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Segunda-feira, 18/11/2002
Viver para contar - parte 1
Marcelo Barbão

Antes de qualquer coisa, preciso fazer uma confissão, esta resenha está dividida em duas partes por incompetência deste resenhista. Por causa dos muitos compromissos que resolvo assumir nos meus dias otimistas, acabo não dando conta de todos nos dias mais realistas. Assim, apesar do tempo que tive para ler a impressionante biografia de Gabriel García Márquez, não consegui dar cabo da mesma. Passei um pouco da metade. E como sou honesto, não vou escrever sobre o que ainda não li, apesar de ter visto muitas resenhas em jornais que só citavam os eventos que estão nas primeiras páginas. Mas quem sou eu para falar de algum resenhista de um grande jornal?

A tão esperada autobiografia de "Gabo"como é chamado pelos hispano falantes ou de "Gabito" como o chama sua família, começa com uma revelação (já conhecida daqueles que acompanharam sua trajetória): ele escreveu somente sobre sua família e sua infância. Independente de onde suas novelas estão situadas, dos personagens e acontecimentos retratados, a base de tudo isso é sua própria família e sua infância.

Não preciso dizer que toda generalização é perigosa e estou correndo um sério risco aqui. Portanto, vou melhorar meu pensamento: vários livros de García Márquez basearam-se nas experiências de sua infância, entre eles "Cem Anos de Solidão" e "O Amor nos Tempos do Cólera". Mas, tenho certeza que não exagero quando digo que estes anos foram os mais importantes na construção de todo o universo imaginativo que rondou os principais livros de Márquez.

A descrição da Colômbia da época é muito diferente do que imaginamos nos dias de hoje, apesar de García Márquez mostrar os elementos políticos que podem ter levado às divisões e à guerra civil que tomou o país. A luta entre Liberais e Conservadores que levou a diversos golpes, renúncias e assassinatos, é algo que atravessou todo o século XX.

E, desde os anos 40, esta guerra foi alimentada pelo surgimento de várias guerrilhas. Quase todas começaram como grupos de autodefesa dos camponeses, mas foram influenciadas pelo maoísmo e güevarismo nas décadas seguintes.

E, se a Colômbia soa como um lugar "exótico" para nossos sentidos, que podemos falar da região caribenha do país? O próprio Gabo quando voltou à pequena Aracataca, onde viveu com os avós pelos primeiros oito anos de sua vida, declarou: "Eu me sinto latino-americano de qualquer país, mas sem renunciar nunca à nostalgia de minha terra: Aracataca, à qual regressei um dia e descobri que entre a realidade e a nostalgia estava a matéria-prima de minha obra."

Na primeira metade deste primeiro volume (a biografia de Gabo está programada para ser publicada em três volumes), somos apresentados a alguns personagens que, quem conhece a obra do colombiano, são fáceis de reconhecer. O principal é seu avô materno, Nicolás Márquez, retratado na apaixonante obra, uma das várias que viraram filmes, "Ninguém escreve ao coronel", de 1961.

A influência destes primeiros anos também pode ser vista no clássico "Cem Anos de Solidão", que reflete a grande quantidade de parentes que o cercava na casa dos avós. Tantos que o almoço era servido em três turnos. E, como primogênito, sempre se sentava ao lado de seu avô.

Foi somente com mais idade que Gabito foi viver com seus pais. Mesmo sem avós e tios, a família continuou grande (na época, eram seis filhos e chegaram a onze), mas a diferença era que o menino que sempre havia vivido no meio dos adultos, agora é o mais velho dos irmãos.

Foi nessa época, quando o pai ainda tentava montar uma farmácia na região, que a família Márquez viveu seu pior momento. A pobreza era muito grande e isso deixava o menino, que já era bastante tímido, ainda mais introspectivo. E também facilmente influenciável. Aos 12 anos, magro e branco, só sabia desenhar e cantar. Assim, ouviu uma vizinha falar com a mãe:

"- Desculpe que o diga, senhora, mas acho que este menino não vai durar muito."

E, assim, passou vários meses esperando a morte súbita chegar.

A convivência com a família também não durou muito porque García Márquez passou por vários colégios internos onde se destacou na música e na literatura. Seu gosto pela leitura, algo desenvolvido desde a infância, influenciado pelo avô, tomou um rumo mais consistente. Em parte devido ao convívio com alguns nomes de peso como o poeta Carlos Martín que foi diretor de sua escola por algum tempo.

E, aos poucos, a personalidade do futuro escritor vai se modificando. Começam as bebedeiras e as noites de boêmia, cantando e tocando. Envolveu-se com mais de uma mulher casada e, uma vez, foi salvo pelas artes de cura de seu pai. É que o marido traído poupa a vida do jovem Gabriel porque havia sido curado de uma terrível gonorréia pelas artes farmacêuticas do Márquez-pai.

É a partir do momento em que resolve ir estudar em Bogotá que Márquez começa efetivamente sua vida literária, primeiro participando de diversos círculos de escritores nos cafés da capital e publicando, em seguida, seus primeiros contos em jornais e revistas literárias. Mas, isso fica para o próximo capítulo.

(Continua aqui)

Para ir além
Vivir para contarla
Gabriel García Márquez
Editorial Sudamericana - Buenos Aires
579 páginas

Marcelo Barbão
São Paulo, 18/11/2002

 

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