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Digestivo 5 anos
Segunda-feira,
11/4/2005
Depoimento
Andréa Trompczynski
+ de 1100 Acessos
É certa a evolução das pessoas que escrevem. O tempo passa e precisam de
menos tempo trabalhando em um texto. Devo estar fazendo o caminho contrário,
como sempre. Não lembro de algum texto que houvesse pedido tanto minha
atenção e houvesse me desgastado tanto quanto este, um depoimento sobre
nossa relação com o Digestivo Cultural, que o Julio pediu há algumas semanas. Atrasado, atrasadíssimo.
Minha primeira tentativa foi contar a história de como perdi a inocência
lendo todos daqui, presentes e passados. Foram horas procurando nos arquivos
de 2001. Recordei momentos de alegrias e raivas vividas: quando destruíam
meus sonhos dourados de publicar um livro no Brasil; quando mostravam os
pés-de-barro de meus ídolos, antes intocáveis; quando pisavam sem dó ou
piedade na minha ilusão de que uma faculdade faria de mim "alguém". Dos
livros que li, muitas vezes somente para discordar da opinião do Julio, e,
algumas vezes não conseguir, como aconteceu no caso de Paulo Francis e
Nietzsche, que ele apresentou a mim através de seus comentários e críticas.
Quis linkar todos os textos pioneiros dentro do Digestivo, geradores
de muitas linhas de pensamento que hoje são comuns na internet, mais
críticas, mais ácidas e sem medo de textos longos. O texto estava tão cheio
de links e nomes de livros e escritores, que mais parecia um blog.
Nada contra aquelas palavras sublinhadas, mas não era o que eu queria.
Tentei, então, contar a história sentimental. Das tardes em que eu passava
imprimindo o Digestivo inteiro para ler na cama, porque, naquela época eu
ainda não havia desenvolvido o hábito de ler na tela; de quando, dentro da
clínica onde estive internada para tratamento daqueles tais problemas que
tive no passado e vocês já sabem, pedia ao meu irmão que me enviasse o
Digestivo pelo correio, e de lá, em meio tantas pessoas que eram tragédias
vivas, aqueles papéis tornaram-se meu porto seguro. Um ponto de contato com
um mundo real, onde algumas pessoas ainda pensavam. De quando vasculhei tudo
o que o Julio já havia escrito, como se houvesse aberto seus diários do
tempo em que era um adolescente de cabelos longos. Do quanto eu ficava feliz
como uma fã dos Beatles que guarda um pedaço da camisa do John
Lennon, quando um deles respondia pessoalmente algum comentário meu. Mas,
ficou meio bobo, eu parecia mesmo uma fã dos Beatles e desisti da
linha sentimental.
Então criei uma história sobre uma brincadeira que fiz certa vez, chamando o
Digestivo de Faculdade Virtual de Letras e Literatura Digestivo Cultural,
para contar coisas dos bastidores, que o leitor não sabe. Desse aprendizado
uns com os outros. O Fabio (Silvestre Cardoso) via Messenger, iluminando meu
caminho técnico, com um senso de humor que nunca vi melhor –ou pior,
dependendo do ponto de vista do interlocutor, ensinando-me tudo o que eu,
distraída entre fraldas e mamadeiras e tropeçando em brinquedos espalhados
pelo chão, não tenho tempo de aprender. E o Julio, numa paciência digna de
um psiquiatra ou professor, me dando a mão em muitos momentos em que caio
nos buracos escuros da minha alma, e quero desistir para sempre de
escrever quando uma revista de papel, dessas que se pode pegar, não aceita
publicar um texto meu do Nietszche conversando com o Exu num Ilê. Ele me
consola, deixando que aqui eu escreva o que bem eu sonhar, Sêneca explicando
o consumismo desenfreado da personagem da novela das oito, se assim eu
desejar. Ele me conta notícias do mundo das pessoas e às vezes o odeio por
exatos cinco minutos quando ele insiste em colocar meus pés
esquizóides no chão. Mas achei que não iriam acreditar que aprendemos
assim, uns com os outros e que gostamos sinceramente uns dos outros.
Então, leitor, acho que não encontrei o tom certo. Por isso contei
essa história, para fazê-los saber que eu tenho um sério problema para
escrever sobre coisas que amo. Sobre pessoas que amo. Sou parcial, egoísta.
Passional. Nada racional, a ponto de ficar abestalhada quando alguém me diz
que não, não conhece o Digestivo. Subo nas tamancas e já vou abrindo a
página e mostrando tudo para o pobre coitado que, muitas vezes, nem se
interessa por coisas assim. Mas, tenho sempre uma esperança que pelo menos a
minha vítima possa, um dia, quem sabe, duvidar também de que o Umberto Eco
seja um erudito. Ou do Jô Soares, o que já estaria bom.
Andréa Trompczynski
Segunda-feira,
11/4/2005
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