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Quinta-feira, 30/5/2002
Da arte opiniática
Evandro Ferreira

Por mais que a opinião seja um "lugar" lastimável do conhecimento, é inegável que sem ela talvez não houvesse amizades, nem identidade cultural, nem mesmo qualquer forma de identidade. Quantas vezes não entramos em um táxi e fazemos amizade com o motorista apenas pronunciando frases como: "o Romário devia ter ido para a Copa, você não acha?". Outras vezes encontramos brasileiros em uma viagem ao estrangeiro e começamos a falar: "esses gringos comem uma comida péssima". Logo nos sentimos identificados e nos tornamos amigos e, acima de tudo, brasileiros.

Alguns tentam amenizar, botar panos quentes no problema da opinião. Dizem que ela não é necessariamente sem fundamento, ou que é um "estágio" do conhecimento - o que, neste caso, insinua um caminho de evolução que aponta para a superação da opinião em um momento mais "avançado" da vida de determinado sujeito. Mas o fato é que a grande maioria dos indivíduos não trilha caminho nenhum - no sentido cognoscitivo - e nem está interessado em mudar de "estágio". Quer mesmo é se divertir, fazer amizades, compartilhar opiniões. Nesse sentido, a opinião é um "estado", um lugar onde se está e do qual não necessariamente se quer sair, em direção a um lugar mais alto, do conhecimento verdadeiro.

Além disso, falar de uma "opinião fundamentada" é falar de uma opinião baseada em outra (ou outras), ou então não é mais falar de opinião, mas de conhecimento. Quando se fundamenta uma opinião em conhecimentos sólidos e rigorosos, neste momento mesmo ela deixa de ser opinião para se tornar essa outra coisa que poucos conhecem hoje em dia - e que muitos até negam - e que se chama verdade. Com isso não quero dizer que essa coisa nova que se criou não possa ser refutada. Só quero dizer que um conhecimento verdadeiro de algo, ainda que possa ser refutado, não o será por meio de uma opinião, mas de argumentos sérios. Muitas verdades não são eternas, mas as opiniões são apenas candidatas à verdade, ou melhor, são alunas da verdade. E alunas em geral pouco aplicadas!

Mas por que estou dizendo tudo isso? É simples. Para que sejamos felizes em tempos de Copa do Mundo, precisamos fazer farto uso de nossa faculdade de opinar. Muitos não sabem, mas a palavra "estágio", que significa "situação transitória, ou de preparação", tem um sentido quase igual ao de outra: "estádio", que é período ou fase. Mas estádio também é essa outra coisa, verde, cheia de gente e de jogadores. Então, por que não dizer que a opinião é um estádio? cheio de pessoas unidas pela vontade de emitir juízos de valor? O técnico não presta, o atacante é preguiçoso, o Galvão Bueno é chato, etc etc. Quão felizes não ficamos com tudo isso? Tomar uma cerveja e concordar com opiniões dos outros! Parece até que na vida não há nada melhor que isso.

Mas a emissão de uma opinião, se for tomada seriamente como uma técnica, deve ser feita observando-se algumas regras. Estas regras visam torná-la, por assim dizer, mais legítima ou mais de acordo com a tradição de conversas de botequim.

Então, a primeira regra é usar o verbo achar. "Eu acho que...". Nenhuma opinião fica completa se não começar com essa frase. O único problema é que muitas pessoas vão bater pé e dizer: "Mas eu não acho, eu TENHO CERTEZA que o técnico da seleção não presta". Nesse caso, só resta responder com uma outra frase ainda mais comum: "Eu acho que você está sendo muito radical" ou "Não é bem por aí".

Aqui vale uma observação interessante. O leitor pode estar-se perguntando como diferenciar uma opinião de uma verdade. O ideal, caso se queira aprender a "desmascarar" um opinador, é ler "Apologia de Sócrates", de Platão. Grosso modo, pode-se identificar a opinião colocando-se um "por que?" depois de cada frase. Então o desmacarador facilmente perceberá que os argumentos subsequentes nunca serão totalmente convincentes. Nunca chegará o ponto em que se torne desnecessário perguntar "por que". Mas não vale ser desonesto e, ao ouvir que 2+2=4, continuar perguntando "por que"!

A segunda regra da opinião é sempre reforçar clichês. Não faz nenhum sentido, por exemplo, dizer que o Galvão Bueno é um ótimo narrador. Deve-se dizer o que a maioria pensa, ou seja, que o Galvão Bueno é um chato, que o futebol de antigamente era bem melhor, que os jogadores são estrelinhas etc etc.

A terceira regra é a mais importante e está por trás de todas as outras. Nunca deixar ninguém provar nada. Suponhamos que alguém diga que o Galvão Bueno é um chato. Então, a conversa se prolonga um pouco mais e cada um dos presentes faz uma observação sobre esse fato. Alguém diz, por exemplo, que ele é pau mandado da Globo e que é obrigado a ser assim, outro diz que ele já nasceu assim. Depois um primo chato - daqueles que só aparecem em época de Copa - começa a analisar empiricamente a narração, com o intuito de encontrar nela traços de que o Galvão Bueno está sendo espontâneo. Veja bem, se ele realmente encontrar o que procura, os interlocutores que disseram que o Galvão não tem culpa estariam errados, pois ficaria provado que ele tem culpa. E isso não pode acontecer de forma alguma. Ninguém pode estar errado em uma conversa "opiniática". Ninguém, com exceção do chato que quer ser mais inteligente e provar alguma coisa! Então esse chato deve ser calado. Entretanto, essa regra só deve ser usada em última instância, pois pode trazer um clima ruim para a conversa, já que o fulano que foi calado pode ficar "emburrado", de mal humor.

A quarta regra é não prolongar a conversa além do necessário. A menos que todos os participantes estejam completamente bêbados, uma conversa "opiniática" não pode durar muito tempo. Isso acontece pelo fato de que o ser humano tem em sua natureza uma característica muito inconveniente. Ele quer sempre buscar a verdade, explicar as coisas. Portanto, caso uma conversa dure muito tempo, fatalmente aparecerá um chato que entende mais do assunto e que demonstrará alguma verdade. Esse perigo está cada vez menor, pois o número de sujeitos "não opiniáticos" por metro quadrado tem diminuído em nosso país. As universidades têm trabalhado arduamente para amputar da natureza humana a tão incoveniente característica. E têm feito isso por meio da emissão de teses sobre Marx, Gramsci, Foulcault, Deleuze e Derrida, entre outros. Mas enquanto esse fim não for finalmente alcançado, precisamos tomar cuidado nas conversas de botequim. Do contrário, seríamos obrigados a por em ação a regra anterior.

A quinta e última regra é sempre falar bem alto. Desse modo alcançam-se alguns objetivos. Primeiramente, a conversa vai parecer séria e acalorada, como se os assuntos discutidos fossem de importância salutar. Além disso, ninguém vai querer provar nada de forma racional, garantindo-se assim a condição "opiniática" da conversa. E, finalmente, os indivíduos que estiverem bêbados ou distantes (do outro lado da mesa) escutarão as opiniões claramente.

Todas as regras aqui descritas servem, se adaptadas, a outros ambientes como, por exemplo, às salas onde se assiste aos jogos de futebol. Lamentavelmente, elas têm servido também para as salas de aula. Talvez isso se deva à dificuldade dos estudantes em lidar com esta duplicidade. Ora estão no boteco, ora na sala de aula de uma universidade. Precisam "trocar" de cérebro, por assim dizer, mas acabam não fazendo isso. E talvez não o façam porque seus professores não os ensinam, pelo simples fato de que também não sabem, tão cegos estão com suas teorias moderninhas.

Mas, como já dizia o meu tio, "futebol tem dessas coisas".

Evandro Ferreira
Belo Horizonte, 30/5/2002

 

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