O homem que comia demais | Sérgio Augusto

busca | avançada
111 mil/dia
2,5 milhões/mês
Mais Recentes
>>> Ribeirão Preto recebe a 2ª edição do Festival Planeta Urbano
>>> Cia Truks comemora 35 anos com Serei Sereia?, peça inédita sobre inclusão e acessibilidade
>>> Lançamento do livro Escorreguei, mas não cai! Aprendi, traz 31 cases de comunicação intergeracional
>>> “A Descoberta de Orfeu” viabiliza roteiro para filme sobre Breno Mello
>>> Exposição Negra Arte Sacra celebra 75 Anos de resistência e cultura no Axé Ilê Obá
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
>>> Left Lovers, de Pedro Castilho: poesia-melancolia
>>> Por que não perguntei antes ao CatPt?
>>> Marcelo Mirisola e o açougue virtual do Tinder
>>> A pulsão Oblómov
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
Colunistas
Últimos Posts
>>> Martin Escobari no Market Makers (2025)
>>> Val (2021)
>>> O MCP da Anthropic
>>> Lygia Maria sobre a liberdade de expressão (2025)
>>> Brasil atualmente é espécie de experimento social
>>> Filha de Elon Musk vem a público (2025)
>>> Pedro Doria sobre a pena da cabelereira
>>> William Waack sobre o recuo do STF
>>> O concerto para dois pianos de Poulenc
>>> Professor HOC sobre o cessar-fogo (2025)
Últimos Posts
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
>>> Transforme histórias em experiências lucrativas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Menos que um, novo romance de Patrícia Melo
>>> Dois dedos a menos
>>> Cinema futuro: projeções
>>> Princípio ativo
>>> PFP
>>> Machado de Assis: assassinado ou esquecido?
>>> Led Zeppelin Vídeos
>>> Francis Ford Coppola
>>> Retrato em branco e preto
>>> Marcha Sobre a Cidade
Mais Recentes
>>> A Grande Cozinha - Cozinha Vegetariana de Abril Coleções pela Abril Cultural (2007)
>>> Livro Noite Do Sertão de Cynthia Cruttenden pela Cosac & Naify (2009)
>>> O Rei Das Fraudes de John Grisham pela Rocco (2003)
>>> Dom Pedro 1 a vida dos grandes brasileiros de por Pedro Pereira da Silva Costa (Autor) pela Tres (1974)
>>> Cozinha Regional Brasileira - Pernambuco de Abril Coleções pela Abril Coleções (2009)
>>> Livro Sentidos Descubra A Ciência de Jinny Johnson pela Ciranda Cultural (2010)
>>> Introdução à Psicologia da Educação de Maria Helena Souza Patto pela T. A. Queiroz
>>> Livro Direito Ambiental Volume 30 de Talden Farias e Outros pela Juspodivm
>>> A Escrava Isaura de Bernardo Guimarães pela Editora Atica (1992)
>>> Livro Medindo Comprimentos Série Vivendo Matemática de Nílson José Machado pela Scipione (2000)
>>> Da preguiça como método de trabalho de Mario Quintana pela Globo (1987)
>>> Peru De Natal E Outras Historias, O de por Carlos Drummond de Andrade e Outros (Autor) pela Atica (2003)
>>> Livro Teoria Geral Do Processo de Antonio Carlos De Araújo Cintra pela Malheiros (2005)
>>> Acaso E Repetição Em Psicanálise: Uma Introdução À Teoria Das Pulsões de Luiz Alfredo Garcia-Roza pela Zahar (1986)
>>> Livro Direito Econômico Volume 29 de Vicente Bagnoli pela Atlas (2006)
>>> Livro Neil Armstrong O Primeiro Astronauta A Pisar Na Lua Coleção Folha Grandes Biografia Para Criança Volume 16 de Folha de S. Paulo pela Folha de S. Paulo (2021)
>>> Meus Vizinhos Italianos de Tim Parks pela Publifolha (2003)
>>> Quem Manda Em Mim Sou Eu (serie Transas & Tramas) de Fanny Abramovich pela Atual Editora (1989)
>>> Faça Dar Certo de Luiz Antonio Gasparetto pela Vida E Consciência (1996)
>>> No Ar Rarefeito de Jon Krakauer pela Companhia De Bolso (2006)
>>> Guarani, O de José De Alencar pela Scipione (2000)
>>> Livro Wolfgang Amadeus Mozart O Prodígio Da Música Clássica Coleção Folha Grandes Biografia Para Criança Volume 02 de Folha de S. Paulo pela Folha de S. Paulo (2021)
>>> O Presente da Águia de Carlos Castaneda pela Record (1981)
>>> Livro O Controle Jurisdicional Da Convencionalidade Das Leis de Valerio De Oliveira Mazzuoli pela Revista dos Tribunais (2011)
>>> A Magia Divina das Velas : O Livro das Sete Chamas Sagradas de Rubens Saraceni pela Madras (2018)
ENSAIOS

Segunda-feira, 27/1/2003
O homem que comia demais
Sérgio Augusto
+ de 5300 Acessos

"O homem não necessita apenas de um assassinato. Ele também necessita de uma sólida refeição."

Esta frase é de Alfred Hitchcock. Que também disse esta: "Certos filmes são pedaços de vida. Os meus são pedaços de bolo."

Sempre que a ocasião permitia, ele arrumava um jeito de enfiar metáforas culinárias em suas conversas e entrevistas. Glutão e gourmet, para Hitchcock, comer era tão prazeroso quanto matar alguém diante das câmeras e oferecer à platéia os mais deliciosos bolos deste mundo, envenenados de charme, malícia e perversidade. Prazeroso e calmante. Quando seus pais o deixavam sozinho em casa, o pequeno Alfred aplacava o medo do escuro e eventuais fantasmas atacando a geladeira e devorando fatias de carne assada. "Só aquilo me acalmava", revelou no prefácio de uma coletânea de contos de terror de Edgar Allan Poe. Bulimia e frisson não freqüentam o mesmo capítulo apenas nos compêndios de psicanálise. Na vida e na obra de Hitchcock também sempre andaram juntos.

Os maiores fãs de Hitchcock, François Truffaut e Claude Chabrol, admiravam tanto essa faceta do cineasta que tentaram imitá-lo. Truffaut submeteu-se a uma superalimentação, para ver se engordava. Chabrol preferiu transformar-se em gourmet e, a exemplo do mestre, encher seus filmes de cenas de refeições e referências a acepipes.

O epicurista número um da tela era de tal modo ligado em comidas e bebidas que, segundo as más línguas, não conseguia filmar direito quando submetido a uma dieta. Mas nem em seus filmes ruins deixou de encaixar pelo menos uma tomada com alguma conotação culinária. Em Cortina rasgada, por exemplo, que ele deve ter rodado sob a mais rigorosa dieta, o bandidaço encarnado por Wolfgang Kieling era agredido, numa única cena, com um caldeirão de sopa e uma faca de cozinha, recebendo o seu golpe de misericórdia no forno de um fogão a gás.

Hitchcock adorava um velho desenho de Sennep em que aparecia sentado a uma mesa, preparando-se para cortar uma bobina de filme como se fosse uma pizza, tendo ao lado alguém que lhe serve um prato de salada onde as verduras são fitas de celulóide. "É o mais fiel retrato que fizeram de mim", ironizava. Foi por isso que resolvi prestar minha homenagem ao mestre lembrando exclusivamente de suas cenas com garfo e faca, drinques e restaurantes, piqueniques (havia dois em Rebeca e Ladrão de casaca) e alimentos em geral. Para não falar em referências indiretas, como a fábrica de chocolate onde os espiões de O agente secreto se escondiam.

Um de seus primeiros filmes, rodado em 1928, intitulava-se Champagne, bebida que, 18 anos depois, teria fundamental importância na estruturação dramática de Interlúdio (Notorious). Havia também nele um restaurante, como, aliás, em duas outras preciosidades de sua fase inglesa, Rich and Stranger e Waltzes from Vienna. Perdi a conta de quantos restaurantes Hitchcock usou em seus filmes. Os bandidos de O homem que sabia demais aproximavam-se de James Stewart e Doris Day num restaurante de Marrakesh. Era no Oak Room no Hotel Plaza, em Nova York, que Cary Grant caía nas malhas de James Mason em Intriga internacional. O epicentro do clímax de Os pássaros era a lanchonete de Bodega Bay. Em Topázio, algo de muito importante acontecia no restaurante Chez Pierre, em Paris, onde, aliás, o cineasta tinha mesa reservada para o ano inteiro.

Por também ser louco por trens, Hitchcock volta e meia arrastava seus personagens até o vagão-restaurante. À mesa de um deles, esboçavam-se as tramas de Pacto sinistro e Intriga internacional. Um jantar ao redor de um cadáver oculto - assim poderíamos resumir o plot de Festim diabólico. Várias cenas de Sombra de uma dúvida articulam-se em torno de refeições domésticas, durante as quais fica claro que o apetite de tio Charles (Joseph Cotten) sempre se aguça à simples menção dos assassinatos por ele cometidos na Costa Leste. O alívio cômico de Frenesi são as cenas em que Vivien Merchant prepara e serve exóticos pratos franceses ao seu enojado marido. Por falar em Frenesi, seu serial killer é um verdureiro - como o disfarçado detetive de O marido era o culpado (Sabotage) -, que além do mais esconde o cadáver de Anna Massey dentro de um saco de batatas.

E ainda nem tocamos nos copos de leite de Suspeita e Quando fala o coração. Nem no café com arsênico de Interlúdio. Nem no hadoque de Os 39 degraus. Nem nas costeletas de carneiro (um pouco cozidas demais) que Robert Walker comia em Pacto sinistro, bem antes de estrangular Laura Elliot num parque de diversões, enquanto ela saboreava um sorvete com a voluptuosidade de uma Messalina. Nem na ratatouille que Oscar Homolka devorava quando Sylvia Sidney o esfaqueou mortalmente em O marido era o culpado. Nem no garfo que precipita a cura de Gregory Peck em Quando fala o coração. Nem nas facas de Chantagem e confissão (Blackmail), O homem que sabia demais, Intriga internacional, O homem errado e Psicose. Nem nos ovos de Ladrão de casaca.

E que ovos! Um deles lambuzava uma vidraça, atrás da qual Cary Grant se protegia. O outro, bem, o outro estava bonitinho, fritinho, com a gema no ponto (sunny side up, como dizem os americanos), quando Jessie Royce Landis, a mãe de Grace Kelly no filme, apagava nele um cigarro. Foi um dos mais belos e surpreendentes planos que Hitchcock nos legou. E um dos mais sugestivos do ponto de vista simbólico. O homem que comia demais também sugeria demais. Os lacanianos que o digam.

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado na revista Bundas, em sua edição de 24 de agosto de 1999, por ocasião do centenário de Alfred Hitchcock.

Para ir além






Sérgio Augusto
Rio de Janeiro, 27/1/2003
Mais Sérgio Augusto
Mais Acessados de Sérgio Augusto
01. Para tudo existe uma palavra - 23/2/2004
02. O melhor presente que a Áustria nos deu - 23/9/2002
03. O frenesi do furo - 22/4/2002
04. Achtung! A luta continua - 15/12/2003
05. Filmes de saiote - 28/6/2004


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Lula um Operário na Presidência
Frei Betto
Casa Amarela
(2002)



Dona Leopoldina: Uma Habsburg No Trono Brasileiro
Gloria Kaiser
Editora Nova Fronteira
(1997)



Loney
Andrew Michael Hurley
Intrínseca
(2016)



Como Se Tornar um Profissional Em Gerenciamento de Projetos
Adriane Cavalieri
Qualitymark
(2003)



Coleção Revista Zupi 20 Unidades Revista de Design Abasteça com Ideias
Bobby Chiu; G. Hull; Pascal Blanché
Zupi
(2010)



Katucha
Talita Aparecida de Abreu
Horizonte
(1983)



RORSCHACH
Não Informado
Vetor



Platón - Los Seis Grandes Temas de Su Filosofía
Antonio Gómez Robledo
Fondo de Cultura Económica
(1986)



Direito de Autor na Obra Feita Sob Encomenda
Carlos Alberto Bittar
Revista dos Tribunais
(1977)



Livro A República Dos Sonhos
Nelida Pinon
Editora Record
(2004)





busca | avançada
111 mil/dia
2,5 milhões/mês