ENSAIOS
Segunda-feira,
8/3/2010
iAnta
Ricardo Freire
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Eu sou do tempo em que o cidadão comum não fazia a menor ideia do que fosse a Apple.
Macintosh era uma religião de pouquíssimos adeptos ― nada a ver com o avassalador culto consumista de hoje em dia. O símbolo que identificava os fiéis ainda era a maçãzinha ― e não esses fones de ouvido de fio branco que todo mundo carrega em volta do pescoço como se fosse colarzinho de crucifixo.
O pior é que, naquela época, eu praticava essa religião. Eu era tão Macfanático quanto os iPodmaníacos que surgiram de uns tempos para cá.
Fui forçado a abandonar a seita no início deste século. Precisava administrar um site, e depois um blog, cujas ferramentas não funcionavam em Mac. Naquele momento, por sinal, nada parecia funcionar direito na Apple. Era uma empresa que tinha perdido o seu poder de inovação.
Alguns anos mais tarde, porém, apareceu um negocinho chamado iPod ― e o resto todo você sabe muito melhor do que eu. Sim, porque você provavelmente já está no seu segundo ou terceiro aparelho, e eu até hoje permaneço virgem de tocador de MP3.
(Só tenho iPod de tiozinho: CD player com carrossel de seis discos programado no modo random.)
Desde ontem, contudo, estou em processo de reconversão. Um tanto forçada, mas estou. Sucumbi à pressão social e transformei os meus créditos na operadora de celular num iPhone 3G.
Meu primeiro smartphone. Imediatamente descobri porque é chamado assim: porque é um telefone muito mais esperto do que você. A partir do momento em que abri a embalagem, meu iPhone me transformou numa iAnta tecnológica.
Já faz vinte e quatro horas que estou com o bicho ligado, e ainda estou mais perdido que cibercego em tiroteio digital. Nada do que aprendi em quinze anos usando celular ― ou vinte e poucos usando computador ― parece ter algum valor.
Todos me dizem, às gargalhadas, que daqui a uma semana estarei feliz da vida com meu brinquedinho novo. Para eles, o iPhone parece ser isso mesmo ― um brinquedinho eletrônico. Um Tamagochi mais esperto do que eles, que precisa ser alimentado a todo momento com aplicativos novos.
Só que, neste momento, eu me vejo dividido entre tocar a vida ou aprender a usar o iPhone. (Não, ler o manual está fora de cogitação. Já gastei toda a minha cota de paciência com manuais para aprender a programar gravações no videocassete na década de 80.)
Mesmo assim, acho que já entendi qual é a do iPhone. É um computadorzinho que dá pra levar pro banheiro, certo?
Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado n'O Estado de São Paulo, em 11 de dezembro de 2009. Ricardo Freire manda o aviso: ele já se adaptou às novas tecnologias.
Ricardo Freire
São Paulo,
8/3/2010
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