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Terça-feira, 11/3/2003 O Pianista e o Gueto de Varsóvia Rodolfo Felipe Neder O Holocausto tem sido tema cinematográfico em muitas oportunidades, mas nada foi tão comovente, para mim, desde Nuit et Brouillard (1955) de Alain Resnais, quanto o belo filme de Roman Polanski, O Pianista roteiro cinematográfico, extraído do livro de memórias do próprio pianista Wladyslaw Szpilman, escrito logo ao final da guerra. Parte da grande crítica trata o filme como um a mais da série "holocausto". Nada disso, O Pianista é, antes de tudo, um longo poema do sofrimento do povo polonês invadido pelo do exercito nazista em 1939, uns dos mais cruéis momentos da segunda guerra de que se tem notícia. O horror e a desesperança se instalam na Polônia, por longos seis anos. Mas, há também, no meio do horror, o grandioso e belo gesto de compaixão provocado pelo amor a música e a admiração ao artista. No final do outono de 1939, um jovem e promissor pianista, Wladylaw Szpilman (interpretado por Adrien Brody) no seu programa de rádio, toca o suave e belo Noturno de Chopin, enquanto a Luftwaffe hitlerista bombardeia Varsóvia. Chopin sai do ar e entra o horror nazista. Szpilman e sua família, como todos os judeus, são expulsos de suas residências para serem isolados no ignominioso gueto de Varsóvia. Aqui, começa a difícil luta de inúmeras famílias judias para sobreviver. Neste momento, no decorrer da luta para sobreviver, aparece clara a fragilidade humana. Há, nos perseguidos, os bons e os ruins, mostrados em todos seus gestos. Há, também, nos nazistas ocupantes, uma profunda crueldade, quase que um gosto pelo extermínio e a destruição, a banalité du mal a qual, a filósofa e catedrática Hannah Arrendt, nos anos setenta, se refere em seus trabalhos, divulgados na mesma época, em que essas mesmas crueldades vieram a se repetir na América do Sul. O Pianista é sem dúvida a obra de um cineasta europeu, mais é também, de autoria de quem, na infância, testemunhou ocupação da sua terra. Bastam repetir as doídas palavras de Polanski em recente entrevista: "Para uma criança, nem dor física nem fome se comparam ao terror da separação dos pais. Minha dor maior foi ter perdido minha mãe. Somente a morte fechará esse capítulo". Vemos no filme um Polanski um humanista que recria a realidade sem concessões e sem mentiras tecnológicas. Polanski é um observador atento aos gestos. As suas personagens são como eram nesses duros anos em meio a suas circunstancias e seus momentos, no melhor sentido de Ortega e Gasset. Não procure ver no O Pianista heróis ou anti-heróis. Há, sim, uma realidade trágica para todo o povo polonês nesses anos. A cada dia, devem adaptar-se ao momento, ou morrer sumariamente. Os duros tempos tem que ser vividos em todas suas horas de todos os dias são de medo e de expectativa a os limites da crueldade humana. Há á revolta contra a ocupação, como realmente existiu em 1943, um verdadeiro desespero suicida do Gueto de Varsóvia, e que outro polonês, Andrezj Wajda, relata em seu filme Cinzas e Diamantes (1961). O Pianista de Polanki tem, o que Wajda não colocou no seu filme, a suave e dura poesia do inferno. O Pianista que está nas salas do Brasil, chega coroado de todos os prêmios possíveis e é candidato ao Oscar, tenho dúvidas da conquista. Caso ganhe o Oscar, o galardão da Academia, corre o risco de se transformar num prêmio sério, pelo menos, nesta temporada. O Gueto de Varsóvia Era quase o fim do ano de 1968. No meio da dura repressão local, seis cineastas, todos atuantes nessa época, foram convidados a participar do festival de Leipzig. Iberê Cavalcanti, Maurício Gomes Leite, Cosme Alves (diretor da Cinemateca do Rio), Sergio Muniz, Rudá Andrade e eu. Embarcamos rumo a Europa Central. Por coincidência, o diretor Andrezj Wajda estava regressando, no mesmo vôo a Polônia, depois de ter participado do Festival de Cinema no Rio de Janeiro. O adido cultural da embaixada da Polônia no Brasil também estava no avião da KLM (não lembro o nome dele, mas lembro da sua fina gentileza em ser o nosso inesperado anfitrião em Varsóvia). Finalizado o festival, fomos a Varsóvia onde ficamos por uma semana. A capital polonesa é o grande monumento urbano contra o nazismo a cidade estava sendo reconstruída ainda. A "cidade velha" que fica no centro estava totalmente restaurada das ruínas. Nada ficou após a passagem das hordas nazistas, nem sequer os documentos e as plantas da cidade, tudo tinha sido calculadamente destruído. Varsóvia foi reconstruída a partir de gravuras de artistas locais e da memória de alguns dos sobreviventes. O comando nazista mandou, em 1940, que fossem erguidos altos e sólidos muros, no centro da cidade para isolar as famílias judias do resto da população. Assim, nasce o Gueto de Varsóvia. Nele cabiam aproximadamente 20mil pessoas, mas instalaram 450 mil habitantes judeus, ou seja cerca de 17 famílias por casa. A rua Mila era a rua principal do Gueto, mas tarde, quando o levante, se tornaria famosa por estar aí o quartel geral da revolta. Muitas cenas do filme de Polanski se passam na rua Mila, totalmente reconstruída para as filmagens. A comida era racionada e as famílias judias tinham direito ao consumo de 500 calorias diárias, enquanto os eslavos tinham direito a 800 e os alemães a 1800. Em 1943, Hitler era o principal líder europeu, com seu poderoso exercito. Porém, apesar da invencibilidade de suas forças armadas começava a ser trincado com a derrota em Stalingrado (hoje, São Petersburgo). O Exercito alemão já não era invencível. Entrar no gueto, dispostos a agir com a mesma crueldade e desmando, com que sempre o faziam, ficava mais difícil. Um dia, os judeus encorajados receberam os soldados nazistas à bala e obrigaram as tropas alemãs a recuar e, o que foi pior para o exército ocupante, os moradores do Gueto tomaram a suas armas. A revolta durou várias semanas e a luta se travava corpo-a-corpo até nos esgotos de Varsóvia. O poderoso exército ocupante era desmoralizado novamente. Hitler deu pessoalmente a ordem de acabar com o Gueto. A reação do comando nazista foi brutal, a batalha foi casa-a-casa com os lança-chamas que queimaram todo o bairro. Os poucos sobreviventes tiveram como destino o campo de Treblinka. O general Stroop enviou um telegrama a Hitler: "O bairro judeu de Varsóvia não existe mais". Andamos pelas ruas do antigo Gueto, pouco falávamos, só ouvíamos as explicações de nosso anfitrião que nos guiava. Era, um mês de novembro cinzento, frio e chuvoso e por momentos caia neve. Algumas das marcas da guerra estavam vivas, restos do muro em pé, hoje são monumentos. Alguns tapumes enegrecidos guardavam os trabalhos de reconstrução. Estes feios tapumes eram dissimulados com belos cartazes de teatro e cinema. É bom lembrar que a Polônia se destaca também, pela excelência de seus artistas gráficos. A arte e a beleza presentes. Nunca vi uma cidade tão silenciosa. Haviam passado 28 anos da ocupação e se notava ainda rostos e expressões medidas, sorrisos só os necessários. Os jovens estudantes nos bares, talvez os mais barulhentos e alegres. A Varsóvia de gente linda e afetuosa estava ressurgindo, mas ainda, não era a plenitude, pois o regime desses anos não era de liberdade, foi preciso esperar até a década de 80 para que fosse derrubado o outro muro, o do Berlin. Hoje, pelo que leio, esta maravilhosa cidade, está sua plenitude e apogeu e com uma vida universitária e cultural invejável e um intenso turismo. Nota do Editor Rodolfo Felipe Neder é diretor do site Millôr Online. Rodolfo Felipe Neder |
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