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Segunda-feira, 9/12/2002
O amor nos tempos da rebeldia
Marcelo Barbão

Devo confessar que, em geral, quando ouço a palavra literatura pop, um arrepio cruza minha espinha. É que são tantas tentativas de imitar Charles Bukowski, mas sem chegar aos pés do velho em termos de novidade e, é preciso lembrar, em termos de vida interessante.

Assim, muitos livros acabam em um estilo chamado egotrip, mas sem as drogas, as bebedeiras inebriantes e, o mais importante, sem as longas viagens, como entre os beats. Muitos parecem longos e entediantes blogs. Piorados, pela falta de uma possibilidade de interação.

Por isso, peguei o livro Plastic Jesus, da norte-americana Poppy Z. Brite com muito receio. Até dei para um amigo ler primeiro e ele me desanimou ainda mais. Afinal, o início do livro esbanja dos clichês: "Os joelhos de Seth Grealy dobraram e ele caiu como um castelo de cartas de baralho enquanto as cinco balas o dilaceravam".

Porém, este livro é do tipo que vai conquistando aos poucos. Porque a autora usa elementos interessantes de construção literária, como a ficção histórica. Explico-me.

O livro é uma reconstrução livre da trajetória dos Beatles. E o que seria uma reconstrução livre? Vamos dar exemplos para que tudo fique mais claro: o personagem Seth Grealy, já citado, por exemplo, é John Lennon. No começo dos anos 60, ele encontra seu parceiro musical Paul McCartney, quer dizer Peyton Masters.

Depois do início da banda que revolucionou a música do finado século XX, os dois principais gênios musicais, além de dividirem as guitarras (sim, em Plastic Jesus, os dois tocam guitarra), começam a dividir algo mais: a cama.

Numa reviravolta que, aparentemente, nunca aconteceu na vida real, Brite coloca Lennon e McCartney (ou melhor Grealy e Masters) como amantes, além de parceiros. O mais interessante é que a história inverídica parte de um pequeno fragmento de realidade, este sim verídico. O manager da banda, Brian Epstein, que morreu de overdose em 1967, aos 32 anos de idade, era gay mas nunca assumiu. Isso lhe causava tremendas crises de depressão. Até hoje, não há certeza se a sua morte foi um acidente ou suicídio.

No livro, Epstein vira Harold Loomis. Muito mais assumidamente homossexual, Loomis torna-se o primeiro amante de Grealy. É a morte do manager de maneira trágica que acaba aproximando Grealy e Masters. E, seguindo a história dos Beatles, temos a experiência com drogas, os discos psicodélicos, o fim das turnês e o bar Stonewall Inn. Como assim, Stonewall Inn?

Na Nova Iorque de 1969, Stonewall é um bar frequentado por homossexuais que, pela primeira vez, resolveram reagir à violência e à perseguição policial que sofriam. É a visão da lutas nas ruas, ao vivo pela TV (será que havia TV ao vivo em 1969?), que acende a chama de paixão e justiça da dupla. Poucas horas depois, eles sairão de Londres e desembarcarão no Greenwich Village nova-iorquino como o primeiro casal gay famoso da história.

Poppy Z. Brite consegue criar uma história simples e interessante, apesar de cair em vários clichês e soluções fáceis. A cena em que Grealy vê o quebra-quebra em Nova Iorque e decide ser um militante pelos direitos dos gays é algo assim. Mas, o interessante exercício de brincar com a realidade (muitos outros escritores jovens estão começando a fazer o mesmo com livros clássicos) já vale uma lida neste pequeno livro. Pelo menos, é um pop que não se resume a contar os namoros pré-adolescentes.

Para ir além



Plastic Jesus
Poppy Z. Brite
Editora Conrad
93 páginas

Marcelo Barbão
São Paulo, 9/12/2002

 

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