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Sábado, 30/8/2003 O Digestivo e Eu Daniel Aurelio Eu não levo o menor jeito para intelectual: não vou ao Franz Café bater papo com a geração “transgressora” da alta literatura paulistana. Não uso óculos de grau com aquelas armações espessas, cheias de si. Não vou ao Espaço Unibanco assistir à cena cinéfila cabeça. Nunca atuei em peças teatrais de Gerald “Bunda Magra” Thomas. Não faço citações em francês nos meus artigos. Detesto filme russo mudo. Nunca pensei em montar uma banda indie rock. Não conheço pessoalmente nenhum editor famoso, tampouco editor não famoso (o que explica meu livro jamais ter sido publicado). Sou um zero à esquerda. E à direita também. Poderia escrever um blog ou torrar sua paciência brandindo poesia barata nos cafés preferidos dos neo-sartrianos, sabia? Decidi que (qual o impedimento legal?) deveria sair por aí enviando meus textos via e-mail, da forma mais mambembe e kamikaze raciocinada. A maioria considerou um spam cultural, excremento de uma sociedade viciada em tecnologia e bodeado de identidade. O que é que esse moleque de Pirituba, sem nome e “revolucionariozinho de merda” esta fazendo, a meter-se vestes de brega-erudito do verbo? Alguns pequenos sites, porém, acolheram-me. Mas a ausência de público-leitor com quem partilhar minhas neuroses me fez cometer uma aposta de risco. Enviar um texto para o Digestivo Cultural, tido pelos colunistas da Internet como o supra-sumo da mídia eletrônica, conteúdo que conheci pelos labirintos do Google e me enamorei. Li o Alexandre Soares Silva, o Eduardo Carvalho e o Paulo Salles numa rajada de excelência estética e consistência opinativa. Pensei duas coisas: a) repudio as linhas gerais dos três, mas os caras são brilhantes, escrevem como jamais escreverei, mesmo que Zibia Gasparetto interceda por mim, clamando por um Lima Barreto ou Fitzgerald (Julio Cortázar seria pedir demais?). Para falar a verdade, um Rubem Braga já serviria. b) o Julio D. Borges deve estar se divertindo com o ridículo que denomino ensaio. No mesmo dia, veio a resposta. Julio carimbou um “você escreve bem”, mas não se furtou a criticar meu trabalho que nada tinha do jornalismo cultural clássico (é o “Símbolos e Identidade Nacional”). Publicou mesmo assim. Como diria o cantor Jamelão, eu fiquei que nem pinto no lixo. Exultante. Dois textos depois, recebi uma ligação. Era Julio novamente, a sabatinar esse pobre. Eu acabara de me tornar colunista titular do Digestivo. Claro, o sentimento é de um juvenil vestindo a camisa do Corinthians pela primeira vez. Estava cercado de feras, e logo abaixo do meu primeiro artigo, reluzia um ensaio do semideus da critica e da palavra, Sérgio Augusto (não tenho culpa! É o Layout! É o Layout!). Muitas porradas de leitores e uma meia dúzia de elogios depois, cá estou desde março de 2003 a fornecer meus espasmos quinzenais de aspirações literárias. Acho que não devo escrever tão mal assim. Desejar vida longa ao Digestivo é no mínimo uma prerrogativa para o bem estar da nova geração de escribas que, paulatinamente, aparece dos lugares onde a patota cult não mapeia (a não ser quando quer centrifugar a violência em arte). Objetivamente, há dois sites sérios sobre cultura por essas plagas, e o trocadilho já escancara; a diferença é que um se vangloria de suas cobras criadas. O outro, mais iluminado, prefere criar suas cobras. Julio D. Borges e sua idéia que faz gloriosa e olimpicamente três anos é um celeiro de novos craques – e alguns pernas-de-paus esforçados como este que assina. A palavra é um espeto, tem que incomodar! Que o Digestivo continue a cutucar e sacudir essa gente empoeirada e deitada em seu berço esplendido: que venham mais e mais expurgos pelo fórum! Duvidemos quando formos elogiados demais, paparicados feito pensadores estabelecidos e estandardizados. Não parecemos nada disso: somos apenas uns escrevinhadores de fé e coragem, e por isso insistimos no ofício. Apesar de tudo. Um brinde ao Digestivo Cultural! Um brinde ao Julio! Daniel Aurelio |
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