ENSAIOS
Segunda-feira,
20/12/2010
Os filmes de Frederico Füllgraf
Manoel de Andrade
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Recentemente assisti, pela segunda vez, ao filme Fogo sobre cristal ― Um diário antártico, do escritor e cineasta paranaense Frederico Füllgraf. O filme retrata as paisagens geladas da Passagem de Drake, nas Ilhas Orcadas do Sul, Shetland do Sul e do Mar de Weddell, no setor leste da Península Antártida.
Essa invejável aventura, filmada em fins de 1998, nasceu de um inesperado convite ao cineasta para embarcar num navio quebra-gelo da marinha argentina numa expedição de entregas de suprimentos e revezamento de técnicos e cientistas em base de estudos na Antártida.
A bordo do navio "Almirante Irizar", Frederico Füllgraf chega até ao fim do mundo para filmar as fascinantes paisagens brancas e silenciosas do sul do planeta. Rodado sem um roteiro previamente planejado, as cenas resultaram num documentário de uma hora que encanta tanto pela beleza imóvel das paisagens, quanto pelo inquietante movimento das geleiras retalhando seus imensos blocos para formar as inumeráveis frotas de icebergs em busca do oceano.
O que pensa o homem nestas paragens solitárias, isolado por meses ou anos do torvelinho incessante da civilização urbana? Dias imensos, paisagens imensas, enseadas de deslumbrante beleza, comunidades numerosas de pinguins, com suas elegantes posturas quase humanas nos sugerindo a ideia dos únicos seres com que pudéssemos partilhar, solidariamente, aquela assustadora solidão. É um cenário que induz o espectador, e por certo leva os que por lá se isolam à reflexão, à catarse e ao mistério. Como escrever um poema diante de tanta majestade, se tudo que a visão alcança é uma poesia constantemente reescrita pela própria natureza e indelevelmente impressa em cada traço de uma imensa tela? A reflexão sobre um poder oculto que comanda os elementos, que dita as leis que regem as variações climáticas que, a partir dali, invadem o continente, gerando as ventanias violentas, mudanças bruscas de temperatura, as chuvas torrenciais, enchentes e destruição. Que misterioso laboratório da natureza se esconde por trás de paisagens tão poéticas!
As imagens do filme nos transmitem tudo isso e muito mais. É uma viagem além de tudo o que nos propuséssemos imaginar. Um outro mundo, uma outra dimensão da vida, um outro planeta, poderíamos pensar. Apesar dos tantos documentários sobre o assunto, Fogo sobre cristal é a expressão visual da criatividade e do espírito aventureiro do autor, uma "crônica da solidão de um cineasta e sua câmera no fim do mundo". Entre tantas cenas marítimas e humanas, surgindo além da proa itinerante e nos pátios e interior das bases, um fato apenas, entre tantos que poderíamos citar: uma sequência comovente de cenas com o navio parado em alto mar, jogando coroas de flores às águas onde fora afundado o contra-torpedeiro General Belgrano, durante a Guerra das Malvinas ― conflito em que o Comodoro Micheloud, comandante de Marambio, presente a uma das bases visitadas, lutara como aviador...
A credibilidade de Frederico Füllgraf, como cineasta, vem de uma longa trajetória de realizações cujos rastros foram deixados, em 2006, no interior paranaense e na distante Namíbia, quando dirigiu a filmagem de Maack, o profeta pé-na-estrada, relatando as viagens e pesquisas geológicas feitas no Paraná, na década de 40, pelo cientista alemão Reinhard Maack, um precursor do ambientalismo, descobridor do Pico do Paraná e autor de estudos geológicos que ligam a bacia geológica paranaense à bacia de Gondwana, na Namíbia.
Seu primeiro filme, Queremos que esta terra seja nossa, rodado em Portugal, em 1975, aborda a Revolução dos Cravos, golpe militar pacífico que derrubou o governo herdeiro da ditadura de Salazar.
Em 1985, pelo seu filme Dose Diária Aceitável, sobre as consequências dos agrotóxicos no Brasil, recebe no RIEENA ― Festival Internacional do filme ambiental, na França, o prêmio de Melhor Documentário de Conscientização, considerado o primeiro prêmio internacional do cinema paranaense.
No seu invejável currículo acadêmico, Füllgraf, na década de 80, estudou Comunicação Social, Filosofia e Ciências Políticas na Universidade Livre da Alemanha, época em que realizou reportagens e filmagens de documentários para a ARD (rede pública de televisão da Alemanha). Em 1988, a Editora Brasiliense publicou seu livro (já esgotado) A bomba pacífica ― O Brasil e outros cenários da corrida nuclear.
Frederico Füllgraf é um respeitável intelectual que deverá publicar proximamente O Caminho de Tula, seu primeiro romance, a ser lançado pela Record. Essa casa editorial deverá entregar nos próximos meses o polêmico romance Sós, em Berlim, de Hans Fallada. A obra, com 700 páginas escritas em 24 dias, no ano de 1946, e publicada no ano seguinte na Alemanha Oriental, foi traduzida do original alemão por Füllgraf e estreia no Brasil depois de publicada na Inglaterra e nos Estados Unidos, onde aparece entre os títulos mais vendidos, no topo do ranking do site Amazon. Baseada em documentos da Gestapo descobertos pelo exército russo no fim da Segunda Guerra Mundial, relata a história real de um casal alemão executado em 1942 por distribuir cartões com frases ofensivas a Hitler e ao regime nazista.
Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado no site Banco da Poesia.
Manoel de Andrade
Curitiba,
20/12/2010
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