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Segunda-feira, 7/10/2002 Cidade de Deus: o maior barato André Pires Eu já tinha pensado em fazer uma crítica ao filme Cidade de Deus há algum tempo, mas de repente todo mundo começou a fazer, virou modinha, então desisti. Acabei voltando atrás em minha decisão, porém, com uma ressalva. Diferente de todos os jornais, revistas, blogs, trogs e mogs que têm por aí, farei uma crítica da crítica. Sei que li muita coisa interessante sobre o filme. Uns falando mal, outros tantas falando bem. Eu, particularmente, achei o filme muito bom. Meio que macacado de Guy Ritchie, Quentin Tarantino, mas sem perder um "quê" carioca. E, além do mais, os caras são mesmo o expoente da renovação de estilo cinematográfico do circuitão. Pelo menos no que diz respeito à estética, que fique bem claro, pois em matéria de conteúdo o cinema não-americano sempre deu de mil. As críticas contra o filme, pelo que pude perceber, dividem-se basicamente em duas categorias: as que afirmam que o visual do filme não é cru, sujo e porco, de modo a retratar a realidade do mundo (e não submundo) da miséria brasileira. Uma espécie de sacrilégio aos deuses do Cinema Novo e a sua aclamada estética da fome. Rebato: pra mim isso é choro de velho retrógrado e saudosista. Dane-se que os diretores usaram outra fotografia que não "a crueza do Cinema Novo". Por mais que eu ache Glauber Rocha um gênio, nessa hora tenho que dizer: dane-se o Cinema Novo -inserido no contexto, pelo amor de Deus-, hoje em dia um filme com uma estética diferente da mesmice habitual (como em CDD), bonita (como em CDD), contextualizada por uma narrativa ágil e moderna (como em CDD), atrai muito mais do que se Fernando Meirelles quisesse ressuscitar a "câmera na mão e uma idéia na cabeça". Existem outras maneiras de se fazer cinema hoje em dia que são merecedoras de aplauso e admiração, e que podem atrair mais facilmente um grande número de espectadores, contribuindo não só para o sucesso financeiro da empreitada, como para uma maior exposição da discussão, pelo menos. Os tempos são outros. Parece a mãe que reclama do filho escutar tecno e não se lembra de quando seus próprios pais reclamavam do som dos Beatles. O segundo tipo de crítica é em relação a ausência no filme de um debate, se é que se pode chamar assim, ou de cenas que mostrassem as causas daquele flagelo social que é o corpo do filme. Alguns acharam que o filme é apenas um "passeio no zoológico humano de CDD", como aqueles jipes pra gringo passear na Rocinha. Não denuncia, não critica, não propõe nada, não discute... não leva a lugar nenhum. Divertimento para classe média americanóide e boçalóide. Digo eu: primeiro que esses críticos caíram no mesmo erro de que acusam os diretores do filme. Não aproveitaram seu espaço para incutir uma crítica construtiva ou, ao menos, denunciativa das medidas econômicas e interesses transnacionais de nos manter na mais absoluta miséria e ignorância (sendo a Cidade de Deus mais um de seus inúmeros sintomas). Falaram, falaram e não disseram nada. E mais: goste ou não do filme, ache ou não que ele denuncia um flagelo sócio-econômico de nosso país, o simples fato de citá-lo e analisá-lo em sua coluna ou matéria, já é uma oportunidade de fazer com que o leitor um pouco mais interessado pense na formação e manutenção histórica de nossas condições sociais. Se bem que o próprio escritor Paulo Lins, em entrevista a este que vos escreve, disse que a única coisa que não gostou no filme foi o fato de não ser narrada a trajetória de Dadinho até se tornar Zé Pequeno. Ele achou que dava a impressão de que os sanguinários traficantes da Cidade de Deus e outras favelas cariocas são psicopatas naturais, quando na verdade são produtos diretos de uma realidade violenta e excludente. Pude assistir a uma palestra com Katia Lund (co-diretora) e ela disse que o interessante desse filme é que ele vai além. Ele se estende para as mesas de bar, salas de universidade, etc., discutindo a questão da pobreza, da marginalidade, da exclusão social. O livro, como sempre, é melhor. Mas eu gostei do filme. É uma boa oportunidade para se pensar e, quem sabe, agir! Quem recebe tudo mastigadinho é filho de índia peruana. André Pires |
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