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Sexta-feira, 16/8/2002
Falsos intelectuais
Alexandre Soares Silva

Por qual motivo um falso intelectual é tão mais irritante do que alguém simplesmente ignorante?

Será porque a falsidade em si irrita? Não é verdade - um falso pipoqueiro, por exemplo, pode ser muito mais simpático do que um pipoqueiro de verdade. O fato de ele ter tentado se passar por pipoqueiro dá um certo charme, é divertido (sem contar que é misterioso: por que alguém tentaria se passar por pipoqueiro?). Um falso atleta é risível, mas também de um jeito simpático. Imagine um advogado magrela que mente para a nova namorada, dizendo que luta kickbox aos sábados. Ao subir no ringue e apanhar, ele não é odioso - é só risível e simpático. Mas o falso intelectual (também conhecido na intimidade como pseudo) é a criatura mais odiada do mundo.

Não entendo o motivo, mas também sinto isso. Especialmente nestes dias em que, para mal de meus pecados, estou tentando fazer pós-graduação em literatura. Ah, ouçam isto, que é divertido. Incentivado pela professora a dar uma definição de teoria literária, um sujeito "que trabalha Eliot" disse: "Bom, para mim é uma reflexão polissêmica da infinita rarefação dos sentidos, no meu entender, professora".

Senhores, não brinco. Estes ouvidos que já ouviram Audrey Hepburn cantando "How Long Has This Been Going On" e Noel Coward cantando "Mrs. Worthington", ouviram essa frase exatamente como está aí. "Uma reflexão polissêmica da infinita rarefação dos sentidos". Virei pra trás, rindo, e achando que era brincadeira. Que ninguém no mundo pode dizer uma frase dessas a sério. Mas o pseudo pode. O pseudo estava sério. Os outros pseudos, também sérios (mas pseudos estão sempre sérios) anotaram a definição no caderno. A professora disse: "Gente, que bárbaro".

A professora anotou na lousa: REFLEXÃO POLISSÊMICA DA INFINITA RAREFAÇÃO DOS SENTIDOS. A professora disse: Pensem nisso, gente. Eu pensei. Tentei entender por qual razão um pseudo-intelectual é tão repulsivo. Em princípio, não deveria. Meter-se na discussão de um assunto que você não conhece (como literatura, digamos), e simplesmente na base da impudência acabar dominando completamente toda a discussão contemporânea do assunto, no fundo, no fundo, é tão admirável quanto alguém que nunca tivesse atirado antes e de repente, numa batalha, ficasse sozinho defendendo um forte durante vários minutos. Não - durante dias, anos. Isso é coragem. E coragem não é admirável em si mesma? Eu mesmo, se for honesto, tenho que reconhecer que já me meti em discussões sobre assuntos dos quais não sabia nada (grego antigo, por exemplo), e que fiquei contente com o meu sangue-frio, a minha panache, a minha chutzpah, a minha audácia da pilombeta. Atravessei vários minutos de discussão e a outra pessoa nunca percebeu que eu não sabia nada de grego. (Acho que ele também não sabia. Blefamos ambos.) Fui um pseudo, mas um pseudo em pequena escala. E mais: um pseudo só por dez minutos. E achei divertida a minha coragem.

Por que, então, não admirar pseudos como Lacan, Derrida, ou o sujeito polissêmico na minha classe? Simplesmente porque eles são pseudos em tempo integral e em grande escala? É a intensidade da pseudice que torna a coisa odiosa? E por que, por que, não é um falso intelectual tão simpático quanto um falso pipoqueiro?

A propósito - O momento mais sublime do cinema, para mim, acontece num filme chamado "Esperança e Glória" (Hope and Glory, 1987) , de John Boorman. Esse filme já era maravilhoso no roteiro; há várias cenas, na verdade todas ou quase todas, que mereceriam um elogio particularmente sicofântico; mas a cena da qual quero falar acontece no final.

O filme se passa durante a Segunda Guerra. A casa da família, em Londres, foi destruída por um incêndio, e o molequinho vai passar as férias na casa idílica do avô, no campo, na beira do rio. As férias terminam e o avô leva o menino de carro para a escola, para o primeiro dia de aula. O molequinho infeliz pelo fim das férias, e por ter que voltar para Londres. Mas ao sair do carro e atravessar os portões da escola, vê que o prédio foi todo destruído pelas bombas alemãs - os alunos estão todos comemorando no pátio, e um deles joga o boné pra cima e grita: "Thank you, Adolf!". Este, exatamente este é o momento mais sublime da história do cinema. (Corte para o menino de volta no carro do avô, voltando para o campo. O avô rindo do acontecido).

Por que falei disso? Ah, sim. Porque sempre penso nessa cena quando vejo o prédio da minha universidade. Boa e velha Alma Mater. Antes de ver o prédio, há sempre um momento de esperança absurda, ridícula, deliciosa. Daí viro a esquina e o prédio está lá, todo pimpão, com suas manchas pretas de fuligem escorrendo como rímel pelas paredes de concreto.

Também me lembro de uma tira de Quino em que o Felipe sonha que a escola foi destruída. Será que é tão comum assim essa fantasia? Que de manhã todo mundo que a gente vê na rua está sonhando com a destruição de suas escolas, faculdades, empresas?...



Mas... - Mas há uma outra esperança. Já ouviu falar da teoria do Planeta Purificador? Alguns (vou dizer uma palavra feia) esotéricos acreditam que um certo planeta chamado Hercóbulus vai passar em breve perto do sistema solar; e quando ele se for, dizem eles, vai levar consigo, no rastro de sua "área vibracional", todos os espíritos humanos mais grosseiros, animalizados e estúpidos. Algo assim como um ímã de idiotas.

Espero que seja verdade, é claro - embora seja difícil acreditar na palavra de alguém que se assina "Yuri, o Comandante da Planeta Patrulha" (especialmente quando se sabe que todo mundo no Planeta Patrulha é um mentiroso miserável). Mas é uma teoria tão agradável. Na noite da passagem do Hercóbulus espero estar na varanda com a minha cachorra Lolita, olhando as almas dos pseudos subindo como estrelas ascendentes. "Diz tchau para os pseudos, Lolita. Tchau, Derrida! Tchau, Foucault!"

Alexandre Soares Silva
São Paulo, 16/8/2002

 

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