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Quarta-feira, 29/1/2003
Entrevista com Marici Salomão
Rennata Airoldi

Caros leitores, a coluna desta semana traz uma entrevista bem interessante com Marici Salomão. Trata-se da dramaturga coordenadora do Círculo de Dramaturgia do CPT (Centro de Pesquisa Teatral) do Sesc, sob supervisão geral de Antunes Filho. Como jornalista, é colaboradora de teatro do Caderno2, de "O Estado de S. Paulo", e da revista "Bravo!". Tem peças montadas pelos diretores Fernando Peixoto, Maurício Paroni de Castro e Celso Frateschi. A peça "Bilhete" está em cartaz no Centro Cultural São Paulo (CCSP) até a primeira semana de Março. É uma honra poder tornar esta conversa acessível, pois pouco se sabe sobre dramaturgia e o percurso de um autor na busca da construção e do amadurecimento de sua própria obra. Assim sendo, vamos ao "papo" propriamente dito!

Quando e como você começou a se interessar pela área de Dramaturgia?

Como boa parte dos dramaturgos, comecei a gostar de dramaturgia como atriz. Fazia teatro amador na década de 80, o que me ajudou a criar visão de palco, de tempos, ritmos, temperaturas, entradas e saídas de personagens. Mas houve um momento em que me surpreendi ao me perceber muito mais interessada em dissecar a estrutura de um texto de teatro do que em atuar. Em 93, fiz minha primeira oficina de dramaturgia com Luís Alberto de Abreu. Tive sorte, comecei com um grande professor, que nos iniciou os meandros da Poética, de Platão, da filosofia pré-socrática e do pensamento de Eric Bentley.

Como foi o começo, os primeiros textos?

Os primeiros textos são aqueles com cara de "umbigo" mesmo. Queremos mostrar a historinha, bonitinha, mostrar que dominamos técnica, que podemos impressionar as platéias. Depois de bater bastante a cabeça, a gente começa a perceber que o que importa é ter algo profundo a dizer (mesmo na comédia e Molière é o grande exemplo disso), uma visão de mundo, algo que ajude a propor a construção de um mundo melhor. Um olhar ibsenista sobre o mundo e as relações entre seres humanos. Ainda persigo isso.

Alguém que esteja interessado, como pode buscar um caminho? Cursos? Livros?

Primeiro, se o cara ou a cara estiver firme no propósito, o caminho, como diria o poeta, "se faz andando". Muitas leituras, de bons autores de teatro, literatura, filosofia e teoria social, e muita escrita. E, cuidado, eu diria, para fazer amadurecer o ofício antes de querer fazer sucesso! Dicas? Além dos clássicos, Shakespeare, Nélson Rodrigues, os trágicos, Molière, os contemporâneos, Harold Pinter e Sarah Kane, "A experiência viva do teatro", de Bentley, "Introdução à dramaturgia", de Renata Pallottini, "Para trás, para frente", de David Ball. Muito mais coisa.

Qual a maior dificuldade em escrever para Teatro?

Ter algo a dizer ao mundo, ter a coragem de ir contra a corrente, criar personagens humanos, não humanóides, sair dessa anestesia geral, encontrar as várias razões para uma mesma questão, não pegar atalhos para ser engraçadinho, não fazer concessões à sociedade de consumo, e não desistir. Reescrever 15, 16 vezes uma peça até "desocultar" a questão primordial e assumir a realidade profunda em que isso implica.

Quais elementos você considera essenciais para um bom texto Teatral?

Justamente uma coisa difícil de encontrar: você diz "meu deus, está tudo aqui", mas não sabe dizer exatamente onde nem por quê. Uma espécie de feito alquímico, em que o principal, o ser humano é revelado (e nas entrelinhas, no interdito), com todas as suas contradições. Acho que isso é teatro - e é difícil!

Quais textos seus já foram encenados?

"Maria Quitéria", com direção de Fernando Peixoto; "O Pelicano", dirigido por Maurício Paroni de Castro (Mostra de Dramaturgia do Sesi) e, mais recentemente, "Bilhete", com direção de Celso Frateschi.

Como foi assistir sua própria obra?

É sempre muito estranho. Eu penso: "Ai, eu podia ter feito de outro jeito, podia ter feito melhor."

Há algum que ainda está inédito e que você pretende montar?

No momento, tento mergulhar, ir mais ao fundo, descascar mais e muito até encontrar o sumo que valha a pena mostrar.

Como é o trabalho que você desenvolve junto ao diretor Antunes Filho no CPT?

Antunes Filho é um mestre e ponto final. Sua exigência em ir sempre ao fulcro da arte ensina o discípulo pelo exemplo e não pelo: "faça como eu quero". Por isso, ele é mestre e não guru. No Círculo de Dramaturgia, desenvolvemos a crítica exigente sobre aquilo que escrevemos; buscamos não nos contentar com o medíocre e, por isso, não apressar o processo por uma urgência em "acontecer". Nos dedicamos a escrever e a estudar princípios de retórica, estética e filosofia.

Como você vê a nova Dramaturgia e o que você destaca nela. Autores, ênfase, Temática.

Acho que ainda não há a tal da nova dramaturgia, porque não surgiu ainda o grande autor, no pós-anos 90. Também não sei se é por aí, mas sinto que é preciso tomar cuidado em não apressarmos/nomearmos as coisas, porque vivemos os fluxos e refluxos da total mercantilização, que cria o produto, o mercado, e depois tenta forjar a finalidade. É preciso ter o que dizer, acima de tudo. Humildade e autocrítica nesse momento são fundamentais!

Rennata Airoldi
São Paulo, 29/1/2003

 

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