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Terça-feira, 25/3/2003 A diva intelectual Marcelo Barbão Algumas pessoas são importantes para a história, independente de gostarmos ou não delas. E há outras pessoas que odiamos adorar ou vice-versa. Realmente, Susan Sontag é uma delas. Excelente crítica literária e intelectual, escritora razoável, cineasta e diretora teatral esforçada e criativa, Sontag escorrega em seu ativismo político. Fazer o quê, como me falou recentemente um amigo inglês em visita por estas terras bandeirantes: "são americanos". Ponto, sem mais comentários, afirmando com isso o que o resto do mundo sabe menos os nascidos naquele recanto do mundo: americano é tremendamente confuso politicamente. Estávamos falando de um terceiro conhecido, nascido em pleno Wyoming, velho hippie e defensor da liberdade que fez campanha para Dick Cheney quando este se candidatou ao Senado. A trajetória de Sontag é bastante impressionante. Apesar de vir de uma família sem uma base intelectual extraordinária, criada por uma mãe ausente, Sontag desenvolveu uma brilhante carreira. Independente, recusou, durante a maior parte de sua vida, qualquer conexão asfixiante com o mundo acadêmico. Seu objetivo era ser uma escritora e foi a isso que ela se dedicou durante toda a vida, inclusive agora. A biografia "Susan Sontag - A construção de um ícone" mostra bastante essa ascensão ao estrelato intelectual da norte-americana judia e descendente de poloneses. Os dois autores, Carl Rollyson Jr e Lisa Paddock, descrevem uma mulher ao mesmo tempo genial e calculista. Sempre descobrimos, nas entrelinhas do livro, a idéia de que a imagem de Sontag foi criada artificialmente e mantida de forma oportunista pela escritora, seus editores e amigos. Mas, isso poderia ser real se não existisse uma consistência na carreira de Sontag, fato que está longe da verdade. Algumas declarações dos autores soam muito mais marketeiras do que as próprias técnicas supostamente usadas por Sontag para se manter na mídia. Por exemplo, os autores escrevem que muita gente só aceitou falar sobre ela se o seu nome não fosse revelado. Com isso, tentaram criar um clima de medo, afirmando que o poder de Sontag era tão grande que podia impulsionar ou destruir carreiras. É difícil acreditar nisso quando tantos intelectuais de esquerda quanto de direita já xingaram Sontag de todos os nomes. E, pior ainda depois que a onda neo-fas...conservadora nos EUA entrou com tudo no século XXI. Sontag sempre foi uma intelectual de esquerda. Apesar de apoiar de forma acrítica os regimes comunistas durante boa parte dos anos 60 e 70, sua ruptura com o comunismo aconteceu de forma completamente superficial. Mas, pelo menos, ela não foi para os braços da direita raivosa, fato muito comum entre essas pessoas que tratam a política de forma superficial. Quem foi membro do Partido Comunista no passado e aceitou as mentiras do stalinismo acriticamente, e hoje repete as baboseiras da neo-direita norte-americana só mostra que, apesar de mudar de lado, não aprendeu a pensar de forma séria e independente. Direita ou esquerda, continua uma marionete acreditando nas histórias da carochinha que são divulgadas pelos poderosos. Nesse ponto, Sontag foi superior a muitos outros supostos "intelectuais" que começaram a romper com as mentiras stalinistas. Nos anos 90, ela se engajou na luta do povo bósnio contra o nacionalismo sérvio, sendo a responsável por mostrar uma situação desesperadora quando a maioria da imprensa preferia se calar. Além de seus livros de literatura, Sontag é conhecida pelos ensaios. Seu último livro, ainda não lançado no Brasil, "Regarding the pain of others", trata da fotografia, que ela conseguiu elevar ao nível de arte "séria" com seu livro de ensaio "On Photography" e que retoma na atualidade. "Regarding..." também trata de outro tema muito importante e atual, a guerra. O problema da biografia de Susan Sontag é que, como intelectual atuante, fica o interesse em conhecer suas posições atuais sobre a situação dos EUA, a guerra do Iraque e o governo Bush. O jeito é pesquisar na Internet seus textos mais recentes. Afinal, ela não parou de pensar de forma independente. Fato raro hoje em dia. Para ir alémSusan Sontag - A construção de um ícone Carl Rollyson Jr. e Lisa Paddock Editora Globo 423 páginas Marcelo Barbão |
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