|
Segunda-feira, 23/12/2002 Francis Ford Coppola Maurício Dias Francis Ford Coppola nasceu em 1939, em Detroit. Seu pai, Carmine Coppola, era o primeiro flautista da Orquestra Sinfônica da NBC - e também um pintor de talento. É de sua autoria uma das versões da capa do ótimo disco The Italian Sessons, de Chet Baker. Quando tinha dez anos, Francis contraiu poliomielite, o que o deixou preso a cama por um ano. Coisa semelhante ocorrera antes com o menino John Huston, também filho de artista, e que também se tornou cineasta. Francis, para matar o tempo, assistia TV e brincava com marionetes. John Huston também gostava de marionetes (montou em 1929 uma adaptação teatral para bonecos, Frankie and Johnny). O que não quer dizer que a imobilidade na infância seja necessariamente uma boa para os futuros cineastas. Nesse período de cama Francis teve os primeiros contatos com o cinema: montava os filmes amadores feitos em 16 mm pelo pai e a irmã - Talia Shire, que no futuro se tornaria atriz, e trabalharia com Francis na série O Poderoso Chefão (ela é a irmã de Michael Corleone, o personagem de Al Pacino). Francis se formou em teatro em Hofstra no final dos anos 50. Mas o interesse por cinema o levou a ingressar na UCLA em 1960, a mais famosa escola da época - e ainda nos dias de hoje. Por estar bem no centro mundial da indústria de cinema - a Califórnia - a UCLA se beneficia das facilidades de estágio para os alunos e do acesso à doações de equipamento e material que já não servem às produtoras e aos estúdios - mas que ainda assim estão anos-luz à frente da maior parte do que temos por aqui. Dirigiu alguns curtas metragens apelando para a nudez e o erotismo. Foi então trabalhar com Roger Corman, o rei do filme B americano, o homem que lançou oito em cada dez cineastas dos anos 60 ao final dos 70. Enquanto isso, Coppola ganhou na UCLA um prêmio pelo roteiro Pilma Pilma, que jamais seria rodado. Quando trabalhava com Corman, rodando um filme na Irlanda, convenceu o patrão a utilizar o elenco num filme só seu - tudo era muito econômico, os longa-metragens de Corman eram rodados em dois ou três dias - e fez Dementia 13, uma produção barata e ruim de suspense/terror. Em 1966 escreveu Paris Está Em Chamas? (Paris Brûle-t-il? de René Clément). Em 1967 escreveu e dirigiu a comédia Agora Você é um Homem (You're a Big Boy Now), que apresentou como tese de graduação na UCLA. Enquanto isso, ganhava fama como roteirista. Teve a oportunidade de participar de um filme de - veja a coincidência - John Huston, escrevendo o roteiro de Os Pecados de Todos Nós (Reflections In A Golden Eye), o qual não pôde assinar. Em 1968, dirigiu uma adaptação de um musical da Broadway, O Caminho Do Arco-Íris (Finian's Rainbow), um fiasco estrelado por Fred Astaire, este já mais do que em fim de carreira. Durante as filmagens conheceu George Lucas, o futuro Sr. Guerra Nas Estrelas. Neste ano também escreveu Esta Mulher É Proibida (This Property is Condemned), de Sidney Pollack. Em 1969, dirigiu Caminhos Mal Traçados (The Rain People) pelo qual ganhou o Grande Prêmio no Festival de San Sebastian. Em 1970, Coppola ajudou seu amigo George Lucas, convencendo a Warner a produzir um filme deste, THX 1138. E foi consagrado com o Oscar de roteiro original de 1970, por Patton, Rebelde ou Herói? (Patton) de Franklin J. Schaffner. E aí veio O Poderoso Chefão (The Godfather), roteiro e direção de Coppola, adaptados do best seller de Mario Puzo. Inicialmente os diretores da Paramount pensaram em filmar a história usando um pequeno orçamento, transpondo-a para a St. Louis contemporânea. Ofereceram a direção a outros diretores - entre eles Elia Kazan e Costa-Gravas - , os quais recusaram. Coppola, então com 31 anos, assinou contrato e convenceu os chefões do estúdio a investirem no projeto. Conseguiu Marlon Brando para um papel importante. E teve a sorte - e a percepção - de contar com um novato, ator teatral com formação pelo método de Elia Kazan e Lee Strasberg; um "carcamano" baixinho chamado Al Pacino. No futuro, seu mestre Lee Strasberg faria um importante papel em O Poderoso Chefão - Parte II. Corre a lenda que tiveram que ser feitos pactos com a Máfia, que não queria que no filme fossem citadas as palavras "Máfia" e "Cosa Nostra". Havia no livro um personagem paralelo, um cantor fracassado, que nos anos 50 deseja um papel num filme de guerra, o qual ele crê que o tiraria do ostracismo. Para obter este papel, recorre a seus amigos da "Cosa Nostra". Todo mundo associou a trama a um velho amigo da Máfia, Frank Sinatra. No início dos anos 50, sua carreira estava em baixa e ele ressurgiu como uma fênix, graças em boa parte, a seu papel de Maggio em "A Um Passo Da Eternidade" (From Here To Eternity, de Fred Zinnemann, 1953), pelo qual ganhou o Oscar e o Globo de Ouro de Ator coadjuvante. Certa vez, em 1971, Sinatra encontrou Puzo num restaurante, e esculhambou-o, quase agredindo-o fisicamente. Voltando ao filme de Coppola, ele ficou pronto em 72, sua cópia final tinha mais de três horas de duração. Foi a maior bilheteria de todos os tempos até então - não o maior público, que "O Vento Levou" é imbatível - , título que manteria até Tubarão (Jaws, de Spielberg) desbancá-lo, em 1975. Ganhou três Oscars, incluindo filme e ator, o qual Marlon Brando recusou, a exemplo do que Geoge C. Scott fizera dois anos antes por Patton. Coppola estava envolvido em ambos os projetos, e por ambos ganhou Oscar de roteirista (Em Godfather, Oscar de Roteiro Adaptado, em conjunto com Mario Puzo), e não os recusou. O Poderoso Chefão foi o início de uma série de quatro filmes excelentes, dirigidos e escritos em seqüência por Coppola: A Conversação (1974), O Poderoso Chefão - Parte II (também 74), e Apocalypse Now (1979). Aqui há que haver um parênteses: nos anos 70, o American Way Of Life estava abalado. Era a culminância de um processo mais ou menos natural, em que a luta pelos direitos civis e igualdade racial dos anos 60, o movimento hippie, a contracultura e as rebeliões estudantis somaram-se ao fiasco do Vietnã e ao escândalo Watergate para gerar uma sociedade mais cínica. E isto se refletiu no cinema da época, um cinema mais cru e politizado. Além de Coppola, tivemos Sidney Lumet, Scorcese, Robert Altman, Peter Bogdanovich, John Schlesinger. Muitos desses diretores tinham formação universitária e profundo conhecimento da história e da mecânica do cinema. Repare quantos dos filmes de então tem uma visão mais realista da vida urbana e são rodados em locações. Atuando no cinema por outra vertente temos ainda Woody Allen e Bob Fosse. E nesta época trouxeram-se do exterior nomes como Polanski e Milos Forman. Além disso, na década de 70, mais do que em qualquer outra época, diretores estrangeiros concorreram ao Oscar de melhor diretor. Isso deixa claro a tendência à abertura, a se tornar cosmopolita, que podia ser encontrada então. Durante muito tempo achei que estes filmes de Coppola dos anos 70 eram bem intencionados por denunciarem as mazelas da sociedade americana. Hoje penso de outra forma. Na época a guerra fria ainda era pauta. E os EUA, apesar de suas idiossincrasias, sempre tiveram tradição democrática e foram muito mais libertários que a URSS e a China - seus contrapontos ideológicos. Ao denunciar sempre as mazelas americanas e nunca comentar seus pontos positivos, Coppola está sendo parcial. Os "Chefões" I e II, obras-primas inquestionáveis, são a demolição completa do mito do "self made man". A primeira frase do primeiro filme é "Eu acredito na América", dito por um ítalo-americano. Segue-se o show de violência e corrupção, que só faz desmentir a frase. E como já comentei, também ataca-se sutilmente um dos maiores ícones da cultura americana do século XX, Frank Sinatra. E não é por acaso que no segundo filme, boa parte da ação se passa em Cuba, que é exposta como playground da máfia, até estourar a revolução. Pode-se argumentar que apesar do enfoque sempre no lado negro do american dream, o que é mostrado nestes filmes aconteceu de verdade. Não é bem assim. Segundo Ruy Castro, nos verbetes dedicados a Sinatra em Saudades do Século XX (Cia. Das Letras), o episódio envolvendo o blue eyes em Chefão provavelmente não passa de ficção. E apontar o que Cuba era antes da revolução não basta. Deve-se contrapor ao que Cuba tornou-se depois da revolução. Para isso sugiro que assistam a Morango e Chocolate, ou Guantanamera, do cineasta cubano Tomás Gutiérrez Alea. Ou Antes do Anoitecer de Julian Schnabel, sobre a biografia do escritor Reinaldo Arenas. Em Apocalipse Now tem-se um mergulho no delírio. Da primeira vez que vi o filme, na cena em que o barco é atacado por uma saraivada de flechas pensei: "- Isso é uma brincadeira! Flechas no Vietnã?" É uma obra grandiosa, mas quem leu as breves cento e poucas páginas (varia, de acordo com a edição) de O Coração das Trevas sabe que o filme não lhe chega aos pés. No livro, as trevas são muito mais escuras; e não há bobagens como oficiais atacando aldeias para surfar nas praias. A cena do ataque ao som das Valquírias é um espetáculo da técnica cinematográfica, mas venhamos e convenhamos, a justificativa dita pelo oficial, "Charlie don't surf" ("Vietcongs não surfam", depois título de uma música da banda inglesa The Clash, num disco que não por acaso se chamava 'Sandinista'), é uma ironia tão óbvia e simplista... Em A Conversação o oficial de escuta descobre que ele próprio tem sido investigado. Deve-se entender que o escândalo das gravações de Watergate ainda era, como já disse, uma ferida recente no ideal americano de liberdade. Agora, espionagem há em qualquer parte, não só nos EUA - ou lá particularmente mais do que em outros lugares, pelo contrário. Veja bem, em nenhum momento questiono a qualidade artística de todos esses filmes. Marlon Brando recitando T.S. Elliot em Apocalipse é um dos grandes momentos da historia do cinema; Gene Hackman quebrando todo o apartamento à procura de uma escuta é um grande questionamento sobre como nossas ações podem voltar-se contra nós. O que me preocupa é uma questão moral: a de um indivíduo evidentemente perceptivo, criativo e sensível jamais reconhecer os triunfos da sociedade em que vive. E se algum cineasta russo, Tarkovski, ou outro contemporâneo, quisesse fazer ao seu próprio país as críticas que Coppola fez aos EUA, não conseguiria nunca dinheiro para filmar - pois no socialismo, que banca os filmes é o Estado, e ele não vai pagar pra falarem mal dele próprio. Mas já ao final da década de 70 a direita contra-atacou. O reacionário João Paulo II subiu ao poder e Reagan se elegeu no início dos anos 80. A isto somaram-se fatos aleatórios (serão mesmo?) como Nova York, o centro pensante da esquerda dos EUA, entrar num processo de recessão econômica, que esvaziou a cidade e John Lennon ser aí assassinado em 1980. Em seguida veio ascensão da cultura yuppie nos anos 80. A sociedade americana se "recaretizou" - ou talvez jamais tenha deixado de ser careta. Como exemplo disto basta lembrar que nos anos 70 Jane Fonda era militante; nos anos 80, vira a perua das fitas de ginástica pras donas de casa; nos anos 90 vira a Sra. magnata Ted Turner - o casamento já acabou. Jane é tão consistente quanto um algodão-doce. Que nova surpresa guardará para nós? Um dos amigos de Coppola foi em grande parte responsável pela caretização: George Lucas, em Guerra nas Estrelas, lançou a semente que reinaria na década seguinte: a idéia de que o público-alvo dos filmes deve ter a idade mental de uma criança de 12 anos. Junto com seu amigo Spielberg - que por instantes parece querer ser um novo Walt Disney, cultivando a idéia de um cinema pra toda a família - elevaram os efeitos especiais a uma tendência hegemônica, o que antes só era visto em um ou outro filme isolado. É claro que fizeram isso com grande competência. Citando Henry Louis Mencken, jornalista e humorista americano : "Ninguém até hoje perdeu dinheiro por subestimar a inteligência do povo americano." E é claro que isto pode ser aplicado à toda humanidade. Voltando a Coppola. Ganhou uma penca de Oscars - incluindo filme e direção - por O Poderoso Chefão - Parte II e Palmas de Ouro em Cannes por A Conversação (1974), e Apocalypse Now, todos mais do que merecidos. Foi o maior e mais premiado diretor de cinema do mundo na década. Depois de tal apogeu, seria difícil evitar uma queda. Nas décadas de 80 e 90, alguns bons filmes: O Selvagem Da Motocicleta (Rumble Fish, 1983), o simpático Cotton Club (1984) e o terceiro episódio de O Poderoso Chefão (1990). Mas em geral não mostrou o mesmo brilho. Nos anos 70, além do bom desempenho de sua irmã na série do Chefão, seu pai Carmine teve participação na ótima música de Nino Rota no segundo episódio. Na década seguinte, Francis lançou o seu sobrinho Nicholas Cage em O Selvagem Da Motocicleta, e também não houve problemas. Mas o nepotismo o afundou quando de seu lamentável episódio em Contos de Nova York (New York Stories, 1989. Seu episódio é "A Vida Sem Zoe", e os outros são de Woody Allen e de Martin Scorcese), baseado numa estória idiota de sua filha, então com doze anos. E sua filha Sophia substituiu Winona Rider num papel importante em O Poderoso Chefão III, no qual não saiu-se bem. A crítica americana, particularmente, massacrou-a. Acho que isto vem mais do fato de a menina não ser bonita como seria de se esperar de alguém num filme de Hollywood, do que propriamente por sua atuação. Os críticos deixam passar cada desempenho horroroso sem falar nada. Como exemplo podemos citar outro filme de Coppola: em Dracula (1992), Anthony Hopkins estava absolutamente péssimo, e ninguém falou nada. Mas filho feio de papai tirando lugar de rostinhos bonitos, isto os críticos americanos - em sua maioria, quadrúpedes - não perdoam. Por aqui nunca vi criticarem o nepotismo no cinema brasileiro. Aliás, Coppola andou vendendo uns equipamentos aí pro Guilherme Fontes usar na produtora. Pra fechar, Sophia Coppola agora é diretora de cinema - fez As Virgens Suicidas. Vamos aguardar. Maurício Dias |
|
|