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Segunda-feira, 23/9/2002 Hoje a festa é nossa Eduardo Carvalho A discussão mudou. Agora a questão é a seguinte: afinal, o que é que aconteceu na última festa à fantasia promovida pelo Centro Acadêmico da Escola de Administração de Empresas da FGV - que, por sinal, é a Escola em que eu estudo? Confesso que já fui a algumas dessas festas; mas, durante esta última, estava na praia, a uns 300Km de distância, tão preocupado com o evento que, apesar do assunto monopolizar a maioria das conversas pelos corredores, eu não tinha a menor idéia nem do preço do ingresso. Não fui, portanto, fotografado, nem fotografei. Meu interesse pelas fotos distribuídas foi o suficiente para apagá-las de minha caixa de entrada junto com recomendações para que eu consuma Viagra; só fui conferi-las, por questões profissionais, no dia em que redijo esta coluna. E que decepção. Quase todas as pessoas com acesso a Internet, hoje, já viram as fotos. Elas foram distribuídas na velocidade de correntes otimistas ou de e-mails pornográficos. A verdade, porém, é que de pornográfico tinham quase nada. As cenas eram mais de posições insinuantes do que de sexo explícito. Quem procurou ali uma suruba geral entre os "comportados" alunos da GV tiveram duas decepções: entre as 27 fotos divulgadas, não havia suruba nem alunos da GV. Os poucos casais covardemente flagrados eram alunos de outras escolas ou faculdades - e não estavam fazendo nada que surpreendesse a imaginação de quem os viu na fila dos quartinhos, do lado de fora. Por que, então, tanta repercussão e tanto escândalo? Por causa, antes de tudo, do nome da GV, que é, disparadamente, a melhor Escola de Administração de Empresas do Brasil - e continuará sendo, porque o rigor do vestibular e a exigência do curso permanecem inalterados. Presume-se, então, que uma festa realizada e freqüentada por futuros executivos seja séria e organizada. E esquece-se que festa de faculdade é festa de faculdade, independentemente de onde seja planejada: e na da GV não há nada de diferente das outras. As pessoas bebem até cair e beijam na boca de desconhecidos; é aquela mistura de vômito e saliva, e gente voltando para casa com o canto da boca mais sujo do que a sola do sapato. É sempre a mesma coisa; e a festa da GV, pela impressão que tenho, não é freqüentada nem na maioria por estudantes da própria faculdade: quem mais se diverte são os convidados de outros cursos, que pipocam na porta da faculdade na véspera, dispostos a pagar preços exagerados pelo convite. Procurando, claro, o que a organização oferece, correspondendo com precisão à demanda universitária: bebida gratuita, música adequada, segurança eficiente, show de homens seminus, carícias de mulheres de cinta-liga, etc., etc. O cantinho escuro, por exemplo, sempre existiu, e fotos de esfregações erotógenas sempre foram tiradas - e algumas expostas no próprio mural do DA, disponíveis para compra, e outras distribuídas por e-mail, entre círculos menores. Tudo muito sutil e muito discreto, na medida do possível; como deve ser. Nesta última Giovanna, porém, a novidade era a oficialização da sacanagem. E sacanagem oficializada só pode dar em besteira. E deu. Da patética idéia dos organizadores de incluírem um "cantinho do amor", onde casais pagavam uns 5 reais para se trancar por 15 minutos em um cafofo improvisado, ao(s) babaca(s) que planejou tirar fotos desses mesmos casais em situações íntimas e distribuí-las pela Internet: o episódio, do começo ao fim, é grotesco. De diretores de banco ao diretor da Escola, dos pais dos fotografados aos seus colegas de classe - todo mundo viu. É impossível, para a vítima, se esconder e se defender. Carregarão, injustamente, a marca daquele dia, quando decidiram aproveitar a conveniência das paredes de madeira fina para se esconderem por poucos minutos. Não era para ninguém ver - e eles tomaram os cuidados necessários para isso. Quem ficou de fora, e que agora se diverte com as fotos e ridiculariza os protagonistas, estava, na verdade, se roendo de inveja quando os viu entrar na cabine fechada. Os casais flagrados estão sendo submetidos a uma tortura psicológica desnecessária e perversa simplesmente porque alcançaram o que, naquele ambiente, muita gente pretendia. É a velha e injusta perseguição brasileira do sucesso, mascarada de moralismo vulgar. E se repete também, neste episódio, o respeito ao criminoso covarde, que tem sido louvado como entertainer de alta categoria. Nada mais injusto. Não é fácil descobrir quem foi o fotógrafo penetra. Já rastrearam os e-mails distribuídos, para alcançar o remetente original; e descobriram um nome fantasma. Para pressionar os alcoólatras cagüetas, a venda de cerveja no bar Diretório Acadêmico está indefinidamente suspendida, por ordem superior. E as acusações informais apontam imediatamente para os suspeitos tradicionais e evidentes: os com histórico comprometido; os que, na festa, carregavam uma câmera fotográfica digital; algum membro do próprio grupo de organização da festa; algum amigo deles, que conseguiu se infiltrar em área restrita aos credenciados; um espertinho isolado, de dentro ou de outra faculdade, que despistou a segurança e descobriu uma paisagem privilegiada; um desempregado em desespero, que se submeteu a correr o risco em troca de algumas latinhas de cerveja; uma conspiração inimiga, que pretende abalar a imagem dos alunos e da Escola. Para todo mundo, enfim - e, consequentemente, para ninguém. Por estarem todas no mesmo ângulo, é provável também que a câmera estivesse fixada e camuflada dentro do cafofo, instalada por um freqüentador inaugural. Mas ninguém sabe de nada; ninguém viu. Sobre esse assunto, aliás, ninguém ainda escreveu nada tão sensato quanto uma internauta supostamente fotografada, a Patrícia, que criou um Blog em que, resumindo, diz o seguinte: "Fiz sim, e daí". E daí mesmo - sendo ou não o Blog verdadeiro. Ninguém ali estava interferindo na vida dos outros foliões nem os incomodando. É iníquo querer agora, depois de terem interferido na vida deles, continuarem os incomodando - principalmente no caso das meninas, que é sempre potencializado. Potencializado na mesma proporção que é subestimado um evento que, diferente da festa da FGV, comemora um ataque terrorista genocida, como foi, no dia 11 de setembro, a festa Osama Bin Reagge na FFLCH. O assunto está esgotado na minha coluna passada, mas a comparação é, especialmente para mim, irrecusável: é evidente que a diversão de meia dúzia de adolescentes excitados é absolutamente inofensiva - e é óbvio que a apologia à morte de trabalhadores inocentes é doentia e perigosa. Que fique registrado, pelo menos, que a intolerância à diversidade - tanto na caso do ódio a americanos quanto na avacalhação de pessoas normais - manifesta-se, em algumas pessoas, nos mais inusitados e diferentes ambientes. Desde em uma festa de uma Escola em que se ensina a trabalhar no mundo como ele é a uma Faculdade em que certos alunos pretendem trabalhar para transformar o mundo em como eles querem que ele seja. Eduardo Carvalho |
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