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Terça-feira, 10/9/2002
Pólvora e Poesia
Nanda Rovere

Os atores Leopoldo Pacheco e João Vitti continuam brilhando no espetáculo "Pólvora e Poesia" em São Paulo.

Estrearam em 2001 no CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil) e o sucesso foi imenso, por isso estão novamente em cartaz com a montagem, agora no TUSP (Teatro Universitário da USP).

O texto trata do relacionamento amoroso entre os poetas franceses Rimbaud e Paul Verlaine.

Rimbaud, então um artista adolescente e interiorano, manda cartas para Paul Verlaine demonstrando um grande talento como escritor. Rimbaud era boêmio e tinha uma vida desregrada, Verlaine era casado e fazia parte da elite intelectual francesa. Este se encanta com a irreverência do novo poeta e o convida para residir em sua casa na cidade de Paris.

Apaixonam-se e vivem uma paixão explosiva. Verlaine (então um poeta Parnasiano) muda o seu estilo de escrever, mas não consegue romper definitivamente com as regras sociais. Desesperado, após uma briga, acaba atirando em Rimbaud e sendo condenado a dois anos de prisão. Rimbaud, por sua vez, viaja por vários países da Europa e se muda para a África onde contrabandeia armas.

Quando fui ao teatro assistir a Pólvora e Poesia imaginava o que eu iria encontrar. Já conhecia e admirava o trabalho de Alcides Nogueira (autor), do Leopoldo Pacheco (Paul Verlaine), do João Vitti (Rimbaud), do diretor de teatro Márcio Aurélio e Gabriel Villela, o qual assinou o cenário e os figurinos.

Um primor de texto e de montagem! O pianista em cena foi uma idéia genial. As músicas de Chopin, tocadas ao vivo pelo músico Fernando Esteves, causam um desconforto que reflete totalmente o furor amoroso e artístico dos personagens.

Na direção do Márcio Aurélio merecem destaque as marcas dos atores no palco, pois aumentam a "tensão" dramática das cenas.

O cenário elaborado pelo Gabriel é simples e inteligente. No fundo do palco tem uma porta e um painel com rasgos que nos remetem aos encontros, desencontros, dúvidas e angústias dos personagens.

As interpretações do João e do Leopoldo são excepcionais. O João consegue transmitir a juventude e a rebeldia de Rimbaud e o Leopoldo, toda a angústia, paixão e dúvida do seu personagem. É um privilégio vê-los em cena. O Premio Shell de Melhor ator recebido por Leopoldo Pacheco foi merecido!

O texto, por sua vez, trata de um assunto sempre presente no cotidiano de todos os seres humanos: o amor e a busca da felicidade num mundo onde o preconceito causa guerras e destrói muitas vidas. É muito legal entrar em contato com o universo poético de dois artistas que expressaram muitas bem as contradições e angústias dos homens, não só do século XIX (período em que eles viveram), mas de todos os tempos.

A rebeldia de Rimbaud na luta contra os princípios de certo e errado estabelecidos pela sociedade certamente é um dos maiores encantos do poeta e enriqueceu muito a sua poesia.

E, Paul Verlaine, na sua indecisão entre romper barreiras ou continuar submisso às regras da sociedade, vivendo acomodado no conforto familiar e usufruindo de privilégios por pertencer à elite intelectual francesa, torna o personagem extremamente interessante.

Para viverem a sua paixão, Verlaine e Rimbaud não só enfrentaram muitos preconceitos como também magoaram pessoas próximas a eles (Verlaine era casado e morava na casa do sogro), e a si mesmos.

Verlaine não consegue abandonar definitivamente a sua esposa e se entregar à paixão. Acaba cometendo um crime contra Rimbaud, mas buscou, a seu modo, a liberdade e a irreverência que tanto admirava no mesmo.

O que seria da poesia moderna se esses dois gênios da literatura não tivessem ultrapassado os limites do que a sociedade julga como certo ou errado?

Verlaine e Rimbaud foram fiéis aos seus sentimentos e demonstraram, através de suas criações literárias e relacionamento, a importância de nos rebelarmos contra os dogmas sociais quando acreditamos na possibilidade de uma vida mais feliz através da conquista da liberdade.

Por mais que o homossexualismo não seja o ponto central de "Pólvora e Poesia", obviamente isso enriquece muito o texto, pois somente o respeito às diferenças salvará o mundo da destruição, e, certamente, o maior mérito das montagens que tratam de questões como o homossexualismo (óbvio que "Pólvora" transcende essa questão!) é demonstrar que a busca da felicidade e do amor independe de sexo, cor e classe social.

A arte pode não ter o poder de transformar o mundo (será que não tem mesmo?), mas ela pode, sim, contribuir para o desenvolvimento do senso crítico dos seres humanos e nos proporcionar o aprimoramento do nosso conhecimento.

Quem se interessa por poesia e por um teatro que trata profundamente as angústias e desejos humanos, não pode perder esse belíssimo espetáculo.

Sucesso de público e crítica, essa montagem recebeu o Prêmio Shell de Melhor Autor (Alcides Nogueira), Ator (Leopoldo Pacheco) e Direção (Márcio Aurélio).

Vale a pena conferir "Pólvora e Poesia" e conhecer um pouquinho mais do universo desses poetas que revolucionaram a poesia francesa.

Para ir além
"Pólvora e Poesia"
Texto e Trilha Sonora: Alcides Nogueira
Direção e Iluminação: Márcio Aurélio
Elenco: Leopoldo Pacheco, João Vitti e Fernando Esteves (pianista)
Cenário e Figurinos: Gabriel Villela
Horário: Sexta e sábado, 21h; domingo, 20h.
Preço: R$ 20,00
Local: TUSP - Teatro da USP
Rua Maria Antonia, 294, Tel: (11) 3255-5538. São Paulo/SP.

Nanda Rovere
São Paulo, 10/9/2002

 

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