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Quarta-feira, 25/12/2002
Vale Emprego
Rennata Airoldi

Querido Papai Noel,

As coisas por aqui, abaixo da linha do Equador, andam muito mal... Tentam a todo custo nos convencer de que nada de podre acontece no reino do Futebol e do Carnaval. Aliás, por causa destes dois orgulhos de nossa pátria, comemos mosca o ano inteiro. Devo dizer que, como todos os anos, começamos 2002 com as férias prolongadas até que chegasse a tão esperada Quarta-feira de Cinzas. Quando ligam-se efetivamente os motores do país.

Cerca de três ou quatro meses depois, chegou a segunda grande "roubada" do ano... A Copa do Mundo! Enquanto tudo ia lentamente se degradando em nossa economia, sociedade, cultura, educação, segurança... O Povo tinha o Circo montado para esquecer que a vida corria paralelamente à euforia das vitórias consecutivas. Bom, pelo menos, caro Velhinho, desta vez ninguém amarelou e fomos campeões!!! Mais do que isso: Pentacampeões!!!

Porém, acabada a festa, veio a ressaca. Uma dor de cabeça tremenda acompanhada com as intragáveis e indigestas campanhas eleitorais. E haja promessas, haja paciência. Escolher entre o Ruim e o Pior. Ficamos entre a cruz e a espada para decidir com quem sofrer ou não nos próximos quatro anos. Estou parecendo muito pessimista? No final da história, venceu o futuro Salvador da Pátria! O povo, mais uma vez se enche de esperança enquanto não consegue encher o estômago de comida e a mente de sabedoria.

Mas como esta carta é apenas um pedido para este Natal, não quero me prolongar muito na introdução, só queria que o Senhor, vindo das terras do Pólo Norte, que pouco deve saber da real- realidade de nosso país, ficasse à par de tudo que está acontecendo por aqui. Logo vai entender, pois acredito que o meu pedido de Natal seja igual ao de milhares de brasileiros.

Papai Noel, como temos por aqui "vale" refeição, combustível, presente, CD, brinde, pensei em negociar com o Senhor um Vale Emprego para 2003. É, não é uma excelente idéia? Veja bem, podemos receber os vales por correio, fax, e-mail. Ele teria um prazo de retirada até depois do carnaval... afinal de contas, tudo só começa após a Quarta-feira de Cinzas... Entretanto, há de ter validade infinita, eterna, vitalícia!

Agora, este vale tem que ter registro. O emprego só é retirado mediante a apresentação do RG, CIC e comprovante de "dureza". Pois, do jeito que está, há sempre um espertinho na praça; vai que alguém resolve acumular empregos, ou pior: já pensou se os vales vão parar nas mãos dos cambistas? Nossa, todos nós íamos acabar tendo que pagar mais e mais propinas.

É triste não ter emprego. É triste ver um pai de família perder a dignidade. É triste viver num país onde se estuda e não se consegue viver a partir do conhecimento adquirido. Já pensou a revolução que seria todos esses vales-emprego na praça? Fim da miséria, fim da indignação, fim da vergonha, fim do sentimento de impotência, diminuição da violência, diminuição do alcoolismo. E tantas outras coisas...

Uma nova era se iniciaria. Todos empregados! Felicidade, Paz, Alegria, Saúde, Educação, Cultura, Sonho, Dignidade! Claro que há muitas outras coisas boas que um bom emprego causa a um ser humano que realmente deseja trabalhar. Desculpe, sei que há milhares de cartas a serem lidas e eu não desejo tomar mais o seu tempo.

Bom Velhinho, sei que infelizmente, você não é nenhum Santo milagreiro mas, se Natal é época de sonhar, desejar, buscar a esperança e exercer a solidariedade, eu quero crer e pedir, sim, que, neste ano, todos os brasileiros recebam seus vales-emprego nas noites de Natal. Que no próximo ano, escrevam novamente apenas para agradecer a alegria de se sentir útil, vivo e de ter o direito de sonhar e ser feliz!

Aguardo Resposta Breve,

Atenciosamente,

Rennata Airoldi
São Paulo, 25/12/2002

 

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