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Quarta-feira, 9/10/2002
A Imagem do Voto
Rennata Airoldi

A Propaganda é a alma do negócio. Isso todo mundo sabe, principalmente políticos na véspera de eleição. As campanhas políticas, elaboradas por aqueles que se dizem os melhores "marqueteiros" do país, estão cada vez mais sofisticadas. Programas sem graça e discursivos estão em baixa e figuras notáveis, pessoas de destaque na mídia, se envolvem cada vez mais com a comercialização de sua própria imagem. São cantores, atores, apresentadores e jornalistas que ajudam a dar maior credibilidade à imagem do político perante o público. Espera um pouco: público?

De certa forma parece estranho mas, assistindo aos programas eleitorais, às vezes, o eleitor é tratado como espectador e não como um cidadão em busca de esclarecimento e discernimento, para definir sua escolha na hora do voto. O que assistimos são quase que lindos curta-metragens onde o que não falta é fantasia, imaginação, mocinho, bandido e até final feliz! Será? Os pobres discursos cabem aos candidatos menos abonados... Aí, ganha mais, quanto mais subliminar for a campanha. Aqueles que produzem as melhores atrações têm, neste caso, as melhores audiências. Talvez o reflexo seja imediato na urna. Quem não decorou o nome e o número do principal candidato do PRONA? Neste caso, ao invés de entretenimento, o que ganhou a audiência foi a precariedade da propaganda e a "atuação" peculiar do candidato que virou uma marca registrada do partido. E ninguém pode falar que não deu resultado...

Em época de campanha eleitoral, atores entram num dilema. Vejo amigos que estiveram várias vezes entre a cruz e a espada. Na verdade, todos precisam de dinheiro por questões óbvias, e propaganda é sempre propaganda. Só que, dependendo do produto que está a venda, o custo-benefício não compensa. Isso, claro, em relação a exposição e a associação da imagem do ator ao produto veiculado. Se por um lado, há aqueles que acreditam num determinado partido, carregam de maneira sincera e convicta uma bandeira, por outro, há aqueles que, devido à falta de opção ou desapego à própria imagem, ajudam a vender a imagem de candidatos em quem jamais votariam.

Como todos nós temos um preço (quando não se quer vender a alma ao diabo), o melhor é não saber o quanto alguém pagaria por ela. Vários atores já ganharam fortunas e a antipatia da "classe" pelo simples fato de apoiarem explicitamente candidatos considerados, ao menos pela maioria, de má-índole. Nesta campanha, estamos vendo grandes figuras da mídia que não têm medo de se expor. Na verdade, quanto maior a credibilidade da imagem de uma pessoa perante o grande público, maior o preço fixado por ela.

É, sem dúvida, um período bem estranho no meio publicitário. Param as propagandas de produtos e começam as propagandas de pessoas e "ideais". Neste ano, tivemos uma campanha recheada de personalidades. Augusto Liberato (Gugu), Sônia Abrão, Elba Ramalho, KLB, Chitãozinho e Xororó, etc. A mais marcante foi a do candidato à presidência Ciro Gomes. Ele que, por sorte ou acaso, tem como esposa a atriz Patrícia Pillar, bem conhecida do grande público, que não mediu esforços para tentar provar que em sua imagem não havia falsidade. Ela, livre do cargo de primeira-dama, é convicta do seu voto; com isso, tenta conseguir mais alguns. "Se o Ciro não fosse apaixonado pelo Brasil..." (Não diz o ditado que o amor é cego?)

Ainda em relação às campanhas, os não-famosos recebem cachês como em qualquer outro comercial. É uma venda como outra qualquer, uma troca. Alguns se recusam a vender a imagem de políticos como se recusam a vender cerveja e isso, não há como julgar, vai da índole de cada cidadão. Porque se nós artistas somos formadores de opinião, é de certa forma uma grande responsabilidade aparecer na telinha dizendo: "vote nele, eu garanto...". Você já parou para pensar? Em quem realmente você colocaria a mão no fogo? Há sempre um grande risco...

Entretanto, aos quase anônimos, uma campanha eleitoral pode render uma casa, um carro - coisas que não se consegue num piscar de olhos. E aí, cada cabeça uma sentença. A única coisa lamentável nisso tudo, é que uma causa que, durante algum tempo, foi defendida por simpatia e - acima de tudo - por total convicção, hoje é defendida por necessidade... É o comércio da imagem. Quem faz, por exemplo, a "música tema" da campanha não aparece (às vezes, nem o cantor que gravou o "jingle" aparece). Do mesmo jeito, quem escreve o roteiro do programa também não aparece. Mas o quem recita o texto, quem se presta a qualquer tipo de dramatização... está definitivamente exposto e comprometido.

No mundo de hoje, muitas formas de ganhar dinheiro podem ser consideradas, dependendo do ponto de vista, como uma maneira lícita de prostituição. (Nada contra essa profissão, cada um sabe o que faz com seu próprio "patrimônio"...). Como não acredito que haja alguém totalmente livre de vícios e nem alguém totalmente "entregue", é muito cruel fazer aqui qualquer julgamento. E quem somos nós para julgar o que está fora de nosso alcance? Nem tanto à terra, nem tentao ao céu. Refletindo a respeito do comércio do voto e das campanhas publicitárias, sem conseguir distanciar plenamente de certa ingenuidade e convicção: seria mais interessante para o artista usar sua imagem apenas em prol da venda de produtos em que ele realmente acredita. Mas aí, é pedir o "ideal", é estar no "Éden" - e são poucos aqueles que têm essa escolha...

Rennata Airoldi
São Paulo, 9/10/2002

 

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