|
Terça-feira, 14/5/2002 Quebrar pratos com Afrodite Rafael Lima Minha mãe deve ter alguma razão quando diz que eu sou infantil. Confere com minha reação ao ler o release do Afrodite Tis Milo, restaurante grego recém-aberto que eu iria visitar. Corri os olhos atentamente por todas as informações - horário de funcionamento, especialidades, endereço, telefone - mas só me detive no final, precisamente na famosa quebra de pratos. Legal, pensou o Bart Simpson de dentro de mim. É claro que não era apenas isso o que se passava pela minha cabeça ao adentrar a varanda, varrendo como um radar o local - letreiro discreto, murinho de pedras brancas separando a varanda da parte interna, pôsteres turísticos com paisagens gregas nas paredes azuis, alguns poucos casais pelas mesas, a tentativa de evocar uma atmosfera de Mediterrâneo; criar um ambiente acolhedor, intimista... europeu? - à procura da assessora de imprensa. O trem de pensamentos foi interrompido assim: - Você é o Rafael ? Nos cumprimentamos, e a Carla descolou uma mesa na parte interna do restaurante, isolada acústica e termicamente por uma porta de vidro. Duas coisas são diferentes no lado de dentro: a temperatura (mais agradável, por causa do ar condicionado) e o som ambiente (tradicionais canções gregas que saem dos auto-falantes substituem o ruído de fundo do trânsito de Botafogo). Aquela música me provocava uma sensação desagradável, intensificada com a repetição - não tanto quanto uma música árabe, ou chinesa, ou até indiana, o que me levou a divagar sobre o caráter monótono, chato mesmo, que a música oriental tem aos ouvidos da tradição ocidental. Enquanto isso, a Carla, a assessora de imprensa, me distraía com suas histórias da faculdade de Comunicação. Para minha grata surpresa, aprendi que ensinavam lá como se vestir para uma matéria genérica - uma roupa coringa, adequada desde uma matéria no morro até um lançamento de livro. Surpresa porque não imaginava que também ensinavam coisas práticas assim. Como? Não, eu não fiz faculdade de comunicação, não senhora. Afrodite Tis Milo, ela me confirmou, é tão somente a tradução para o grego de Vênus de Milo, em homenagem à ilha onde nasceu Antony Milos - portanto, um grego legítimo - o dono do restaurante. A história do Antony daria estofo para outra coluna por si só (se eu tivesse tido o tempo para entrevistá-lo): morou em Nova Iorque, onde o pai tem um restaurante, e há quatro anos veio para o Rio sem falar português. Andou dando aulas de inglês, e aproveitando a carência de restaurantes gregos na cidade e o know how do estágio novaiorquino, decidiu por abrir um. Trouxe uma cozinheira para ajudar, ensinou a feitura dos pratos a equipe e, há pouco tempo, importou seu irmão Mateus (o nome não é exatamente esse; estou aportuguesando por facilidade e eufonia) para dar uma força. Agora, cabe a ele apresentar e ensinar à cidade de São Sebastião um pouco mais do que os sanduíches de churrasco grego, os vinhos e a tal quebra de pratos (famosos em filmes como Zorba, O Grego) já que o último restaurante que existia na cidade ficava num hotel cinco estrelas - mais sofisticado, mais turístico, menos típico. A julgar pelos freqüentadores, Antony terá um longo caminho pela frente: quase todo mundo é da comunidade grega do Rio de Janeiro, atavicamente emulando via seus paladares a presença de parentes distantes, a juventude em uma cidade pequena de nome impronunciável, uma viagem inesquecível à alguma das mais de 3000 ilhas, enfim, para reviver um pouquinho de sua nação, a mesma que gerou Euclides, Sócrates e Diógenes. Fiquei muito impressionado ao ver aquele ambiente repleto de gregos e descendentes (até fisicamente, era possível discernir traços comuns), primeiro pela incomum sensação estar dentro um gueto, uniformidade rara numa cidade em que a mistura é a regra e a miscigenação é a lei; e segundo, porque eu nem mesmo sabia que existia uma comunidade grega no Rio! E, como qualquer comunidade, atuante, acolhendo novos membros, freqüentando os mesmos lugares, adotando eventuais filhos espirituais... A união talvez seja a herança de Leônidas e seus 300 de Esparta, que resistiram às infinitamente superiores armadas de Xerxes no despenhadeiro das Termópilas. Embora notabilizada pela bravura desses guerreiros, a Grécia amargou uma sucessão de invasões ao longo da História - depois dos persas, incorporação à Macedônica por Felipe, pai de Alexandre, o Grande; depois os romanos; bárbaros, na Idade Média; turcos, em 1453; e, como se não fosse suficiente, nazistas alemães na II Guerra Mundial. Mesmo que tenha se mantido como berço da civilização ocidental, exportado via Alexandre uma cultura helênica para os quatro cantos, e só tendo o trono de capital cultural da Europa ameaçado por Constantinopla, no período em que esta passou a exercer a hegemonia na Europa Ocidental, a nação grega não passou impune por todas as tentativas de transformá-la em Casa da Mãe Joana, recebendo influências variadas que se misturam nessa representação tão típica de uma cultura, a gastronomia. Assim, não se espante se sentir o sabor de quatro continentes ao provar, de entrada, Suzukáikia, bolinhos de carne com molho de tomate, ou o Polvo a la Mikonos, (cozido com azeite grego e especiarias, sempre acompanhados de pão árabe tostado). E já que estou no reino dos antepastos, não posso deixar de mencionar as saladas gregas, com queijo branco, tomate, orégano, azeite e azeitonas, sempre apreciadas nesses tempos de alimentação light. Muito cuidado com a empolgação turística numa hora dessas - não pela salada, mas pelo risco que é pedir uma bebidinha típica para acompanhar: Oúzo (diz-se: úzo) é assim como uma cachaça dos gregos, com teores alcoólicos bem altos. Podia ser encantador ver seu aspecto leitoso dentro de um copo com gelo, mas não topei porque não queria nem imaginar com seria ter sair dali de quatro... Os temperos e os molhos experimentados até agora, fortes, marcantes, mas nunca enjoativos ou ardentes como os mexicanos, são a isca perfeita do paladar para um dos pratos principais, que pela opção default é Moussaka (na pronúncia correta, a última sílaba é a tônica), descrito unanimemente como uma lasanha composta de camadas de berinjela, carne moída (ou arroz, para os vegetarianos, sempre eles...) e molho bechamel. O sabor dessa combinação é exatamente o mesmo da Berinjela Recheada unitária repetida em série, um molho precioso, cujo sabor pode ficar mais doce, se você evitar comer a casca da berinjela, ou mais travado, com ela. Já alguém mais ousado e minimamente sagaz, numa rápida inspeção visual do cardápio vai ser capaz de perceber que o grande prato da culinária grega é o carneiro, de preferência frito e servido com um molho de especiarias. No Afrodite Tis Milo, é possível comer carneiro à moda de Esparta, de Atenas, de Milos, além do tradicional modo da casa. Se o sabor da Bahia é um acarajé frito na hora, com camarão espetado no meio e dois pingos de pimenta na massa, o sabor da Grécia é um carneiro frito com aquele delicioso molho grego à base de vinho e ervas misteriosas, cuja receita deve ter sido soprada a um mortal por algum deus, num papo regado a vinho à beira mar, em momento de grande descontração. Mas nenhum texto que se preze como introdução rápida à gastronomia grega pode deixar de falar no Gyro, esse curioso preparado pronto para ser convertido em fast food. Não conheço, mas apostaria que existe algum restaurante nos E.U.A (senão em Nova Iorque, em São Francisco ou Los Angeles) com serviço expresso de Gyros para os yuppies do quarteirão baterem um lanche. O modo de segurar para comer um Gyro lembra muito o formato cônico de uma crepe francesa, - ou simplesmente: o de um sorvete - com a diferença que ao invés de uma massa fina, é no pão árabe que os recheios são colocados, a saber: batata frita e uma carne em cubos (que pode ser frango, porco ou carneiro), tostada "em uma máquina especial", ambos mesclados em tzaziki, molho à base de iogurte, pepino e temperos especiais, de consistência similar ao iogurte seco dos árabes, mas com ervas que adicionam personalidade, deixando-o picante, provocante. Também não consegui deixar de lembrar do burrito mexicano enquanto provava o Gyro, pois ambos são compostos de uma mistura de ingredientes (um dos quais, obrigatoriamente carne), envolvidos numa massa; além disso, ambos parecem ter a origem comum do prato feito de miudezas, comida de trabalhador, para se embrulhar e levar mastigando pelo caminho, mesmo que o Gyro não seja tão substancioso assim. Com o perdão pelo trocadilho, tem um melting pot de influências culinárias em um Gyro. A diversidade de sabores e texturas e a qualidade dos molhos gregos são capazes de cativar um autêntico ignorante no assunto até anteontem, como o autor deste texto, a ponto de fazê-lo quase esquecer da quebra de pratos, que afinal acabou não acontecendo, parece que por alguma doença de um dos artistas. Pelo menos assim eu tenho uma boa desculpa para jantar de novo lá... Afrodite Tis Milo Rua Conde de Irajá 288 (Botafogo), telefone: [55 21] 2246 8430. Das 11h00 até o último cliente; às sextas e sábados, apresentações de danças gregas e a famosa "quebra de pratos", às 22h00. Não tem estacionamento, mas é fácil encontrar vaga na rua ou no estacionamento da Cobal; cartões de crédito: Visa, Mastercard, RedeShop. Rafael Lima |
|
|