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Quinta-feira, 13/3/2003 Açougueiro mesmo é o diretor Adriana Baggio Gangues de Nova York, o filme de Martin Scorcese, estreou em João Pessoa semanas depois do resto do país - só agora, no carnaval. A gente até entende que filmes ditos cult ou alternativos demorem a aparecer por estas bandas, já que a promessa de público não é das melhores, mas um blockbuster desses? Incompreensível. Por isso o atraso desta crítica. Você, caro leitor, já deve ter lido várias resenhas e comentários, já deve inclusive ter visto o filme. Pois bem, veja se você concorda ou não com as minhas opiniões. A ansiedade do público pela chegada de Gangues de Nova York poderia ter sido economizada para Prenda-me se for capaz, de Steven Spielberg, que aqui estreou na mesma semana. O filme de Scorcese abusa na carnificina e economiza na história que, além de rala, é batida e piegas. Leonardo di Caprio é o jovem cujo pai é morto em uma briga de gangues por um ponto da cidade de Nova York na década de 40 do século XIX. O assassino é Daniel Day Lewis, que encarna The Butcher, para nós, O Açougueiro. O Açougueiro é da turma dos nativistas, que estão naquelas terras desde a colonização inglesa. São descendentes da corja enviada para América como punição pelos crimes cometidos em seu país de origem. Do outro lado estão os irlandeses, que emigram para a terra prometida fugindo da fome e dos conflitos (qualquer semelhança com israelenses e palestinos seria mera coincidência?). Em uma briga pelo controle do território, conhecido como Five Points, os nativistas vencem os irlandeses, o pastor Vallon, pai de Di Caprio, é morto e o menino é enviado a um reformatório. Depois de 16 anos ele volta incógnito para Five Points com o objetivo de vingar a morte do pai. Sob o domínio do Açougueiro, o território, que já não era dos melhores para se viver, vira uma verdadeira filial do inferno. É uma terra sem lei, povoada por ladrões, assassinos, punguistas, prostitutas e salafrários de todos os tipos. O Açougueiro destripa seus inimigos assim como faz com os porcos. Cenas desse tipo são abundantes no filme. Aliás, ele já começa sangrento ao mostrar a briga entre as gangues dos nativistas e dos irlandeses. Lembra o começo de O resgate do soldado Ryan, com a diferença de que este último tem uma história melhor pra contar. Fica-se com a sensação de que tanto sangue é gratuito, ou que o objetivo é tapar os buracos de um argumento fraco. Se for para mostrar como a poderosa e civilizada Nova York era antigamente, metade da dose teria servido. Gangues de Nova York deixa o espectador com uma sensação ruim ao sair do cinema, e não é pelas reflexões que provoca. Mas apesar do final piegas, que mostra como o expurgo de uma cidade foi necessário para dar lugar ao que se conhece hoje, apesar do batidíssimo retorno-para-vingança, e apesar das mulheres que aparecem com marca de biquíni, o filme tem a seu favor a impecável produção de época e a realista caracterização dos atores. Com exceção de Leonardo di Caprio, que continua bonitinho e limpinho mesmo depois de uma sessão de tortura, todos os personagens mostram na pele a dureza da vida naquelas condições. Cameron Diaz aparece com o rosto avermelhado e cheio de manchas, a mão gorducha seca e enrugada. Daniel Day Lewis não poderia estar mais seboso. Pode-se quase sentir o cheiro de sangue seco e sujeira emanando da tela. Mas se for para ver Leonardo di Caprio no cinema, prefira Prenda-me se for capaz, onde Leo representa o papel de Frank Abgnale Jr., um falsificador e estelionatário precoce que inicia sua carreira na escola, aos 16 anos, e que hoje dá consultoria ao governo na área de fraudes. O clima do enredo já começa na abertura, um dos pontos altos, que lembra muito os filmes das décadas de 60 e 70. Uma animação brinca com os nomes da fica técnica, enquanto sugere a ação que será desenrolada na história. Apesar de superficialmente despretensioso, o filme encobre diversas mensagens. Além da lição de moral sobre como os americanos regeneram os seus e até inserem-nos novamente na sociedade, conforme escreveu Julio Daio Borges, editor do Digestivo Cultural (leia aqui), Prenda-me se for capaz constrói uma imagem nada lisonjeira dos franceses. E olha que na época em que o filme foi produzido a França ainda não tinha tido a oportunidade de se declarar contra a invasão do Iraque. A França é mostrada como um país de bárbaros, atrasados, folgados e pessoas não muito confiáveis. Começa com a mãe de Frank, uma francesa que conheceu o pai do moço durante a Segunda Guerra. Pelos comentários de Frank pai, a moça parecia estar dando bola para todos os soldados, mas ele ficou tão apaixonado que relevou sua falta de compostura e salvou-a daquela vila perdida no interior da França. Mais tarde, quando Frank pai está à beira da falência, sua mulher, sem poder controlar seu instinto de francesa promíscua, arruma um amante. Por fim, divorcia-se e casa novamente, com um homem rico, lógico. Durante o divórcio, a mãe da mãe de Frank filho -a vovó mercenária - vem da França para ajudar na partilha dos bens de valor a que a filha tem direito. Depois, Frank filho é preso na França, na cidade onde sua mãe nasceu. Foi preciso o esforço de um investigador norte-americano (Tom Hanks) para fazer com que os folgados policias da vila trabalhassem em uma noite de Natal. Os bárbaros e desleais franceses não cumprem o acordo com os americanos e prendem Frank em uma cela fétida e úmida, o que acaba com a saúde do rapaz. Frank é salvo quando Tom Hanks consegue a ordem de extradição e leva seu prisioneiro de volta para a civilização e a ordem dos norte-americanos, e coloca-o em uma prisão limpa, iluminada e com telefone para os presos se comunicarem com as visitas. E para provar a benevolência e esperteza do Tio Sam, Frank é convidado a cumprir sua pena na forma de consultoria para o governo na área de fraudes. Exageros spielbergianos e rixas culturais à parte, Prenda-me se for capaz é um ótimo filme. Divertido, leve mesmo nas partes mais dramáticas, com uma produção de época impecável, é garantia de uma boa sessão de cinema. Se não dá para fugir da ideologia dos bons moços norte-americanos, pelo menos que seja de maneira agradável. Adriana Baggio |
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