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Quarta-feira, 23/10/2002
Shakespeare de graça!
Rennata Airoldi

Montar um clássico é sempre um ato de coragem e, ao mesmo tempo, um grande desafio. Primeiro, por se tratar, na maioria das vezes, de textos mais eruditos e de espetáculos de longa duração e, segundo, porque o número de montagens de um clássico é imensa. Assim, comparações são inevitáveis. Por mais que haja adaptações diferentes de um mesmo texto, é óbvio que, em se tratando de uma história já conhecida, a liberdade de criação é, de certa forma, mais limitada.

Se por um lado há sempre aqueles que nunca assistiram determinada obra encenada, quando se monta um grande clássico, boa parte dos espectadores já conhece o que vai assistir e, assim, surpreender revela-se um trabalho difícil. Além disso, quando já conhecemos determinada obra, formamos, inevitavelmente, nossa própria imagem em relação aos personagens, ao cenário, às cores, etc. Mas tudo isso não deve impedir a realização de um espetáculo. É importante que haja sempre uma maneira de refazer os grandes autores da História do Teatro, levando ao grande público cultura e conhecimento. Shakespeare é um dos maiores autores de todos os tempos. Boa parte das pessoas já assistiu um filme baseado em sua obra, leu algum de seus textos ou, até mesmo, assistiu uma montagem teatral.

O Teatro Popular do SESI, que desenvolve um projeto para a comunidade há quase quatro décadas, tem essa função: levar cultura e entretenimento para o grande público. E, possuindo uma estrutura adequada, consegue produzir grandes textos, algo que, na maioria das vezes, seria financeiramente inviável (devido ao número de personagens, grandiosidade de cenário e de figurinos, que uma grande produção demanda). Claro que se pode montar uma peça de diferentes formas e que a simplicidade também é um grande desafio na arte. Mas falo aqui de uma proximidade com a obra original, no que diz respeito à estrutura e o seu alcance.

Neste teatro, estão atualmente em cartaz, duas peças do autor inglês: "Hamlet" e "Romeu e Julieta". As apresentações são gratuitas! Estas peças fazem, durante a semana, sessões agendadas para escolas e, nos fins de semana, abertas ao público que comparece em massa. Todos os sábados e domingos, uma grande fila se forma na porta do teatro, na tentativa de conseguir a senha e o ingresso. As pessoas chegam uma, duas horas, antes do espetáculo para enfrentar uma imensa fila e garantir um lugar na platéia. Isso tudo para assistir Shakespeare! Depois dizem que "o povo" não gosta de teatro...

"Hamlet" tem a tradução de José Rubens Siqueira e a direção de Francisco Medeiros. Em cena, na maioria das personagens, temos jovens atores e também a tentativa de transformar o clássico em uma peça mais acessível. É, sem dúvida, uma solução e um problema quando se trata de atingir a maioria, não tendo um público alvo pré-determinado. Às vezes, a dificuldade está em simplificar sem perder a força que o texto tem em sua essência. E, ao mesmo tempo, não subestimar a capacidade que todo o ser humano tem de compreender os dramas do homem diante do seu mundo. Por mais que se mudem as palavras, a maneira de dizer, o sentido, são sempre os mesmos.

A peça começa com um dos momentos mais bem resolvidos em relação a soluções cênicas da montagem. Porém, no decorrer da trama, há uma tentativa de "modernizar" vários aspectos e um dos que mais incomoda são os figurinos e adereços. Às vezes, os atores parecem carregar retalhos e sucatas sobre o corpo. A proposta pode até ser essa, mas não fica claro se é uma estilização dos trajes ou um gosto meio grotesco. Ainda falando de detalhes técnicos, a pobre Ofélia, grande personagem feminino da peça, carrega sobre a cabeça uma peruca no mínimo estrambótica. Isso é ruim pois rouba a atenção da cena criando um certo distanciamento em relação à figura pela qual deveríamos nos apaixonar.

Não diminuindo o mérito da montagem mas, já que existe a infra-estrutura para realizar um grande espetáculo, alguns pequenos cuidados poderiam melhorar a qualidade do todo. Há ainda grande desnível no que diz respeito à interpretação. Alguns atores realizam um caminho coerente durante o percurso da peça enquanto que outros estão sempre mal colocados em cena. Como se estivessem apenas fazendo "volume". Por outro lado, as coreografias cênicas, nos momentos de luta, são impecáveis! Temos a nítida impressão de que os atores vão se matar a qualquer momento. Outro ponto forte do espetáculo é a apresentação da companhia dos atores viajantes no palácio. Boas soluções e atuações no momento "meta-teatro" da obra. Há ainda, que se destacar o trabalho de Marcos Damigo, que faz um jovem Hamlet ardiloso e, ao mesmo tempo, cativante.

A peça é longa, mas é capaz de segurar o público até o fim; o mesmo que aplaude com muito entusiasmo. Na verdade, o grande mérito é a simples existência de um projeto cultural como esse, que favorece a todos de maneira idêntica. Não se paga nada, não há distinções na platéia, não há privilégios, etc. Ao mesmo tempo, quem nunca ouviu falar no autor, depara-se com um clássico que é facilmente digerido. A cada sessão, que mais e mais pessoas passam a contaminar com aquela que é a grande dúvida: "Ser ou não ser, eis a questão"!!!

Para ir além
"HAMLET" está em cartaz no Teatro Popular do SESI, Av. Paulista 1313, de Quinta à Domingo às 20hrs.; "Romeu e Julieta", aos sábados e domingos às 15hrs. De graça!

Rennata Airoldi
São Paulo, 23/10/2002

 

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