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Terça-feira, 18/2/2003 Simonal e O Pasquim: nem vem que não tem Waldemar Pavan Muito antes de alcançar a notabilização pública pela paternidade de Wilson Simoninha e Max de Castro, Wilson Simonal (1939-2000) foi um dos maiores fenômemos artísticos que este país já viu, na década de 60. Até uma expressão fora importada para designar seus atributos artisticos: "showman", o artista que se bastava para segurar toda a batata quente de shows e apresentações públicas. A distinção de Wilson Simonal como artista ímpar não ficou estacionada apenas na multiplicidade de talentos simplesmente artísticos. Era tempo da televisão P&B - nos anos de 1966/67 - e Wilson Simonal foi o primeiro artista negro no Brasil a comandar com muito "charme, veneno, elegância e swing" um programa todo seu na TV-Record: "Show Em Si Monal", líder absoluto de audiência enquanto durou. Ainda neste período, Wilson Simonal - dono de voz límpída e de um tremendo "swing jazzístico" - juntou-se ao produtor e agitador cultural Carlos Imperial. Foram eles que batizaram o movimento musical do período 1967 a 1969 de "Turma da Pilantragem". A ousadia máxima da pilantragem daquele periodo arvorava-se em dirigir um carro bacana, vestir-se bem e viver sempre cercado de lindas garotas. As mesmas que foram homenageadas por Wilson Simonal na introdução da gravação de País Tropical, onde ele acrescentou à letra de Jorge Ben uma dedicatória verbal de autoria própria: "em homenagem à graça, ao charme e ao veneno da mulher brasileira". Nunca ninguém tinha cantado que "a graça, o charme e o veneno da mulher brasileira" eram os itens que a faziam positivamente diferente das mulheres de outros lugares do planeta. Suas músicas de então falavam de carrões e garotas lindas. O único pecadilho era a receita musical da Turma da Pilantragem: copiada de fora, importada diretamente dos arranjos da gravadora A&M Records, para os discos de Chris Montez. No caso, um cantor banal mas de muito sucesso internacional; que usava o falsete vocal para atualizar e padronizar arranjos para clássicos da música norte-americana, balanceados por um vibrafone bastante espertinho e dançante: "The More I See You", "Day By Day", "Time After Time", "There Will Never Be Another You" e "The Shadow Of Your Smile". A semelhança entre Chris Montez e Wilson Simonal limitava-se ao DNA dos arranjos, já que o americano cantava muito mal, sofrível até, um engodo da indústria da música. Já o artista brasileiro esbanjava interpretação vocal, acima de qualquer critica possível. Wilson Simonal cantava músicas de temática inocente, sim, mas também era cantor de nobre e delicado repertório da música brasileira que ia de "Nanã" (Moacir Santos) a "Manias" (Flávio Cavalcante). O mundo de Wilson Simonal era só "Alegria, Alegria" até quando uma reportagem do jornal O Pasquim, em 1972, acusou-o de ser informante do famigerado SNI (Serviço Nacional de Informações), o orgão máximo da repressão e caça-às-bruxas do regime de exceção. O ostracismo foi inevitável, a partir da publicação da matéria. A classe artistica ofereceu-lhe as costas; as emissoras de rádio cessaram a execução de suas músicas; os poucos canais de TV existentes na altura fecharam-lhe às portas; e a imprensa escrita não se interessou em investigar o assunto. O Pasquim era um jornal de periodicidade semanal, na minha opinião, porta-voz da "inteligência bêbada" do Brasil. Para mim, seus objetivos mais explícitos era fazer apologia aos porres homéricos, enaltecer a vida bandida e romancear o submundo do crime. Foi, por exemplo, esse jornal que primeiro deu voz a outro negro, o travesti e marginal carioca, Madame Satã. Madame Satã exibiu, em entrevista nas páginas do semanário, toda a sua valentia, truculência, atrevimento e prepotência, enquanto o direito básico de resposta ao negro Wilson Simonal nunca veio. A equação era simples: enquanto o negro bandido ao ser entrevistado aumentava a tiragem, o negro trabalhador e pai de família só compareceu nas páginas do semanário para ser acusado de delator. Aceitar o direito de resposta de Simonal em nada alteraria a tiragem do Pasquim. Acredito que foi esse jornalismo idealizado e realizado, por uma equipe de alcóolatras confessos, que arrasou com a vida pessoal e a carreira profissional de um dos maiores ídolos musicais que este país já produziu. As entrevistas no semanário eram também ilustradas por fotos de garrafas de bebidas semi-vazias e narrativas da evolução dos porres comunitários de entrevistados e entrevistadores. Entre 1972 e 2000, quase nada foi noticiado sobre Wilson Simonal. Em 2000, o artista bastante debilitado fisicamente fora internado. São desta época os dois trechos selecionados da crônica publicada no Observatório da Imprensa, por sua assessora temporária de imprensa, Dinah Sales de Oliveira: "Como assessora de imprensa, fui contratada para divulgar a curta temporada de shows, numa casa noturna em São Paulo. Além das informações de praxe, no release de divulgação fizemos um box onde tentávamos passar a história a limpo, com base no documento assinado pelo então secretário de Estado dos Direitos Humanos, José Gregori. O ofício no. 078/99, de 26 de janeiro de 1999, do Ministério da Justiça, atestava não haver nenhum indício de que Simonal houvesse colaborado com o SNI. Diz o documento: '(...) declaro que foi realizada uma pesquisa nos arquivos dos órgãos federais, especialmente os do extinto Serviço Nacional de Informações (SNI) e no Centro de Inteligência do Exército (...) que informam não terem sido encontrados quaisquer registros ou evidências que apontem o interessado como colaborador, servidor ou prestador de serviços, mesmo como informante, dos referidos órgãos, durante o regime de exceção vivido no país (...)" Na ocasião, nem uma só palavra na imprensa sobre o assunto. Como resultado do trabalho de assessoria, apenas algumas linhas nos roteiros culturais. Todo o empenho jornalístico não nos valeu de nada. A grande imprensa não achou que o 'gancho' podia estar ali, no documento que anexamos ao material de divulgação". "Entretanto, outras pérolas jornalísticas emergiriam desse mar de lama. Na matéria escrita pelo jornalista Lauro Lisboa Garcia (revista Época, de 24 de abril) - na qual consta o documento assinado por José Gregori -, o humorista Jaguar declara-se orgulhoso 'de ter ajudado a destruir a carreira do cantor' (numa capa, de 1972, O Pasquim acusou Wilson Simonal de ser 'dedo-duro'). Questionado sobre o assunto, Jaguar desmonta tudo o que qualquer estudante de jornalismo aprende logo no início do curso. 'Foi um impulso meu. Ele era tido como dedo-duro. Não fui investigar nem vou fazer pesquisa para livrar a barra dele. Não tenho arrependimento nenhum'". O ano de 2002 transcorreu sem nenhuma homenagem a Wilson Simonal. Trinta anos desde a publicação de O Pasquim que submetera Wilson Simonal ao exilio compulsório, no seu "patropi abençoado por Deus e bonito por natureza". O único registro fonográfico disponível em CD deste periodo Turma da Pilantragem era então uma coletânea de dois CDs da série Meus Momentos (gravadora EMI). Terminava o ano de 2002 e uma belíssima surpresa me encheu de alegria: o relançamento tríplice da série "Alegria, Alegria" composta pelos discos Alegria Alegria!!! (1967), Alegria, Alegria Vol.2 ou Quem Não Tem Swing Morre Com a Boca Cheia de Formiga (1968) e Alegria, Alegria Vol. 3 ou Cada Um Tem o Disco Que Merece (1969), recentemente remasterizados, encaixotados e relançados em CD pela gravadora EMI na coleção Brasil de A a Z. Estes três álbuns refletem o quão pueril foi o movimento musical Turma da Pilantragem; ou seja: a pilantragem de Wilson Simonal era tão família que, se ouvida hoje pelos netos de seus detratores, serviria tão somente para embalar suas brincadeiras infanto-juvenis. O lançamento de discos na década de 60 dava-se da seguinte maneira: lançava-se o LP (vinil) com 12 músicas; separava-se as que emplacavam no gosto popular; e lançava-se no formato compacto simples, que comportava uma música em cada face. Destes três albuns, não apenas duas por volume foram lançadas em compactos simples: várias ocuparam o primeiro lugar nas paradas de sucessos. Entre elas: "Os Escravos de Jó", "Agora é Cinza", "Vesti Azul", "Nem Vem Que Não Tem", "Sá Marina", "Zazueira", "De Como Um Garoto Apaixonado Perdoou Por Causa de Um dos Mandamentos", "Vamos S'Imbora", "Manias", "Meia Volta (Ana Cristina)", "Cartão de Visitas", "Mustang Cor de Sangue"e "Aleluia Aleluia". Infelizmente, nem todos os mega-sucessos de Wilson Simonal estão elencados nestes discos. Ainda permancem inéditos os LPs que abrigavam outras pérolas da ingenuidade e pilantragem infanto-juvenil: "Mamãe Passou Açucar Em Mim", "Meu Limão, Meu Limoeiro" (cantada em unísssono no Maracanãzinho por um coro de 15 mil vozes), "País Tropical" - e tantas outras que fizeram com o que charme, a graça, a elegância e o swing de Wilson Simonal permanecessem carinhosamente guardados no coração de cada pessoa que, com o artista, compartilhou toda a sua alegria de viver. (Nota: soube pela imprensa que o fenômeno Maria Rita, filha de Elis Regina, incluiu no repertório, de seu recente show, a música "Menininha do Portão", que consta do CD Alegria, Alegria Vol.3.) Para ir além Waldemar Pavan |
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