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Quinta-feira, 28/11/2002 Fome zero, malandragem dez Félix Maier O programa proposto pelo Governo Lula, "Fome Zero", merece todo o respeito dos brasileiros. Só quem nunca passou fome na vida dirá que um projeto desse tipo é demagógico. O programa merece todo o respeito, não porque é do Lula, mas porque é simplesmente necessário. E urgente. Como diz um ator na TV: "Quem tem fome, tem pressa". É verdade. Primeiro deve-se dar de comer a quem tem fome, pois senão ele pode morrer. Saco vazio não fica em pé. Depois deve-se pedir algo em troca desse cidadão que teve o estômago forrado de comida - a aí reside todo o problema dos programas assistenciais já em vigor no Brasil, como veremos adiante. No Distrito Federal, o governador Joaquim Roriz tem um programa de combate à fome que só não é lembrado pela mídia porque ele não é petista, nem de esquerda. Se fosse petista, sua obra estaria sendo alardeada a todo o País, como sendo um programa-piloto que poderia até ser copiado por Lula. Mas, o que faz Roriz pelos pobres? Além de doar lotes aos miseráveis que chegam à Capital (da mesma forma que FHC doou terra a milhares de "sem-terra"), provenientes de todos os cantos do País, principalmente do Norte e do Nordeste, Roriz tem um programa de combate à fome que inclui: - cesta básica para quase 100 mil famílias carentes; - programa "Renda Minha", substituto do "Bolsa Escola" do ex-governador Cristóvam Buarque, que oferece dinheiro a mais de 100 mil famílias pobres, desde que mantenham as crianças na escola; - distribuição de leite e pão para quase 100 mil crianças pobres, até a idade de 8 anos; - construção de restaurantes populares, nas cidades-satélites, que oferecem refeições balanceadas orientadas por nutricionistas, ao preço de R$ 1,00 a unidade, aí incluída a sobremesa e o suco de fruta; o custo excedente das refeições é assumido pelo governo do DF; em sua campanha eleitoral, Roriz prometeu continuar a construção de restaurantes, pelo menos 1 em cada uma das cidades-satélites, além de 1 na Rodoviária, no coração do Plano Piloto. Além desses programas "paternalistas", Roriz prometeu criar outros dois, voltados aos jovens e à Educação: - programa "Primeiro Emprego", no qual jovens receberiam R$ 200,00 do Governo em troca do trabalho em empresas do DF; as empresas pagariam apenas os encargos trabalhistas, da ordem também de R$ 200,00; com isso, os jovens trabalhadores não deixariam de garantir seus direitos trabalhistas; - programa "Bolsa Universitária", no qual estudantes (jovens, preferencialmente) receberiam R$ 400,00 por mês para pagar cursos em universidades particulares, com a obrigação de contribuir, no futuro, depois da formação, com trabalhos para a comunidade dentro da área em que se formou. Os programas de Roriz são tachados de "paternalistas" pelo PT local e outras personalidades. Mas, os programas já em vigor no Governo FHC, e este "Fome Zero", de Lula, porventura também não o são? Não há necessidade de Lula inventar a roda. Há muitos programas de combate à fome já implementados em nossa sociedade, tanto por parte do Governo, como de Igrejas, ONGs e inúmeras outras instituições. O que falta é aperfeiçoar esses programas, de modo a eliminar a corrupção que sempre existe em programas semelhantes, para maximizar o resultado final, que é levar comida ao maior número possível de famintos. Em primeiro lugar, é importante eliminar todas as formas de desperdício e de corrupção que programas assistenciais milionários trazem consigo. Todos sabem, p. ex., o maná que é a merenda escolar para os corruptos. Se o problema é "fome", deve-se levar "comida" ao faminto. Essa premissa pode ser verdadeira, mas nem sempre funciona a contento. Um programa de distribuição de alimentos envolve uma logística complexa, desde a compra, o transporte e a entrega dos alimentos ao destinatário final. Nesse longo processo, o que mais existe é desperdício e corrupção, especialmente através de preços superfaturados e desvio de produtos. Assim, parece ser ponto pacífico entre os estudiosos do assunto que os pobres recebam, mensalmente, um certo valor em dinheiro ou um vale-alimentação. Além de evitar a corrupção que existe em todo processo de compra, transporte e entrega de cestas básicas de alimentos - que normalmente consome 1/3 da verba do programa -, com a maximização do programa assistencial haverá um maior número de beneficiados. As cidades e os vilarejos em todo o País, onde o programa de combate à fome for implantado, serão imediatamente beneficiados, com o aumento tanto das transações comerciais locais quanto da arrecadação de impostos. Com o vale-alimentação numa das mãos e a identidade na outra, o cidadão carente teria direito a produtos especificados no vale, e somente esses produtos poderiam ser adquiridos nos mercados locais. Me parece que essa é a melhor forma de se evitar que haja desvio de dinheiro para outra finalidade, que não seja a compra de comida. Se o cidadão carente receber o dinheiro depositado no banco, em sua conta-corrente, há uma excepcional vantagem, porém uma desvantagem também grande. Com o dinheiro na mão, por menor que seja seu valor, o carente se sentirá como uma pessoa que melhor está exercendo sua cidadania, pois estará incluído no processo econômico-social de sua comunidade - essa a vantagem. O ponto negativo fica por conta de que esse cidadão pegue o dinheiro no caixa e vá direto à bodega para comprar cachaça. Quem, afinal, além do Governo, pode cooperar com o programa "Fome Zero" de Lula? Ora, todos nós. Inicialmente, os gordinhos do Brasil estão convidados a dar sua parcela de ajuda. Além dos milhões de gordinhos anônimos, poderiam doar seu almoço aos pobres (quem sabe, o jantar também!) personalidades como Faustão, Jô Soares, João Gordo, Fafá de Belém (lembra do programa de Fafá, "Dieta Já!", no início dos anos 80?), incluindo nesta lista a maioria dos rechonchudos bispos da CNB do B. Pelo menos até os(as) gordinhos(as) conseguirem uma silhueta parecida com a de Lucinha Lins. Nesse grupo, pessoas com barrigas já um tanto proeminentes - a começar pelo próprio Lula - poderiam doar pelo menos o almoço. Afinal, se até bandidos na prisão estão doando uma de suas quatro alimentações diárias - o jantar -, por que não imitá-los? A longo prazo, essa prática teria dois importantes impactos positivos na sociedade: além de matar a fome de milhões, ajudaria a manter a saúde dos "ex-gordinhos", que, sem colesterol, teriam uma vida mais longa e de melhor qualidade. O único senão é que, com a longevidade, os "ex-gordinhos" viveriam alguns anos a mais, onerando ainda mais a Previdência... O que não quer dizer que você, magricela como eu, não tem o dever de contribuir para a eliminação da fome no Brasil, continuando a comer como um porco, sem mostrar nenhum tipo de remorso. Algum alimento em casa sempre poderá ser doado à organizações de caridade, como 1 kg de arroz, de feijão, de fubá ou açúcar. Com certeza, não lhe irá fazer falta alguma. Aquele pão velho, não jogue fora, junto com o lixo. Separe em uma sacola para doar a quem necessita - o porteiro, o menino de rua que dorme sob a marquise aí no lado do seu prédio, que você finge que não existe, o mendigo que pede comida. Mas, o mais importante num programa desse tipo é ensinar aos pobres como eles podem também combater a fome. Porque, com essa política paternalista de dar tudo de graça, sem exigir nada em troca, não se elimina o problema. Pelo contrário, só faz aumentar a malandragem. Tem muito sujeito aí que é pobre porque é malandro, não gosta de trabalhar. Para esses, a doação de cestas básicas é um maná que cai do céu todo mês, não é preciso mais procurar trabalho. Com a rede esticada na varanda ou dentro do barraco, com o bucho cheio, a única coisa que tem em mente esse Jeca Tatu criado pelos programas assistenciais é agarrar a comadre e fabricar mais um bacurizinho. Tem já uma escada de 15 barrigudinhos, andando pelo terreiro, com a bunda de fora, um a mais não vai fazer diferença. Esse o erro essencial de todo programa paternalista, que nada exige do protegido. Quem recebe uma ajuda precisa dar uma parcela de seu trabalho em troca. Nem que seja pintando o meio-fio das ruas, combatendo incêndios florestais, recolhendo lixo, capinando jardins públicos, participando de uma frente de trabalho, como a construção de açudes. Dar tudo de graça a uma pessoa, mesmo que seja comida, não educa. Pelo contrário. Quem se sujeita a um esquema desses, só querendo ajuda, sem nada dar em troca, tem pouco respeito por si mesmo. Só o trabalho dignifica a pessoa humana. E como o pobre pode combater sua própria fome? Nem todos os pobres têm condições de plantar, pois não dispõem de terras. Nas favelas e nos prédios residenciais populares não há lugar para se fazer uma plantação. Nem é possível plantar onde não chove, como ocorre no Polígono das Secas. Porém, há muito pobre que não planta porque é vagabundo. No Rio de Janeiro e na Baixada Fluminense, p. ex., há muitas residências que possuem um terreno baldio na frente da casa, muitas vezes atrás também. Na frente poderia haver um jardim, atrás uma horta. Mas, não há nada. No máximo, há um pé-de-goiaba na frente da casa, plantado pelas aves do céu, ou um pé-de-cana atrás, nascido não se sabe como. Vê-se um bando de marmanjões correndo atrás de uma bola, levantando uma pipa com linha de cerol, fazendo uma batucada. Mas plantar um pé de milho, isso nunca. Passa-se necessidade, mas a preguiça é mais forte. Pé-de-alface, para essa gente, nasce dentro do Carrefour, e o culpado pela fome é o dono do supermercado, esse sujeito ganancioso. Em Brasília, no Riacho Fundo, eu conheci uma família de descendentes de japoneses que tinham arrendado um terreno para a plantação de um pomar e de hortas. De um lado do riacho, viam-se várias casas de japoneses, feitas em alvenaria, com grande espaço, todas rodeadas de exuberante vegetação. Na garagem da pessoa que visitei, havia um carro de passeio, uma picape e uma moto. As plantações estendiam-se a perder de vista, até a encosta do morro. Havia "parreiras" de chuchu, plantações de alface e repolho, e um pomar carregado de tangerinas maduras, no ponto de colheita. Do outro lado do riacho, a cena era desoladora. Uma casa caindo aos pedaços, nenhuma plantação em volta, uma turma de barrigudinhos - alguns de bunda de fora - correndo pelo terreiro. Com certeza, lá não vivia uma família japonesa. Questão de cultura. E de sem-vergonhice. O programa "Fome Zero", é lógico, vai ser implantado para matar a fome de famintos, não necessariamente para criar empregos. Porém, nenhum programa assistencial desse tipo triunfará se não forem exigidos dos beneficiados pelos menos duas ações concretas: - todo beneficiado deverá contribuir com alguma forma de trabalho para a sociedade que o está auxiliando; - todo beneficiado deverá ser incluído no projeto de controle de natalidade governamental, para que não tenha mais filhos (desde que já tenha uns três). Não dando a população carente essa contrapartida à sociedade, o programa "Fome Zero" de Lula será como todos os outros já foram até aqui: um antro de corrupção, um cabide de empregos para os compadres, um palanque para a politicagem petista, além de sobrar uma enorme massa de manobra, que tanto poderá ser utilizada como "voto de cabresto" nas eleições futuras, como poderá ser aliciada a participar de movimentos contestatórios, tão ao agrado do Partido dos Trabalhadores, de modo a aumentar ainda mais o exército "falangista" que tem seu núcleo no MST - o "braço armado" do PT. E, sem um programa sério de controle de natalidade, de nada valerá esse novo esforço governamental, pois o problema se estenderá ad aeternum nessa terra de Jeca Tatu, com a agravante de mais e mais crianças famintas serem jogadas no mundo, sem amparo, devido à paternidade irresponsável que tanto desgraça nosso País. Ou seja, além de comida, anticoncepcional também. Félix Maier |
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