O Digestivo Cultural
foi uma das coisas mais inusitadas da minha vida, se não a mais.
Eu nunca havia entrado em uma dessas salas de bate-papo da Internet.
Mesmo com os e-mails, levei um bom tempo até me adaptar, apegada
às cartas, em papel, lembram? Coisa de velhinha... Até
que um belo dia chegou uma mensagem de um tal de Julio D. Borges em
minha já disputada caixa postal, com um Digestivo Cultural,
notas de cultura que me chamaram a atenção. Fui lendo
e toda semana entrava um novo DC e eu ia lendo. Lá pelas
tantas, me irritei e achei que o DC era obra de algum jornalistão
desgarrado, mal humorado, sem espaço na grande imprensa, etc,
etc. Cheia dos pré-conceitos, lasquei uma mensagem.
Olhem só:
"acho a idéia de 'digestivo cultural' interessante
mas falta cultura na sua web coluna - menos opinião pessoal,
mais cultura aplicada, entende? afinal vc pretende digerir cultura com
os internautas
e pra digerir é preciso entender - ñ só engolir"
Fiquei pensando,
agora esse Julio se manca. Ou então nem vai tomar conhecimento,
deve ser um desses caras que giram em torno do próprio umbigo,
etc, etc. Qual foi minha enorme surpresa quando recebi a seguinte resposta:
"SP, 13/12/2000
Vera,
Antes de tudo, muito obrigado pelo feed-back.
Já tive uma fase mais informativa. Se você for ao meu site
e ler os primeiros artigos, perceberá que a opinião pessoal
ficava em último plano: http://www.jdborges.com.br/artigos/
Hoje penso que se não tiver uma linha "editorial",
o Digestivo não se impõe. As noticias, as informações
estão na Imprensa para quem quiser pegar. Se quiser propor algo
realmente novo, terei de investir no que tenho de próprio e verdadeiro:
meus pontos de vista. Para completar, não há espaço,
dentro da proposta do Digestivo para dados
adicionais. Por isso, indico os sites, os endereços, etc. Na
seção Ficha Técnica.
Continue lendo e me escrevendo. Um abraço, Julio D. Borges"
Bom, acho que nem
preciso dizer que me senti envergonhada de ter sido tão mal educada
e fiquei curiosa. Fui visitar o site do Julio e li uma penca de seus
textos, adorei os contos, os artigos, os relatos de viagens, a história
dele na Poli e minha surpresa ainda maior foi descobrir que não
era o jornalistão mal humorado que eu imaginara, mas um jovem
cheio de idéias, expressivo e afável. Aí pensei,
pôxa, eu é que sou uma jornalistona mal humorada, preconceituosa,
prepotente, cheia das falsas verdades, estou precisando aprender a ser
gente, a ouvir o que outros têm a dizer, mesmo que não
concorde, gente que é gente sabe se respeitar, expressa sua opinião
com educação. Foi assim que respondi ao Julio, meio sem
graça e não querendo transparecer minha vergonha, que
eu ia continuar lendo o DC.
E daí nasceu
uma grande amizade, minha primeira amizade virtual. Fiquei nervosa no
princípio, pois era uma coisa que jamais havia imaginado, ter
intimidade com uma pessoa que você nunca viu. Lá pelas
tantas ficava pensando, será que o Julio existe? Mesmo depois
de conhecê-lo em carne e osso, ficava viajando que ele podia ser
fruto da minha imaginação, uma criação exclusiva
minha, algo "Matrix", até me acostumar de vez com meu
novo amigo, que logo viria a ser meu irmão mais novo (mano Julio,
sempre delicado comigo, disse que me chama de irmã mais velha
porque nasci um dia antes dele, mas a verdade crua e dura é que
nasci um dia e uma década antes - sou a velhinha de nosso grupo),
por nossa afinidade cósmica aquariana.
O grupo foi outra
coisa inusitada. Quando dei por conta, estava de papo com várias
pessoas e não mais só com uma que eu não conhecia.
E ainda por cima, como eu, tinha um bando de aquarianos e apaixonados
por paleontologia, arqueologia, história, línguas. Àquelas
alturas eu também já tinha certeza que o DC era
uma coisa bem real e boa que estava acontecendo, porque nos primeiros
dias que o Julio começou a montar o quadro de Colunistas e
a pedir os textos, me empenhei com um entusiasmo que há muitos
anos eu não sentia na imprensa. Mergulhei em minha primeira coluna
com uma expectativa de adolescente, uma vibração ímpar
e quando mandei estava toda orgulhosa.
O mais legal de
tudo na primeira coluna, foi o feed-back do Julio, o cara que eu tinha
tachado de metido a besta por dar suas opiniões, queria as minhas
também. E, assim, foi me estimulando a escrever não tão
jornalisticamente, noticioso, a escrever mais pessoalmente, mais depoimento,
minhas experiências, etc, etc (desculpem, mas eu preciso usar
os etc, etc, porque senão esse texto vai ficar de um tamanho
impossível). Pensei no estilo de autores que gosto de ler, de
livros contagiantes e carregados de experiências e fui indo, escrevendo,
reescrevendo, conversando, ponderando, lendo...
Já era mês
de janeiro e eu estava na praia com meu notebook, encantada com meus
exercícios pra as colunas do DC. Até que chegou
o dia do aniversário e eu, que adoro "sinais", tive
um dia revelador: o mar estava limpo, limpo e azul, transparente como
nunca, havia cardumes de pequenos peixes à beira mar e lá
onde meu sobrinho surfava, apareceram cinco botos. Foi o dia mais lindo
e ensolarado de todas as temporadas que já passei nesta praia
do Rio Grande do Sul, isso nunca aconteceu em Itapeva, o mar em geral
é mais escuro, às vezes um lodo mesmo, peixinhos à
beira mar é loucura e botos nadando, botos de verdade... Só
podia ser um "sinal", é lógico!
Assim, tive a derradeira
certeza sobre o DC e que a Internet entrara definitivamente na
minha vida. Devo dizer que isso tudo teve um significado especial, pois
tenho 20 anos de profissão e já passei por veículos
importantes, tive editores e amigos fantásticos em redações
ótimas (se quiserem, dêem
uma espiada na minha apresentação). Assim, todo aquele
entusiasmo que senti foi de enorme importância pra mim e me deu
a certeza de que esse canal tem muito a me dar e a dar pra muita gente;
e acho que talvez ainda nem saibamos tudo o que a Internet pode nos
trazer.
De lá pra
cá, o grupo foi se conhecendo (virtual e pessoalmente), se entendendo,
se estranhando, se analisando, fomos nos falando ininterruptamente.
Às vezes me falta tempo, às vezes fico cansada com todas
as minhas frentes de trabalho e viagens, mas sinto falta quando fico
uma semana que seja longe do e-group. Sinto falta de meus amigos virtuais/reais,
pelos quais tenho enorme carinho e admiração, tão
jovens e talentosos. Valeu, mano!