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Terça-feira, 11/6/2002
Romário
Rafael Lima

Na falta de algum grande artilheiro, craque cem por cento em forma ou da confirmação de alguma promessa para o futebol, o grande fato da seleção brasileira continua sendo a não convocação do Romário. Em entrevista recente para um canal de Tv a cabo, o jogador afirmou que vai poder contar para seu filho que conseguiu com que seu nome fosse pedido pela vox populi. Da geração recente, Romário é o único nome que ultrapassou a mera condição de craque - transcendeu-a, virando verbete de enciclopédia, estatística, referência de banco de dados. Não bastassem os números que acompanham sua carreira, Romário também é o tipo de atleta que chama atenção pelo que diz e pelo que faz. A mesma matreirice dos dribles se manifesta em petardos verbais sob medida para a mitologia futebolística. A minha tirada favorita foi a justificativa que ele deu quando vieram lhe cobrar satisfações pelo despejo de alguns inquilinos de apartamentos seus, na verdade parentes distantes que não estavam pagando o aluguel: "quem tem filho grande é elefante".
Romário não foi convocado, entre vários motivos, por falta de timming. Em tempos de exaltação governamental à responsabilidade com as obrigações, aos compromissos firmados, à - segurem firme, lá vai clichê - seriedade na atitude, ele teimava em emular além da conta características do futebol romântico nas quais ninguém mais via graça, e às quais, de certa forma, atribuíam-se os fracassos em copas: a preguiça para treinar (naquela mesma entrevista, Romário contou que, juvenil, levado a fazer o aquecimento correndo ao redor da lagoa Rodrigo de Freitas, esperava passar um ônibus circular, dava calote e saltava um pouco na frente, evitando assim o exercício físico. Pouco depois, Romário chega a confessar que, em alguns jogos, corre menos até que o juiz), a falta de aplicação tática dentro de campo, a indisciplina nas concentrações. Foi o suficiente para ser vetado por Luiz Felipe Scolari. Resta saber até que ponto esse tipo de disciplina, organização, método, seja lá o que for, será eficiente para ganhar títulos com o futebol da seleção brasileira, que conquistou três deles sem se preocupar muito com isso. Em 94 o Brasil foi campeão com a pior equipe, tecnicamente falando, em 30 anos, ainda que tivesse compensado isso sendo a mais disciplinada taticamente, com mais seriedade e jogo de conjunto - além de um certo ás na manga: Romário, no auge.

* * *

Assisti ao primeiro jogo, contra a Turquia, na casa de um amigo recém chegado de uma pós graduação nos E.U.A. Reforçando a torcida brasileira estava um colega dele coreano que não só vestiu a camisa nova da seleção - aquela coisa horrível que a Nike fez - como ainda vibrou junto. Lá pelas tantas, em algum momento de marasmo no segundo tempo, fez uma observação hilariante, que eu até já tinha visto na internet: o Roberto Carlos é a cara do Mini-Me, vilão do filme Austin Powers. Antes que se acuse o coreano de traíra, posto que ele poderia torcer para sua própria seleção na Copa, notem que ele recordou que a Coréia já tinha disputado umas 14 ou 15 partidas em copas do mundo, das quais empatou 3 ou 4 e perdeu todas as outras. O jogo do dia seguinte, contra a Polônia, seria a primeira tentativa de vitória. Me senti um esbanjador com 4 títulos mundiais e 2 vices... Mas fiz questão de lembrar-lhe um momento marcante, talvez o mais próximo da vitória coreana que eu soubesse: em 1966, na Copa da Inglaterra, o primeiro tempo de Portugal e Coréia terminou 3 a 0 para o bravo time oriental. Só que o placar final foi 5 a 3 para Portugal. Foi exatamente esse jogo que motivou o espanto de muitos torcedores para com João Saldanha, já naquela época respeitado comentarista. Questionado protocolarmente no intervalo, João Sem Medo teria dito sem se coçar:
- Tá mole para Portugal. Vira fácil.
!!!

* * *

Uma amiga minha que mora em outro estado escolheu exatamente o dia e o horário do jogo do Brasil contra a China para viajar de avião. Ligado nessa sobreposição inesperada, avisei-a que dificilmente minhas chances de vê-la seriam grandes (ainda que fosse grande a vontade de encontrá-la). Ela respondeu dizendo que daria tempo, era só eu assistir ao jogo, depois pegar um avião e ir vê-la em São Paulo, sua escala. Matematicamente perfeito, ou seja, quase nada, em se tratando do jogo cuja alcunha é "uma caixinha de surpresas". Porque jogo, jogo que não seja de decisão, demora tanto quanto qualquer outro: dois tempos de 45 mais os descontos de sua senhoria. Só que o ritual do jogo é bem mais longo: tem início por volta de uma semana antes, com os telefonemas nos quais se combina o local onde o jogo será visto (que pode ser desde a casa daquele cara que tem uma 29 polegadas até, ora pois!, o próprio estádio, se o seu time estiver precisando de uma força do 12º jogador), o grupo que se reunirá (por favor, Copa do Mundo é coisa séria: só gente que entenda e goste de futebol; é a hora certa de vetar os chatos, os parvos, os inconvenientes, e sobretudo aqueles que costuma dizer quando perguntados sobre seu time, "eu não assisto futebol, só gosto de copa do mundo"), os comes e bebes que irão embalar o ritual (onde já se viu ritual sem seu alimento sagrado? Tem espaço para gelar a cerveja?) e o que mais necessário for para a boa apreciação da partida; e só termina sabe-se lá quanto tempo depois, quando os gritos de fim de jogo já soaram, quando a adrenalina já abaixou (em caso de final de campeonato - e praticamente qualquer jogo de Copa), quando esgotaram-se as incansáveis repetições de jingles e refrões insultando o time, o técnico, o dirigente e a torcida adversárias, quando todo o estoque de bebidas se esgotou, quando a rouquidão é fato.
E ela queria que eu, acabado o jogo, fleumaticamente me despedisse, rumasse para uma emocionante fila de check in no aeroporto para vê-la. Eu me pergunto quando vai chegar o dia em que as mulheres terão sensibilidade suficiente para curtir o futebol, veja bem, curtir!, não assistir aos jogos à cata das pernas mais bonitas em campo.

Rafael Lima
Rio de Janeiro, 11/6/2002

 

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