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Domingo, 31/8/2003 Divertido Cultural Eduardo Carvalho Recebi por e-mail, no segundo semestre de 1999 — quando eu acabara de entrar na faculdade —, um texto escrito por J. D. Borges, sobre uma viagem que ele havia feito, naquelas últimas semanas, para o Oriente. Não entendi nada. Não sabia quem era J. D. Borges. Não sabia por que eu estava na sua lista. E uma dúvida me incomodava mais do que todas: como um jovem executivo do ABN Amro Bank conseguia escrever tão bem sobre assuntos tão variados? Alguma coisa precisava estar errada. E estava. Meses depois, J. D. revelou-se Julio Daio, e começou a editar o Digestivo. Eu não sabia, porém, que, para isso, ele havia desistido da carreira no banco. Sempre pensei que ele ainda conciliasse as duas atividades — sem imaginar que, na prática, isso seria impossível. Eu estava, na época, frustado com o meu curso de Administração de Empresas, e considerava a possibilidade de seguir uma carreira jornalística. O Julio foi, nessa fase, um interlocutor constante, dando dicas e conselhos. E eu decidi, no fim das contas, continuar no meu curso. Concluo, hoje, que a decisão foi acertada. Participei do Digestivo Cultural, pela primeira vez, como convidado. "Diários já foram da corte" ainda preserva, para mim, um significado especial, como primeira coluna. Logo depois fui morar em Toronto, de onde colaborei, mais uma vez, sem pertencer à equipe fixa do Digestivo, com uma crônica — veja só — sobre beisebol. Eu estava em Vancouver, seis meses depois, quando recebi um e-mail do Julio dizendo que tinha um convite especial a me oferecer. Respondi que, como minha temporada canadense estava acabando, conversaríamos em São Paulo. Conversamos. De Vancouver mesmo, porém, preparei dois outros artigos — "O do contra" e "A garganta da reclamação" —, que foram publicados quando cheguei em São Paulo, já com meu nome entre os colaboradores regulares. Foi um orgulho, aliás, naquela época, estar ao lado — além do Julio —, de colunistas que eu lia freqüentemente, como, entre outros, o Fabio Danesi Rossi, o Rafael Azevedo, o Paulo Salles. Atravessei então, de certa forma, as três gerações de colunistas, e conheci quase todos pessoalmente. Era sempre um prazer conversar com gente que, até então, eu conhecia apenas, digamos, virtualmente, como leitor. Escrever para o Digestivo, ao mesmo tempo, me aproximou e me distanciou do jornalismo. Se não tivesse aqui este espaço livre para publicar regularmente, talvez eu acabasse numa faculdade de jornalismo, iludido de que, praticando a profissão, esse espaço aparecesse. Não aparece. Não tão fácil. A carreira, no Brasil, é limitada e complicada. Eu não estou disposto a enfrentá-la. Não acho que compensa. Por outro lado, este articulismo solto, independente e opinativo é também uma espécie de jornalismo, que pratico eventualmente. Fujo, no entanto, das etiquetas. Sinto que estou simplesmente compartilhando idéias e assuntos, com leitores abertos e curiosos, longe das regras acadêmicas e do jornalismo chocho. Eu não me considero jornalista. Não me considero intelectual. Não gosto, aliás, no geral, nem de intelectuais nem de jornalistas. Que, no Brasil, sempre me parecem insatisfeitos, frustrados. Tento ler um livro por semana, e, na média, tenho conseguido. Escrevo quando posso, e também, aos poucos, tenho publicado o que quero. Acho que isso não é — e não pode ser — exclusividade de uma classe. Conservo esse exercício como uma das diversões que a civilização me oferece. Tenho me entretido. E espero que os leitores também. Eduardo Carvalho |
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