Como sempre, quem
há de apontar um motivo ou momento apenas? Eu não. Concedo
que tudo começou com o Julio, claro, e é a ele que agradeço
todas as semanas por ter me feito escrever regularmente em português.
Se não fosse pelo Julio, eu estaria ainda empregando todo o meu
tempo nas leituras e nos trabalhos do meu doutorado, aqui nos Estados
Unidos, o que significa não apenas escrever em inglês,
mas também habitar a dimensão etérea e espaçada
dos trabalhos acadêmicos: quatro ou cinco "papers" por
semestre, vinte páginas, sessenta notas de rodapé, dez
livros na bibliografia e, se eu tiver sorte, dois ou três leitores.
Graças ao
Julio, voltei a usar os acentos e o cê cedilha, passei a me exercitar
regularmente na escrita e - bônus! - ganhei um montão de
leitores. Um desejo que eu tinha faz tempo: o de escrever como hábito.
Se tinha alguém que eu admirava nesse ponto, esse alguém
era o Julio. Já fazia alguns anos que ele me mandava seus escritos
- os textos por email, newsletters, e finalmente o site. O Julio era
o meu exemplo: em vez de reclamar, como tantos amigos meus, o Julio
foi lá e fez. Quantas vezes não me peguei pensando, "um
dia vou fazer como ele, passar a escrever toda semana, disciplinadamente"?
Conheci o Julio
algum tempo depois de ele ter começado a namorar a Carol, minha
amiga da FAU. Poderia então dizer que, se tudo começou
por obra do Julio, que criou e edita o Digestivo, na verdade
o começo do começo veio antes, e tudo começou quando
nos conhecemos. Seis graus de separação: ou o acaso -
foi assim que tudo começou.
Não, não,
não há justiça nisso. Sim, tive sorte de conhecer
o Julio por meio da Carol, sorte então de ser amiga da Carol
(e não apenas por isso), mas - sorte? Nada menos verdadeiro.
Foi obra da Carol, isso sim, que tratou de contar ao Julio que eu, sua
amiga Dani, gostava de escrever, era trainee da Folha, tinha uma queda
por "cultura"...
Aí é
que entrou o Julio, com sua generosidade e entusiasmo tão preciosos,
e resolveu abrir o Digestivo, seu filho dileto, à contribuição
de outras pessoas. Neste ponto, confesso: apesar da admiração,
eu nunca cheguei a seguir o exemplo do Julio, nunca me disciplinei a
escrever regularmente. Foi o Julio, de novo, o responsável! E
é por isso que, mesmo quando falta uma hora para o fechamento
da minha coluna e estou com um milhão de coisas para fazer e
de repente tenho um bloqueio e fico com vontade de mandar tudo pelos
ares, mesmo nesse momento eu me sinto grata ao Julio.
Mas a história
não está completa. Na minha cabeça, "como
tudo começou" evoca um momento prolongado e um pouco nebuloso
de gênese, iniciado sem dúvida pelo convite do Julio, gesto
inaugural, mas gestado num processo coletivo e complexo. Entre o convite
e a materialização da seção dos Colunistas,
há na minha memória uma coleção de emails,
conversas, entendimentos e desentendimentos, declarações
pessoais ou impessoais, fotografias pela Internet, tudo isso trocado
pelos convidados do Julio num período que agora me parece longo,
frutífero, excitante e um pouco sofrido. Se não fosse
pela participação desses convidados - uma mistura de amigos,
conhecidos e contatos do Julio - nesse tempo inicial, se não
fosse pela participação engajada, estimulante e viva dessas
pessoas brilhantes, interessadas e tão diferentes, eu não
sei se eu teria encontrado em mim mesma o impulso inicial para fazer
a bola rolar.
Sei que escrever,
no mais das vezes, é ato solitário e individual, ainda
que em diálogo; mas neste caso creio poder falar mesmo de um
trabalho de equipe, a despeito das incongruências inevitáveis
num grupo de escritores tão cheios de opinião. O grupo
mudou; teve gente que saiu, gente que entrou. Independentemente disso,
é no time atual que penso ao dizer que, também, tudo começou
graças aos Colunistas.