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Sexta-feira, 17/1/2003
Os quadrinhos e o castelo do Graal
Gian Danton

No livro HE, o psicólogo norte-americano Robert Johson explica a psicologia masculina através do mito da busca do Santo Graal. O personagem principal é o jovem Percival, um cavaleiro da Távola redonda.

Certo dia, durante suas andanças, ele entrou em um castelo belíssimo e imponente. Era ali que estava o Santo Graal, o cálice usado por Jesus durante a última ceia.

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Todos o recepcionaram muito bem e ele se sentiu feliz e maravilhado com os poderes do Graal. O cálice podia, por exemplo, fazer surgir a comida que o convidado desejasse. E podia também curar qualquer ferida.

Na manhã seguinte, quando acordou, ele não encontrou mais ninguém no castelo. Estava completamente abandonado, e ele teve de ir embora.

Percival passaria o resto de sua vida tentando encontrar novamente o castelo do Graal.

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Para Robert Johnson, o episódio é uma metáfora de algo que ocorre com todos os jovens durante a fase da pré-adolescência.

Essa é uma fase particularmente difícil, pois o menino não é mais uma criança, mas ainda não é adulto.

Todos os meninos entram no castelo do Graal ao menos uma vez na vida e essa experiência irá marcá-los pelo resto da vida. Assim como Percival, eles passarão o resto da existência tentando voltar para o castelo.

O que tudo isso tem a ver com quadrinhos?

Pare para pensar. Se tem mais de vinte anos e continua gostando de quadrinhos é porque há uma boa lembrança associada a eles.

Em outras palavras: muitas pessoas - e eu entre elas - entraram no castelo do Graal graças aos quadrinhos.

Tenho conversado leitores de gibis e todos eles têm algum episódio semelhante ao de Percival.

José Aguiar, desenhista da Manticore, saía de casa todos os dias de manhãzinha com sua bicicleta e ia direto para um sebo próximo de sua casa, onde ele comprava ou trocava gibis.

Essa experiência o marcou profundamente e eu não tenho dúvida nenhuma de que esse foi um dos fatores que o influenciaram a se tornar desenhista.

Lembro que quando estávamos na sétima série a revista preferida de todos era a Superaventuras Marvel. Nós sabíamos a data em que ela chegava nas bancas e saíamos correndo para ver quem chegava primeiro.

Como tinha pouco dinheiro para comprar gibis, eu usava de um estratagema. Eu conhecia um sebo que ficava próximo da Igreja e que vendia revistas a preço de banana. Eu passava lá todo Domingo e comprava as Heróis da TV, que uma amigo da escola colecionava. Depois eu vendia para ele, pelo dobro do preço, mas antes eu lia e relia a revista e esses momentos eram tão sagrados que me faziam esquecer a chateação que era ser obrigado a ir à igreja.

Aquela experiência - comprar a revista e nem esperar chegar em casa para começar a lê-la - era uma verdadeira entrada no castelo do Graal.

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Só com a saga da Fênix foram centenas de entradas no castelo do Graal, até porque os X-Men, assim como a busca do Cálice Sagrado, são um mito sobre o fim da infância (prometo falar sobre isso em outro artigo).

Cada vez que eu leio uma HQ é como se eu estivesse voltando àquela época mágica da pré-adolescência.

E quando escrevo histórias, fico imaginando que talvez eu esteja proporcionando a outros garotos as mesmas sensações que eu sentia lendo quadrinhos.

É interessante notar que o tipo de quadrinho que você lê na pré-adolescência vai influenciar seu gosto pelo resto da vida.

O desenhista Antonio Eder odeia super-heróis. Também, pudera: ele passou toda a pré-adolescência lendo revistas Kripta e nesse período nunca botou os olhos num gibi de super-heróis.

O desenhista Bené Nascimento (Joe Bennet) passou essa fase lendo HQs do Jack Kirby. Hoje ele compra qualquer coisa sobre o velho Jack, até caríssimos fanzines importados.

Pare um instante e pense. Se você gosta de quadrinhos, é bastante provável que você tenha, em algum momento, entrado num castelo do Graal feito todinho de histórias em quadrinhos.

Gian Danton
Macapá, 17/1/2003

 

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