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Quinta-feira, 27/6/2002 Todos querem ser cool Adriana Baggio O que é cool? Como definir cool? O que é preciso para ser cool? Para começar, todas essas perguntas são uncool. Não há uma regra para definir o que é cool. A gente sabe quando vê. Da mesma maneira que não se ensina como ser cool. Ou é, ou não é. E também é muito ridículo ficar tentando ser cool. É como usar uma roupa bem cortada, de caimento perfeito, mas que não tem nada a ver com biotipo da pessoa. Parece farsa. E farsa é totalmente uncool. Essa é uma preocupação que esquenta principalmente a cabeça de adolescentes e jovens adultos. O pessoal mais velho não se amofina muito com isso. Será que é porque perceberam que não vale a pena? O fato é que, quanto mais velhos ficamos, mais tolerantes nos tornamos com as coisas uncools da vida, mas que dão muito prazer. Tipo comer churros de doce de leite. É totalmente uncool, mas é divino. Percebendo o grande potencial de influência e consumo que os aspirantes a cool possuem, as empresas e suas marcas passaram a prestar mais atenção a esse tipo de tendência que é difícil de medir cientificamente. Depois que as teorias do comportamento do consumidor ficaram acessíveis a um maior número de empresas, permitindo mapear o comportamento humano em busca de indícios do que as pessoas estão dispostas a comprar, esse tipo de ferramenta deixou de ser um grande diferencial competitivo. Do outro lado, os novos consumidores parecem não se encaixar mais nos padrões estabelecidos, e ousam não responder aos estímulos que, teoricamente, deveriam botar em funcionamento o comportamento esperado. É quase como se os ratinhos daquelas experiências psicológicas de estímulo e resposta tivessem sacado o esquema e decidissem boicotar os cientistas. Outro fato é que as crianças, adolescentes e jovens adultos têm muita quantidade e fácil acesso à informação. Ao invés de receber informações de maneira passiva, sem poder selecionar muito, e de conviver somente com pessoas fisicamente próximas, a nova geração procura ativamente o que quer saber e com quem quer se relacionar, mesmo que uma coisa ou outra esteja a milhares de quilômetros de distância. Isso faz com que as pessoas encontrem exatamente o que querem. E normalmente o que eles querem é cultura pop. Se antes o gosto e as influências eram determinados em casa, na escola e no círculo de amigos próximos, hoje as opções de referencial são muito mais amplas. A tendência também é que esses referenciais sejam facilmente descartáveis, já que a possibilidade de atualização é muito rápida. Assim, o que é cool hoje, pode não ser amanhã. Procurando se embrenhar na seleção cool da garotada as empresas passaram a mudar suas estratégias de posicionamento de marca. Em um dos capítulos de seu livro Sem logo - a tirania das marcas em um planeta vendido (Record, 2002), Naomi Klein mostra como grandes marcas estão fazendo o seu branding de acordo com a tendência cool diagnosticada nas ruas, nos colégios, nas universidades, nos lugares freqüentados por quem é ou quer ser cool. Ela cita empresas como Nike e Tommy Hilfiger, por exemplo, cujos departamentos de marketing têm acesso às mais modernas ferramentas para o desenvolvimento da marca, mas que estão voltando aos primórdios do que se pode chamar de opinião pública, para saber com quem ou com o quê devem se associar. Para isso, essas empresas contratam os cool hunters, ou seja, pessoas que são cool, que freqüentam lugares cool, para que identifiquem tendências. Chega daquelas salas de vidros espelhados onde são feitas as pesquisas qualitativas. Para identificar o cool é preciso que a fauna esteja em seu habitat natural. Para ser uma marca cool não basta estar nos lugares certos, como patrocinando um show, por exemplo. Nesse caso, a marca foi imposta, forçosamente associada ao evento. E como os ratinhos viciados nos testes de laboratório, o público percebe a estratégia que funcionou por anos e decide boicotar o patrocínio. É por isso que as marcas precisam ser incorporadas naturalmente. É por isso que as marcas deixam de se apropriar da cultura para virar cultura. Para conseguir isso, empresas estão tomando atitudes impensáveis há alguns anos. Em vez de combater a pirataria e os furtos em suas lojas, algumas companhias fazem vista grossa para essas ações que, na realidade, alimentam de grifes a comunidade negra urbana dos Estados Unidos, por exemplo. A cultura hip hop é forte entre os negros, e é cool entre os brancos. Para ser bem didática, um típico representante da cultura hip hop usando um tênis Nike faz com que a marca seja incorporada à cultura, que por sua vez será consumida em todos os seus aspectos por cools de todas as raças. Uma empresa chamada Signs of the Time espalhou 25 cool hunters pela Europa para identificar o que faz sucesso entre os jovens, com o objetivo de ajudar suas empresas clientes a planejar estratégias de marketing e comunicação. A pesquisa identificou como cool elementos tão díspares como as Nike Towns (grandes lojas temáticas da Nike) e os movimentos antiglobalização. Ou seja, ao mesmo tempo em que é cool usar Nike, ou melhor, viver a experiência Nike, também é cool protestar contra a globalização e seus efeitos nocivos às economias menos desenvolvidas. Por aí se percebe que o conceito cool não tem nada a ver com politização, consciência social, ética e outros valores. A Nike é um dos exemplos mais famosos de utilização do trabalho infantil e de exploração de economias subdesenvolvidas, sem retorno à comunidade onde está inserida. Para ser cool as coisas precisam proporcionar uma experiência, de preferência agradável. Com as marcas acontece a mesma coisa. Essa busca acaba sendo meio hedonista, e lembra muito os dândis ingleses do final do século XIX. Faz parte do comportamento cool ser indiferente, não se exaltar, evitar o que é mainstream e saudar o alternativo. O cool acaba sendo uma armadilha, porque o que é alternativo hoje acaba sendo mainstream amanhã. Ser cool também é uma saída para se sobressair quando não se têm outras qualidades de destaque. Para ser cool não é preciso ser rico, bonito ou inteligente. Sobrepondo esse modelo às marcas, temos a comprovação do esquema através da pesquisa que revisa Fortune publicou no início desta semana: um grupo de analistas e executivos identificou quais as empresas mais cool nos segmentos de mídia, comunicações e biotecnologia. Nenhuma delas é a mais rica, ou a mais famosa, ou a mais conhecida. A campeã no segmento mídia foi a Pyra Labs, que desenvolve blogs, aqueles diários online tão em voga no momento (e que são ótimos difusores da cultura cool); no segmento comunicações a campeã foi a FHP Wireless, que trabalha com redes sem fios; e no setor de biotecnologia, a 1747, uma empresa que testa medicamentos em pacientes do mundo todo obtendo as respostas através da internet (curiosidade: o nome é relativo ao ano em que foram feitas as primeiras experimentações médicas no mundo, à bordo de um navio). Voltando às definições do que é ser cool, mesmo que isso seja uncool, fica a pergunta: será que é cool usar marcas que estão fazendo de tudo para ser cool? O grande lance do cool é a inacessibilidade. Para ser cool não é permitido que seja fácil de entender, de encontrar, de consumir. A partir do momento em que as marcas começam a sistematizar esse conhecimento, ele deixa de ser autêntico e passa a ser artificial, uma farsa. Assim como tentar ser cool pode ser desgastante para uma pessoa, também pode ser prejudicial para as marcas. Uma vez caindo na desgraça desse grupo, a recuperação leva muito tempo. Algumas empresas mais pé-no-chão tem uma visão cautelosa sobre a perseguição do be cool. Extraindo do Sem logo...: "'O cool ainda é impalpável para nós', diz Bill Benford, presidente da empresa de roupas para atletismo L.A. Gear, e quase se espera que ele corte seus pulsos como algum garoto de 15 anos ansioso e incapaz de encarar o exílio no recreio da escola antes de outro período letivo." Fontes: Sem logo - a tirania das marcas em um planeta vendido, Naomi Klein, Record, 2002. Isto é cool!, por Patricia Freixo. www.fortune.com. Adriana Baggio |
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