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Quarta-feira, 17/7/2002
Caminho para a Saúde
José Knoplich

A obtenção do pentacampeonato do futebol mundial deu a oportunidade de grande parte da população ficar familiarizada com os campeões do passado e do presente. Não só com as glorias do esporte mas também com as mazelas. Só três exemplos de mazelas: Maradona e as drogas; Tostão e o descolamento de retina; Garincha e o álcool. Três exemplos de vitorias: Ronaldo, a mais espetacular, com a recuperação do seu joelho operado; Cafú que com seus 128 jogos na seleção em 3 copas, dando um show de fôlego (apesar de seus 32 anos de idade); e o alardeado preparo físico da equipe alemã (assim como de todos os times europeus) que desapareceu ante o Brasil.

Este início de milênio marca inegavelmente um momento de grandes mudanças no comportamento da sociedade em geral, e de cada pessoa em particular, em relação à saúde e ao corpo, com a valorização da prática de atividades físicas.

Sem querer fazer um histórico do desenvolvimento da importância dos exercícios físicos, e sua aplicação na saúde pessoal, temos que localizar o inicio, na época mais moderna, com Per Henrik Ling (1766-1839), que introduziu a Educação Física nas escolas suecas. Essa pratica passou a ser conhecida no Brasil como ginástica sueca, com a idéia voltada para a saúde e a estética do corpo. Em seguida veio uma padronização dessa ginástica, que pausou a chamar-se Calistenia (segundo o Aurélio: exercício ginástico para beleza e vigor físicos, originário do grego kallos (belo), sthenos (força). Esse movimento, apesar de criado na França, foi difundido pela Associação Cristã de Moços dos Estados Unidos, tanto para militares (quem não conheceu os " exercícios da força aérea canadense "?) como para o publico em geral. Em 1896, o Barão de Coubertin, também francês, organizou em Atenas os primeiros Jogos Olímpicos da Era Moderna que pregava que a beleza e vigor físicos deveriam ser obtidos na pratica de um esporte especifico.

As vitorias das equipes nacionais contadas em medalhas de ouro, passou a ser uma disputa entre os países ocidentais e do bloco comunista e permitiu o desenvolvimento de uma Ciência do Esporte, que passou a interessar a Medicina.

A partir da década 1960 quando começou o Framighan Heart Study, nos Estados Unidos, e com os dados medico-científicos, acumulados durante esses anos, ficou demonstrado que as populações sedentárias são as que morrem mais jovens, afetadas por doenças do coração. Esse estudo de Framighan mostrou que o sedentarismo, que significa ficar sentado (sedentare, do latim) e portanto com falta de praticas esportivas ou ginasticas individualizadas, causa distúrbios cardíacos que levam a morte ou ao invalidismo por causa de derrames cerebrais. O sedentarismo é considerado uma doença. É a adoção cada vez mais da lei do menor esforço reduzindo assim o consumo energético corporal. É a tendência cada vez maior de substituição das atividades nos empregos e nas atividades domesticas, que demandam gasto energético por facilidades automatizadas, como o carro, eletrodomésticos, uso de elevador, etc., que não gastam energia e que acumulam gordura, porque a ingestão de alimentos continua a mesma. Dia 7 abril de cada ano, comemora-se o dia mundial de combate ao sedentarismo - com o programa "agita mundo" de ensino da pratica esportiva e de exercícios pelas secretarias de governo no Brasil e no Mundo.

Esse estudo de Framighan também demonstrou a influencia de fatores alimentares, psicológicos, sociais e estressantes da vida moderna sobre as artérias e músculos. Nesse processo, também participa o colesterol, que ajuda a entupir as artérias do coração e do cérebro.

Isso tudo mudou o comportamento das pessoas e dos governos em relação à saúde, nos últimos trinta anos, com a valorização da pratica de exercícios em geral, mais do que a atividade esportiva, associados a varias atividades correlatas, incluídas no conceito de "fitness" americano: significa "ficar em forma". Esse novo conceito de exercício, que contempla a saúde e a estética, prioriza as coronárias, colesterol, a obesidade mas também se preocupa com os músculos, na busca da atividade física como instrumento da qualidade de vida, chegando então a um novo conceito, na expressão inglesa de "wellness", que significa "bem-estar"

Nos Estados Unidos, existe uma enorme quantidade de livros sobre esses temas, escritos por médicos, fisiologistas, fisioterapeutas, professores de educação física, que aliam a experiência universitária, com a atividade em algum clube ou equipe esportiva. (O site da Amazon relaciona 32.000 itens sobre fitness; no site da Submarino existem 305 títulos entre livros nacionais e importados).

No Brasil, quem mais se aproxima desse perfil americano é o prof. Turíbio Leite de Barros Neto, que não é medico, mas bio-medico, formado em Ciências Biológicas Modalidade Médica, na Universidade Federal de S. Paulo (Escola Paulista de Medicina). É o coordenador do CEMAFE - Centro de Estudos em Medicina da Atividade Física e do Esporte, e professor adjunto do Departamento de Fisiologia da UNIFESP/Escola Paulista de Medicina. Também atua como fisiologista do São Paulo Futebol Clube em associação com o departamento medico. Ele acaba de lançar o livro "O Programa das 10 Semanas - uma proposta para trocar gordura por músculos e saúde" (306 paginas, Editora Manole, R$ 41,40). Nesse livro o autor afirma que nesse "novo conceito de exercício físico procura-se valorizar a necessidade de realizar, na mesma ordem de importância, exercícios aeróbios e exercícios com pesos, para promover a saúde e melhorar a resistência muscular". Os exercícios aeróbios contribuem para a queima de gorduras enquanto os exercícios com pesos aumentam a massa muscular, ajudando a mobilizar maior quantidade de gordura.

A nutrição passa a ter um papel cada vez mais integrado à prática de exercícios, constituindo um binômio que é um verdadeiro "passaporte para a saúde": atividade física e alimentação balanceada. Turíbio Leite de Barros Neto participou com Nabil Ghorayeb, Chefe da Seção Médica de Cardiologia do Esporte do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia de São Paulo, como co-autor no livro "O Exercício - Preparação Fisiológica, Avaliação Médica, Aspectos Especiais e Preventivos", o primeiro tratado sobre o tema publicado em português para especialistas (540 páginas, Editora Atheneu, 2000, R$ 97,00).

Tinha anteriormente lançado, em 1997, o livro "Exercício, saúde e desempenho físico" (80 páginas, Editora Atheneu, R$ 17,00). O prof. Turíbio e sua equipe montaram uma Academia em S.Paulo em que a filosofia é a seguinte: "os exercícios físicos têm de ser agradáveis e, além de proporcionar um grande prazer, devem manter o princípio do bem-estar." Exemplo de um programa que sugere é o triatlo: 15 minutos de bicicleta, outros 15 de caminhada na esteira e mais 15 de hidroginástica. O que permite fortalecer a musculatura, ativar a circulação e relaxar, com exercícios rápidos, diversificados e sem monotonia Tudo isso é realizado com tempo de relaxamentos, de alongamentos numa rede nordestina ou no solo.

Dois problemas básicos, que enfrentam as pessoas que precisam fazer exercícios: primeiro, não encontram nem tempo, nem disposição de fazê-los. A motivação para todo o tipo de atividade voluntária e preventiva para a saúde é muito complexa, mas pode-se verificar o que ocorre com o habito de fumar: todos fumantes sabem de seus malefícios, mas é muito difícil de abandonar o hábito. Como afirma o cronista esportivo Armando Nogueira, no prefacio do livro do prof. Turíbio: "Ninguém pode querer trocar, da noite para o dia, a vida sedentária por uma súbita conversão ao credo esportivo. A transição terá que ser cautelosa, devidamente orientada por médicos especializados na ciência do esporte".

Mas o segundo grande problema são os esportistas, assim como os ginastas que adotam essas atividades de forma exagerada e procuram "estimulantes" para a pratica esportiva de alto rendimento. O uso desses estimulantes desencadeou um processo que representa atualmente uma das grandes preocupações na área das Ciências do Esporte e da Medicina Esportiva, tanto no que diz respeito ao combate ao doping (substancias químicas capazes de melhorar a performance nas atividades físicas esportivas, ou mesmo no trabalho ou atividade mental ou artística), como também no âmbito do uso indiscriminado de drogas e suplementos nutricionais com objetivos puramente estéticos. O prof. Turíbio afirma que "O capítulo da luta contra o 'doping' no esporte tem se constituído o lado mais tenebroso dessa área e nos leva a cada vez mais a questionar, no âmbito do esporte de alto rendimento, a afirmação de que esporte é saúde.

Sem sombra de dúvida, dentre os chamados esteróides anabólicos ocupam o lugar principal. Seu potente efeito anabolizante associado à prática de exercícios com pesos, acena com a promessa de recorde ou uma marca extraordinária para o atleta e do "corpo perfeito", para o "malhador" de academia. Infelizmente, cada vez mais, o possível efeito terapêutico dos anabolizantes é desvirtuado a ponto da própria concepção leiga do seu nome ser associada a um perigo iminente (o que de fato se justifica em decorrência dos abusos cometidos e dos episódios trágicos freqüentemente relatados, com associação com outras drogas ilícitas entre os jovens). Chega-se a criar até um certo terrorismo, associando o uso de qualquer suplemento nutricional, na pratica esportiva, como o primeiro passo para que a pessoa ou o praticante de exercícios parta para o consumo de "esteróides anabólicos".

Um estudo realizado no Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas da Universidade Federal de São Paulo, sobre o perfil de 40 usuários de anabolizantes de academias de São Paulo, concluiu que 93% misturavam vários medicamentos, inclusive de uso veterinário, e 47,5% não tinham a menor idéia do que ingeriam (apesar de 77,5% terem nível superior). Mais da metade deles tinha iniciado o uso da droga antes dos 20 anos, quando começou a preocupação com a estética corporal.

O anabolizante é um hormônio sintético que substitui a testosterona (hormônio masculino). Só pode ser utilizado por recomendação médica em pessoas com déficit desse hormônio ou em idosos que precisam de massa muscular.

O jovem, o homem adulto e o velho podem ter como efeito colateral: um aumento das mamas e o desenvolvimento de uma acne violenta. O efeito mais sério é o aparecimento de tumores no fígado. Além disso, alguns jovens desenvolvem uma agressividade intensa. Nas mulheres os efeitos colaterais são: desenvolvimento pêlos duros no rosto (barba e bigode), voz grossa, fora interferências no ciclo menstrual (esses efeitos colaterais nas meninas podem ser irreversíveis). Em ambos os sexos, o uso dessas drogas podem causar dependência química.

Enfim, parece que nesse terreno de esporte associado a saúde, e fitness, os instintos e as informações de amigos e vizinhos não são suficientes. Pais e educadores precisam sempre da companhia de um profissional competente e informações de boa qualidade (que já estão publicadas). A principal recomendação do prof. Turíbio "é seguir o bom senso e praticar exercícios como um hábito de vida e não como quem toma um remédio amargo. A principal orientação é fazer exercícios com prazer, sentindo o bem-estar antes, durante e principalmente depois da atividade física. Qualquer desconforto sentido durante ou depois de exercícios deve ser adequadamente avaliado por um profissional da especialidade. O exercício não precisa e não deve, ser exaustivo se o propósito for a saúde".

José Knoplich
São Paulo, 17/7/2002

 

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