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Segunda-feira, 5/8/2002 O orgulho ferido Marcelo Barbão Soberba é o ato de extremo orgulho, uma sensação de absoluto vivenciada por pessoas extremamente poderosas e incapazes de aceitar uma negação vinda de alguém inferior. Também pode ser conhecido como orgulho. Em 2000, uma história estranha e, infelizmente, já esquecida, tomou conta das redações brasileiras e mundiais: o famoso e respeitado jornalista Antonio Marcos Pimenta Neves, editor do jornal Estado de S. Paulo matou com dois tiros a também jornalista Sandra Gomide. Foi, aparentemente, uma história passional. Aparentemente, porque, no fundo, foi a soberba de Pimenta Neves o pivô de todo o crime. É isso que conta Tomás Eloy Martínez no livro "Soberba - O Vôo da Rainha", que traz a história do Dr. Camargo, poderoso dono do jornal El Diário de Buenos Aires que, apaixonado e rejeitado pela repórter novata Reina Remis (infelizmente, na tradução, perdeu-se o trocadilho do nome da personagem Reina com o título), transforma a vida dos dois numa pura neurose. O argentino Martínez foi convidado pela editora Objetiva para completar a excelente coleção Plenos Pecados, que cobriu os sete principais vícios e erros que o cristianismo condena. Martínez, que ainda é pouco conhecido no Brasil, participou ao lado de grandes brasileiros como Luís Fernando Veríssimo, Zuenir Ventura e João Ubaldo Ribeiro. Apesar do aviso ao final do livro de que esta é uma obra de ficção, as semelhanças com a realidade do crime acontecido no Brasil são grandes. O que não é nenhum demérito para Martínez, pelo contrário. O grande feito de Soberba é exatamente colocar uma pá de cal sobre esta monstruosidade típica dos machos latino-americanos, que é a tal da honra ou algo que o valha. A maioria dos crimes ditos passionais não tem (não pode ter) nada a ver com "paixão" mas com o orgulho e a soberba dos machos feridos. É essa soberba que leva o poderoso Dr. Camargo a abandonar tudo para espionar por horas a fio, através de um telescópio, sua mulher amada. A imagem do homem todo-poderoso sentado num apartamento abandonado, vivendo em função da pequena imagem do outro lado da rua, é um retrato perfeito da solidão do poder. Mas o Dr. Camargo não pode, em nenhum momento, deixar que alguém o desafie. Muito menos uma cadela como Reina Remis, alguém que só chegou a seu posto por causa dele. Alguém que deve quase toda sua vida a ele. Quem seria ela se não fosse por ele? O problema de brincar de Deus é que é fácil começar a acreditar nisso. E, do mesmo jeito que Deus pode ser dadivoso, Deus pode ser irado. Do mesmo jeito que presenteia, pode punir. É seu direito porque é sua criatura. Criada por ele. Por isso, até mesmo o direito sobre a vida e a morte é concedido a ele, Dr. Camargo. A narrativa de Tomás Martínez é cuidadosa, criando uma forte tensão ao longo do romance. Sua técnica de viajar no tempo como se vários acontecimentos e personagens estivessem convivendo no mesmo momento, dá um colorido especial ao livro que fecha esta coleção. Mas, não podemos deixar de lamentar os problemas de tradução que são encontrados ao longo do livro. Alguns falsos amigos, principal problema quando se traduz do espanhol para o português, passaram incólumes por todo o texto. Quer dizer, este é um jogo de adivinhação nosso, já que o livro não traz o nome do tradutor e nosso palpite é que o autor não escreveu em português. Mas isso, apesar de ser um problema sério, não significa que a coleção Pleno Pecados não feche com chave de ouro. Tanto o tema como o autor foram muito bem escolhidos pela Objetiva. Afinal, segundo todos os teólogos o orgulho é o pai de todos os pecados. Foi ele que levou Lúcifer a desafiar Deus e que levou Adão a provar do fruto proibido. Para ir além
Tomás Eloy Martínez Ed. Objetiva 277 páginas Marcelo Barbão |
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