de comandantes (e de vips), caso contrário, a empresa afunda como o Titanic. Terceira: a "mídia eletrônica" não pode ser encarada com uma simples derivação da "mídia impressa" (embora influências sejam detectáveis aqui e ali). Quarta: jornalistas, escritores e artistas devem abrir mão de seu idealismo - e encarar a internet como um meio que precisa ser comercialmente viável, para, como todos os outros, poder existir. Quinta: a História da internet mal começou a ser escrita, há ainda muitos lugares nesse panteão de mocinhos e bandidos.

Julio Daio Borges
São Paulo, 10/5/2002

 

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