Perto do coração da linguagem | Claudia Lage

busca | avançada
90555 visitas/dia
2,4 milhões/mês
Mais Recentes
>>> “A Descoberta de Orfeu” viabiliza roteiro para filme sobre Breno Mello
>>> Exposição Negra Arte Sacra celebra 75 Anos de resistência e cultura no Axé Ilê Obá
>>> Com Patricya Travassos e Eduardo Moscovis, “DUETOS, A Comédia de Peter Quilter” volta ao RJ
>>> Op-Art – Ilusão e Inclusão na Galeria Espaço Arte MM
>>> Grupo Nós do Morro abre Oficina de Artes Cênicas com apresentação da Cia. TUCAARTE
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
>>> Left Lovers, de Pedro Castilho: poesia-melancolia
>>> Por que não perguntei antes ao CatPt?
>>> Marcelo Mirisola e o açougue virtual do Tinder
>>> A pulsão Oblómov
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
Colunistas
Últimos Posts
>>> Lygia Maria sobre a liberdade de expressão (2025)
>>> Brasil atualmente é espécie de experimento social
>>> Filha de Elon Musk vem a público (2025)
>>> Pedro Doria sobre a pena da cabelereira
>>> William Waack sobre o recuo do STF
>>> O concerto para dois pianos de Poulenc
>>> Professor HOC sobre o cessar-fogo (2025)
>>> Suicide Blonde (1997)
>>> Love In An Elevator (1997)
>>> Ratamahatta (1996)
Últimos Posts
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
>>> Transforme histórias em experiências lucrativas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> O criado e o mordomo: homens do patrão
>>> Discos de MPB essenciais
>>> Traição em cem atos
>>> Referências
>>> Hatoum e os novos autores
>>> 10º Búzios Jazz & Blues III
>>> O Frankenstein de Mary Shelley
>>> Guimarães Rosa em Buenos Aires
>>> All-In sobre DeepSeek
>>> O melhor de 2004? Você decide!
Mais Recentes
>>> Saudade em Retalhos História de Caeté (Autografado) de Arthur Lima Júnior pela Gráfica (2025)
>>> Saudade em Retalhos História de Caeté de Arthur Lima Júnior pela Grafica (1979)
>>> Maria Antonieta as Grandes Mulheres da História de F. W. Kenyon pela Itatiaia (1964)
>>> A Coluna Prestes de Nelson Werneck Sodré pela Circulo do Livro (1984)
>>> As Ciências Proibidas Iniciação ao Espiritismo - Enciclopedia do Ocultismo de Varios Autores pela Seculo Futuro (1987)
>>> O Que é Participação Política - Coleçao Primeiros Passos n 104 de Dalmo de Abreu Dallari pela Brasiliense (1984)
>>> Caminhos da Liberdade de Alice Áurea Penteado Martha pela Uem (2010)
>>> A Vida Sob O Senhorio De Cristo de Raniero Cantalamessa pela Loyola (1995)
>>> A Vida Espiritual (pequenos Tratados de Vida Interior) de Elisabeth Leseur pela Pongetti (1951)
>>> Minha Versão da História - Branca de Neve e Rainha de Daphne Skinner pela Caramelo (2004)
>>> Revista Pôster Timao - Corinthians Campeao Paulista 2025 de On Line - Corinthians pela On Line (2025)
>>> Revista Pôster Corinthians Campeao Paulista 2025 - Placar de Corinthians - Placar pela Abril (2025)
>>> Memorabilia Opusculo Teatral Marilia Pera em Brincando em Cima Daquilo - Autografado de Marilia Pera - Dario Fo - Franco Rame - Trupe pela Teatral (1986)
>>> A História Verdadeira de Luciano De Samosata pela Ateliê (2012)
>>> Correspondência de Bartolomeu Campos De Queirós pela Global (2024)
>>> Anne Frank de Diego Agrimbau pela Principis (2020)
>>> Mindware. Ferramentas Para Um Pensamento Mais Eficaz de Richard E. Nisbett pela Objetiva (2018)
>>> Grande Irmão de Lionel Shriver pela Intrínseca (2013)
>>> Cidade Das Cinzas de Cassandra Clare pela Galera Record (2013)
>>> Traída - Série House Of Night de P. C. Cast pela Novo Seculo (2009)
>>> Fada de Carolina Munhoz pela Novo Século (2011)
>>> Sereia Spirulina - O Resgate Da Baleia de Kelly Mckain pela Fundamento (2009)
>>> A Chave Do Tamanho de Monteiro Lobato pela Globinho - Globo (2016)
>>> Sereia Spirulina - Problemas Com Piratas de Kelly Mckain pela Fundamento (2007)
>>> Experiências Que Deixam Marcas Vol3 de Diversos pela Rebecca e Co (2021)
ENSAIOS

Segunda-feira, 22/12/2008
Perto do coração da linguagem
Claudia Lage
+ de 8600 Acessos
+ 4 Comentário(s)

"Só nos diz a verdade quem não gosta da gente ou nos é indiferente", Clarice escreveu ao amigo Fernando, desolada, sozinha no apartamento vazio, rodeada de caixas como o deserto de uma ilha rodeada de mar. "E tudo o que ele disse é verdade." Estava na Suíça, de mudança com o marido para um novo apartamento em Berna. A visão dos aposentos nus e da imensidão de caixas fechadas lhe dava vertigens. Pegara então numa bolsa a correspondência, como quem se apóia na parede para não desequilibrar na própria náusea. O que encontrou numa das cartas, porém, não lhe deu nenhuma estabilidade, pelo contrário, aumentou a sensação de que afundava no vazio do apartamento e na profundeza das caixas.

Um amigo enviara do Brasil um ensaio chamado "A experiência incompleta", do crítico Álvaro Lins, sobre Perto do coração selvagem, o primeiro romance de Clarice Lispector, lançado em 1943, quando a escritora tinha 23 anos, e O lustre, o segundo, publicado em 1946. Antes de ler o ensaio, Clarice precisou se sentar sobre uma das caixas, já abatida pelo título. Naquela mesma manhã, havia pensado que gostaria de trabalhar sem parar, escrever árdua e constantemente, mas as coisas vinham para elas em retalhos, fragmentos de frases e imagens, situações nebulosas, sempre esparsas, sempre... incompletas.

"Um romance", afirmou Álvaro Lins, "não se faz somente com um personagem e pedaços de romance. Romances mutilados e incompletos são os dois livros publicados pela sra. Clarisse (sic) Lispector, transmitindo nas últimas páginas a sensação de que algo essencial deixou de ser captado ou dominado pela autora no processo da arte da ficção".

Clarice desviou os olhos do papel para a sala. A casa mutilada em caixas fechadas, as paredes brancas sem vestígios, o chão liso sem móveis que fazem da sala o lugar onde se come, do quarto o lugar onde se deita. Partes de um todo que caberia a ela organizar, dar formas e cores, luzes e sombras. Organização que lhe dava vertigens antecipadas. Se pudesse, deixaria as caixas fechadas, e o que havia dentro delas intacto, tesouros intocados, protegidos e vigiados sem descanso. Apenas o vestígio de ouro e prata na superfície. Mas não podia, ela sabia que a sua tarefa maior era trazer à luz o segredo mais guardado, revelar sem corromper o tesouro mais escondido.

Álvaro Lins, ao fazer a sua crítica, baseava-se no conceito tradicional do gênero do romance, fundamentado em uma sólida estrutura de lógica temporal, espacial e eventos seqüenciais, onde não se encaixava uma obra fragmentária sem unidade lógica, solução final e uma progressão dos fatos.

"Mas o que é que se torna fato?", Clarice escreveu a Fernando, "Devo interessar-me pelo acontecimento?". Para ela, os acontecimentos eram secundários, já que nasciam das pessoas, e não ao contrário. "Por que deveria encher as páginas com informações sobre os 'fatos'?" Não devia, Fernando afirmou. Apesar de pensar como o amigo, ela não conseguia esquecer as palavras do crítico sobre os seus romances, "mutilados", repetia olhando as caixas fechadas em seu apartamento, "incompletos". Nada a havia preparado, porém, para o que viria a seguir. Em certa parte do ensaio, Lins deixou o livro, para se concentrar em outro aspecto. "O leitor menos experiente confundirá com a obra criada aquilo que é apenas o esplendor de uma personalidade estranha, solitária e inadaptada, com uma visão particular inconfundível." Clarice levou um choque ao ver que o crítico se referia a ela. Era a nebulosidade da personalidade da escritora que impregnava o romance, ele disse. Tão sentada ela estava sobre uma caixa que nessa hora se levantou. A sensação de que o crítico tirava o dedo do livro e o virava com firmeza para o seu rosto.

Forma própria
"É um cretino!", Fernando vociferou por carta à amiga. E exigiu que Clarice não se abalasse, "Você avançou na frente de todos nós, passou pela janela, na frente de todos", disse, não como consolo, mas como constatação. Para o escritor Fernando Sabino, Clarice Lispector havia alcançado uma forma muito própria de escrever, na qual a linguagem nascia da experiência mais íntima da personagem. Em primeiro plano, não estavam os episódios, mas o fluxo palpitante da subjetividade. O que Álvaro Lins havia visto como excesso de introspecção e individualidade eram para Sabino originalidade e renovação na criação de um romance. Apesar das suas palavras, Clarice sentiu um desânimo profundo. Em pé, entre as caixas e o espanto, assumia a observação do crítico como uma fatalidade, "O que sou está acima da linguagem, mas como posso escrever sem mim?".

Para outro crítico, Antonio Candido, Perto do coração selvagem era uma tentativa impressionante de levar a "nossa língua canhestra a domínios pouco explorados, forçando-a a adaptar-se a um pensamento cheio de mistério, para o qual sentimos que a ficção não é um exercício ou uma aventura afetiva, mas um instrumento real do espírito, capaz de nos fazer penetrar em alguns dos labirintos mais retorcidos da mente".

"Escrever é tão perigoso", Clarice escreveria mais tarde, "o perigo de mexer no que está oculto ― e o mundo não está à tona. Está oculto em raízes submersas nas profundezas do mar. Para escrever tenho que me colocar no vazio. Nesse vazio é que existo intuitivamente, mas é um vazio terrivelmente perigoso, dele arranco sangue". Clarice sabia, o vazio era a sombra do seu próprio mistério que se realizava na escrita.

O escritor Guimarães Rosa disse, uma vez, "A linguagem e a vida são uma coisa só. Quem não fizer do idioma o espelho de sua personalidade, não vive". Naquele dia, em seu apartamento novo, que de tão novo nada tinha ainda de seu, Clarice reconhecia que o que Álvaro Lins criticara era a característica maior de sua literatura. O seu defeito era na verdade a raiz de sua natureza de escritora. E seria a fonte maior de toda a sua obra. "Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso", escreveu depois à irmã, Tania Kaufmann, entre caixas abertas, segredos e tesouros trazidos à tona cuidadosamente para não se partirem, "nunca se sabe qual deles que sustenta o nosso edifício inteiro".

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pela autora. Originalmente publicado no jornal Rascunho, na edição de novembro de 2008.


Claudia Lage
Niterói, 22/12/2008
Quem leu este, também leu esse(s):
01. Sermão ao cadáver de Amy de João Pereira Coutinho
02. Meu vizinho conversa com Deus de André Barcinski
03. Uma página expulsa do internato de Luís Antônio Giron


Mais Claudia Lage
* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

ENVIAR POR E-MAIL
E-mail:
Observações:
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
22/12/2008
20h57min
Ah, que bom este ensaio na véspera de natal. Sempre muito bom lembrar que a diferença de estilo, em Clarice, tamanha personalidade, dava o que falar. Os incomodados que se mudem ou, apesar dos julgamentos precipitados, que a caravana sempre passe, linda. Guardo o artigo pra reler e reler e repassar. Um abraço da leitora do DF ;-)
[Leia outros Comentários de Gisele Lemper]
26/12/2008
15h16min
Este ensaio é de uma pureza e beleza palpitante. Clarice de fato dá uma tonalidade de beleza e mergulha na linguagem com uma tal pungência que nos constrange em nossa própria solidão.
[Leia outros Comentários de well]
6/1/2009
02h07min
Parabéns, Claudia Lage, o seu texto afastou o horror da minha insônia, vivificou-me! por meio da bela linguagem. Gratíssimo! Abraços do Sílvio Medeiros.
[Leia outros Comentários de Sílvio Medeiros]
7/1/2009
11h40min
Belo ensaio. A frase inicial foi uma escolha feliz. O tempo mostrou que Álvaro Lins estava errado e que Fernando Sabino e Antonio Candido estavam certos: vislumbraram a grandeza de Clarice.
[Leia outros Comentários de José Frid]
COMENTE ESTE TEXTO
Nome:
E-mail:
Blog/Twitter:
* o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar Comentários que se utilizem de linguagem chula, difamatória ou ilegal;

** mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas por e-mails inválidos serão igualmente descartadas;

*** tampouco serão admitidos os 10 tipos de Comentador de Forum.

Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Trabalhando Dissertação
Francisco Moura
Atica



Um passado muito presente
Neyde Mazzante
Do autor



Uma Bola na Barriga
Lucia Fidalgo
Educacional



Guia Interdisciplinar de Leitura e Atividades Série Reencontro
Nicolau Sevcenko
Scipione
(1994)



Acumulação de Ativos e Atividade Econômica
James Tobin
Vértice
(1987)



Viva a Diferença
Roberto Caldas
Paulus
(1990)



A Lei de Deus 347
Pietro Ubaldi
Fundapu
(1989)



Tragédia Moderna
Raymond Williams
Cosac & Naify
(2002)



Style a to Zoe - the Art of Fashion, Beauty & Everything Glamour
Rachel Zoe
Grand Central Publishing
(2007)



Irmãs de Verão
Judy Blume
Ediouro
(2000)





busca | avançada
90555 visitas/dia
2,4 milhões/mês