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Quarta-feira, 13/11/2002
Marionetes
Rennata Airoldi

Um caminho a ser trilhado. Uma escolha a ser feita. Será? Um percurso previamente determinado que vai se desvendando aos poucos, que vai se tornando claro e presente diante de cada olhar: o destino. Alguma vez você já teve a nítida sensação de estar sendo observado? E já pensou sobre a possibilidade de não ter o menor controle sobre seu próprio destino? Lucidez ou embriaguez... Verdades absolutas e questionamentos, sem respostas objetivas. Frases que nunca serão contestadas e que jamais serão entendidas.

Tudo isso é muito vago. Apesar de resultar num pensamento particular, que cada um tem diante de sua própria vida. Momentos de reflexão são a busca de algo que nem sempre podemos resumir em poucas palavras. A Arte é assim. E hoje, pior ou melhor, sem fazer qualquer julgamento, já não há muito o que dizer. Talvez ainda haja... Coincidências trazem à tona, em todo o mundo, as mesmas questões e o mesmo estilo de produção artística. A globalização proporciona a informação e a troca de experiências, de maneira mais que instantânea.

O Artista quer dizer... mas não sabe mais o quê. É preciso voltar ao princípio, é preciso buscar a simplicidade, é preciso ter novamente a paciência necessária para ouvir o silêncio. Por outro lado, enquanto nós, artistas, temos mil dúvidas e ressalvas em relação à nossa própria arte, mais e mais jovens se descobrem a partir desse novo olhar. O olhar daquele que passa a percorrer a vida por um novo caminho. Positivo ou negativo, qual o incentivo para aquele que quer ingressar numa carreira artística? Qual a real possibilidade num mercado saturado e tendencioso? Ilusão ou devoção. Isso pode ser decisivo para a escolha nesse meio profissional.

A Arte é no mínimo, um meio de ascenssão cultural e portanto, de certa forma, uma maneira de se inserir na sociedade. Muitos de nossos artistas nasceram em famílias muito pobres e em lugares miseráveis. Mas seu olhar perante o mundo determinaram um dom nato, um talento para uma nova perspectiva perante a vida. No momento, temos um verdadeiro "boom" de jovens atores, que exemplifica esse movimento em nosso país.

Depois do sucesso do filme "Cidade De Deus", meninos simples, de muito talento, têm a chance de conhecer um novo caminho. Projeção social, televisão e deslumbramento. Tomara, porém, essa nova leva de pobres meninos descobertos através da arte seja suficientemente feliz no desenvolvimento de sua carreira. Muito me assusta a fama instantânea que projeta pessoas para um mundo de sonho, sem a estrutura necessária para enfrentar a "jaula dos leões", que depois de satisfeitos com sua refeição, cospem os ossos fora. Bem, acho que todos se lembram bem da triste história do menino "Pixote".

Talvez essa nova história possa ser diferente. Muito me agradaria a existência de comunidades e grupos para abrigar esses e outros meninos, proporcionando o conhecimento e o aprendizado constante da arte. Além claro, de proporcionar esclarecimento e suporte necessários. Todos precisam de um porto seguro! É assim nos grupos "Nós do Morro" e "Nós do Cinema", que têm sede na favela do Vidigal, no Rio de Janeiro. Enquanto esta estética da pobreza for o alvo das questões artísticas em nosso país, muito trabalho será realizado por eles. O que é muito bom. Mas é preciso que esses meninos carentes, como tantos outros de tantos grupos, sejam esclarecidos sobre o real papel da arte e do artista na sociedade. Para que eles não sejam cobaias ou vítimas de seu próprio meio. Restringindo seu potencial artístico para um único foco: sua própria vida.

Infelizmente ou felizmente, a arte é uma maneira de trazer lucidez ao homem. E, às vezes, é muito dolorido ser lúcido num mundo como o nosso. Com tantas desigualdades e indiferenças. Desde os primórdios o homem usa a arte como forma de esclarecimento e reflexão. Até hoje, isso persiste e muitas resposta não foram, nem nunca serão, encontradas. Mas, acima de tudo, é preciso que o artista entenda que há o momento de expandir e o de recolher. E, muitas vezes, não é ele quem determina este movimento.

Tenho receio quando vejo uma criança prodígio no meio artístico. Sinto desespero quando vejo uma mãe colocando uma criança na "mídia" para satisfazer sua própria vaidade. Nem sempre o "sucesso" dura o tempo suficiente. Será que estas crianças desamparadas sabem realmente lidar com a rejeição? Por isso, a importância da devoção profissional. Amar o seu ofício acima de qualquer vaidade ou vantagem que ele possa te trazer. Independente do tamanho de sua projeção profissional, o ator é necessário tanto no cinema quanto na escola, ensinando, dando educação a jovens carentes.

Desta forma, o artista deve buscar à partir de seu próprio discernimento, os seus caminhos e as suas necessidades. Não se deixar seduzir por momentos de euforia e assim, como qualquer homem em qualquer profissão, não se deixar transformar numa Marionete. Onde cada movimento é determinado por outras mãos, cada pensamento comandado por outra mente e cada sentimento premeditado por um outro coração!

Rennata Airoldi
São Paulo, 13/11/2002

 

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