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Sexta-feira, 18/4/2003 A escrita Gian Danton No século XII, um monge cristão escreveu: "Se não sabes o que é a escrita, poderás crer que a dificuldade é pequena, mas se quiseres uma explicação detalhada, deixa-me dizer-te que o trabalho é penoso: ele embaralha a visão, encurva as costas, esmaga o ventre e as costas, aperta os rins e deixa todo o corpo doendo (...) Como um marinheiro que volta, enfim, ao porto, o escriba rejubila-se ao chegar à ultima linha". É precisamente sobre o ofício de escrever, tão valorizado quanto penoso, que trata o livro "A Escrita - memória dos homens", de Georges Jean, coleção descobertas. O livro traz uma visão histórica da escrita das primeiras tentativas à modernas rotativas, capazes de imprimir milhões de palavras por minuto. O leitor poderá acompanhar a aventura da descoberta da escrita e compreender como esta evoluiu do icônico ao simbólico. Um exemplo da escrita cuneiforme (praticada na Suméria antiga) demonstra bem como se deu esse processo. A mulher era representada por um triângulo cortado, em analogia ao púbis. As montanhas, por três montinhos. A união dos dois signos deu origem ao vocábulo "mulher das montanhas", ou seja, escravas do sexo feminino. Ao mesmo tempo em que os sumérios desenvolviam a escrita cuneiforme, os egípcios criavam os hieróglifos, considerados por Jean os verdadeiros poemas visuais dadas as suas qualidades estéticas. O mesmo se poderia dizer dos pictogramas chineses, tão belos, que eram considerados obras de arte e até hoje são expostos como quadros. Para além da dimensão estética, há a dimensão fantástica. Hieróglifo significa, literalmente, escrita dos deuses. A escrita parece ter sido, sempre, encarada como uma espécie de dádiva divina e os escribas vistos como detentores de poderes mágicos. "Dominar a escrita é deter os meios de conquistar o mundo", disse Sartre. Na Babilônia, os escribas chegavam a ser mais poderosos que os reis, e na China a invenção da escrita foi creditada a um Imperador, Huang-Che, que teria vivido no século XXVI a.C. Dizem as lendas de que ele se arrependeu, e chorava toda noite. Se não é a invenção mais terrível, como acreditava o Imperador chinês, é certamente, uma das mais importantes. De fato, só existe História a partir do momento em que surge a escrita. É a partir dela que o homem começa a registrar os fatos cronologicamente, que passa a estabelecer regras jurídicas, contratos de compra e venda e de casamento. É através dela que ficam eternizados os hinos religiosos, contos históricos, máximas de moral, poemas de amor e épicos. O livro vai dedicar grande espaço à questão da reprodução da escrita. Na Idade Média, a única forma de conseguir um livro era mandar fazê-lo em um mosteiro por monges copistas. Logo no início do catolicismo, usava-se o papiro organizado em rolos chamados volumen, que apresentavam diversos inconvenientes: eram caros, frágeis e só se podia utilizar uma de suas faces. A utilização de um novo suporte, o pergaminho, vai modificar completamente a arte manuscrita e, segundo a midiologia de Régis Bedray, permitir ao cristianismo se espalhar por toda a Europa. O pergaminho era conseguido através do tratamento da pele de carneiros, bezerros, cabras ou gazelas. Havia o velino, de qualidade superior, obtido através da pele de bezerros recém-nascidos ou natimortos. As peles eram mergulhadas em cal e depois limpas de qualquer vestígio de pêlo ou carne. Antes de colocá-las para secar em grades, eram polvilhadas de gesso, que absorvia os restos de gordura. Eram então raspadas com uma espátula. Diante de um pergaminho, o monge copista deveria poli-lo com uma pedra-pome a fim de retirar manchas e impurezas, e criar uma superfície propícia à absorção da tinta. O pergaminho, mais resistente que o papiro, permitia a costura de várias folhas, o que ficou conhecido como codex. Também possibilitava a utilização da pena de ganso, melhor de trabalhar que o antigo caniço. O trabalho de copiar textos era tão monótono que alguns monges se punham a ilustrá-los. Com o tempo, isso se tornou um atrativo a mais e alguns copistas especializaram-se em fazer apenas figuras ou capitulares, letras iniciais geralmente escritas em ouro. Tudo isso mudou com a invenção da imprensa. Johannes Gutemberg, supostamente o inventor da técnica, jamais usufruiu de seus lucros. Afundado em dívidas, teve todo seu equipamento apreendido por um dos sócios. Se Guteemberg não ficou rico, outros ficaram. Na época havia uma grande demanda por livros, demanda essa que os mosteiros não conseguiam satisfazer. Em pouco tempo, um livro impresso tinha qualidade tão boa que alguns o confundiam com os manuscritos. Até mesmo ilustração e capitulares eram acrescidas à obra para lhe dar valor. A imprensa surge imbuída de espírito renascentista. Fontes como a Garamond Romano eram consideras tão perfeitas em termos de proporção quanto o homem desenhado por Da Vinci. A invenção da rotativa deu um passo a mais e tornou o processo de reprodução tão rápido que deu origem à imprensa popular. Marco dessa fase é o lançamento, em primeiro de julho de 1846, de dois jornais cuja assinatura custava a metade dos outros. Le Siècle e La Presse saiam a 40 francos anuais, ou seja, 10 centavos por cada exemplar. Vinte anos depois surgia o Le Petit, a cinco centavos o exemplar. Daí para a frente, a imprensa só evoluiu e, mesmo com a invenção de outras mídias, nunca perdeu seu espaço privilegiado de difusora de idéias. O livro de Jean é perfeito para quem quer se aprofundar no conhecimento dessa invenção tão controversa. Repleto de ilustrações, no formato de bolso e diagramação arrojada, o volume é agradável aos olhos. O texto é profundo, mas não acadêmico e agradará tanto professores e estudantes de letras quanto leigos. É gostoso de ler, além de essencial. Afinal, conhecer melhor a evolução das palavras ajuda a escrever melhor e, como dizia Pascal, "saber escrever bem é saber pensar". Gian Danton |
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