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Quarta-feira, 11/9/2002
3,2,1: O Amor está no ar
Rennata Airoldi

O ser humano é engraçado. Dá mil voltas para chegar sempre ao mesmo ponto. Ninguém admite claramente, mas a verdade é que vivemos para amar. Só. É simples e ao mesmo tempo complicado. É o amor que nos move e nos faz levantar todos os dias e nos faz sonhar com aquilo que imaginamos ser ideal. E, na busca de um amor perfeito, de uma alma gêmea, nos frustramos, sofremos, nos apaixonamos e seguimos em frente. Parece que não existe nenhuma novidade aqui. Bingo! É isso mesmo. Não é nada novo, é apenas uma constatação. Nossa vida é um livro cheio de clichês!

O Teatro não deixa de ser um pouco disso, já que é reflexo da vida. É a voz de todos, o eco do ser humano, expressa através da voz dos atores, em alguns minutos de cena. É, não fugindo da frase feita, o espelho de nossa alma. Assim, devemos expressar através da arte um pouco de tudo e aquilo que nos faz sentir a vida. Muitas vezes as peças tratam de drogas, violência, tragédias ou dramas comoventes. Sofrer é bom, mas se comover com as coisas boas e singelas do cotidiano também se faz necessário. Ah, o amor... quem nunca sonhou com aquele que seria a tampa da sua panela, jogue a primeira pedra!

"3,2,1" é o título da peça de Márcio Araújo, que traz à cena os atores: Lavínia Pannunzio e César Gouvêa, sob sua direção. Marcelo e Luiza representam todos nós. Seres humanos a busca de seu grande amor. E como descobrir um grande amor? Onde procurar? O que fazer com ele? Será que somos capazes de reconhecê-lo? Luíza, jurava como todos, que por causa de decepções amorosas, não estava a fim de relacionamentos. Já Marcelo, queria encontrar alguém mas era ligeiramente tímido...Um dia, num certo carnaval, um grande encontro.

A loucura da vida é que eles, apesar de terem trocado alguns beijos, não trocaram telefone, nem nada. Se procuraram e num acaso do destino, se encontraram. Já pensou: você se deparar com seu grande amor e nunca mais vê-lo? Não, nem eu nem ninguém se perdoaria. Aliás, arrependimento é um dos piores sentimentos que alguém pode carregar. Portanto, como dizia meu saudoso avô, "eu só me arrependo daquilo que não fiz...", é preciso crer que todos as fantasias amorosas devem ser realizadas aqui e agora, já que é impossível prever o amanhã. Quanto tempo as pessoas se suportam convivendo debaixo de um mesmo teto?

A peça propõe um cenário simples mas bastante significativo, uma direção precisa e detalhista na coreografia cênica, o texto direto e de linguagem cotidiana faz da peça um leve e delicioso entretenimento. Entre o vermelho da paixão e o branco da paz e da ternura, o espectador é um cúmplice dos dois pontos de vista de uma mesma história de amor. Ele e ela comentam sua própria história e nós, tiramos nossas próprias conclusões. Entre beijos e brigas, discussões e descobertas, um relacionamento que se constrói e se consome. Ali, em cena, somos espectadores de uma história que muitas vezes já vivemos.

Mais uma vez me deparo com um texto inédito que é capaz de comunicar e dizer abertamente sobre nós mesmos e nos tocar. O irônico e o cômico estão presentes a todo momento e os atores estão muito à vontade em cena o que faz com que o espectador se identifique imediatamente com o "jogo cênico" proposto. Além disso, o texto não trata a história de maneira linear, são lembranças que vêm e vão de maneira desconexa, brincando com as próprias fantasias do casal. Assim, Marcelo é Jorge, Luíza é Isabel e as neuroses e loucuras do casal trazem o lúdico para a cena fazendo com que este quase "meta-teatro", monte aos poucos um pequeno quebra-cabeça deste relacionamento, que eu chamaria de universal.

Amar ou amar, esta é nossa função! Mente quem diz que nunca olhou para uma estrela e fez um pedido! Mente quem nunca fantasiou achar sua cara metade e dividir com ela o resto dos dias de sua vida. O melhor de tudo na peça é que, dá uma vontade imensa de amar! A sensação do casal em cena parece contaminar as pessoas que suspiram e torcem para o sucesso do relacionamento. E dá vontade de abraçar e beijar e sair gritando: Eu Te Amo!!!

É sem dúvida uma grande oportunidade para os apaixonados e não apaixonados rirem, se divertirem e refletirem sobre as escolhas que fazemos na vida. Sobre as chances que damos ou não aos outros que querem nos fazer feliz. Sobre a busca incansável de preencher o vazio de nossas camas. Sobre acordar, olhar ao lado e ver aquele que você deseja dormindo calmamente... É a sutileza da vida transposta para o palco. Claro que seria mais fácil se existisse um "kit" alma - gêmea nas prateleiras do supermercado. Tipo: dissolva em água quente e seja feliz! Mas de repente, se fosse assim, talvez não tivesse a menor graça!

Certa tarde, pensando sobre o amor, escrevi algumas linhas bregas:

AMOR

Como num dia de sol, céu azul e gaivotas que sobrevoam o mar...
É duro ser tudo tão perfeito, mas acontece.

Principalmente nos momentos mais díspares, em que o mundo parece perder o sentido e os pés sob o chão, parecem flutuar.

E a cabeça que busca as nuvens...

Todas as frases feitas, trocadilhos e ditos populares na mesma letra.

Como no pára-choque do caminhão!

Amor, vida, perdição, tesão, sexo, paixão, devoção, devaneio, loucura, perturbação, dominação, entrega, busca, recusa, desejo, prisão, liberdade e paz.

Como imagens desconexas de um sonho recorrente.

Como quando brota um sorriso sincero na face de um bebê.

Anote na agenda
"3,2,1" está em cartaz no Centro Cultural São Paulo, às terças, quartas e quintas-feiras, às 21 hrs., na sala Paulo Emílio, até o dia 3 de outubro. O Centro Cultural fica na R. Vergueiro, 1000. A todos, um bom espetáculo!

Boletim da Mostra
Atenção! Estamos no último mês da "II Mostra de Teatro 'Cemitério de Automóveis'". Até o dia 29 de setembro, 14 peças preenchem, de terça a domingo, o porão do Centro Cultural. Confira a programação através do site www.cemiteriodeautomoveis.hpg.ig.com.br.

Aliás, continuarei com a série de entrevistas sobre adaptação de textos na próxima semana. Ainda nesta coluna, entrevistas com Reinaldo Moraes e Mário Bortolotto. Aguardem!

Rennata Airoldi
São Paulo, 11/9/2002

 

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