Fragmentos de um Paulo Francis amoroso | Daniel Piza

busca | avançada
54083 visitas/dia
1,7 milhão/mês
Mais Recentes
>>> 'ENTRE NÓS' – 200 obras premiadas pelo IMS em Exposição no Paço Imperial, RJ
>>> 'Meus olhos', de João Cícero, estreia no Espaço Abu
>>> Aulas de skate é atração do Shopping Vila Olímpia para todas as idades
>>> Teatro Portátil fecha o ano de 2024 em Porto Ferreira
>>> Amor Punk de Onurb
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Left Lovers, de Pedro Castilho: poesia-melancolia
>>> Por que não perguntei antes ao CatPt?
>>> Marcelo Mirisola e o açougue virtual do Tinder
>>> A pulsão Oblómov
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
>>> Soco no saco
>>> Xingando semáforos inocentes
Colunistas
Últimos Posts
>>> Jordi Savall e a Sétima de Beethoven
>>> Alfredo Soares, do G4
>>> Horowitz na Casa Branca (1978)
>>> O jovem Tallis Gomes (2014)
>>> A história do G4 Educação
>>> Mesa do Meio sobre o Primeiro Turno de 2024
>>> MBL sobre Pablo Marçal
>>> Stuhlberger no NomadCast
>>> Marcos Lisboa no Market Makers (2024)
>>> Sergey Brin, do Google, sobre A.I.
Últimos Posts
>>> E-book: Estágios da Solidão: Um Guia Prático
>>> O jardim da maldade
>>> Cortando despesas
>>> O mais longo dos dias, 80 anos do Dia D
>>> Paes Loureiro, poesia é quando a linguagem sonha
>>> O Cachorro e a maleta
>>> A ESTAGIÁRIA
>>> A insanidade tem regras
>>> Uma coisa não é a outra
>>> AUSÊNCIA
Blogueiros
Mais Recentes
>>> A Flip como Ela é... I
>>> Brincando de aventura
>>> Arquitetura carioca: um patrimônio menosprezado
>>> O novo GPT-4o
>>> Chega de Escola
>>> Silêncio e grito
>>> Uma Receita de Bolo de Mel
>>> Sou diabético
>>> A balela do Nacionalismo musical
>>> Copacabana e a cultura urbana carioca
Mais Recentes
>>> O Que Vemos, o que Nos Olha de Georges Didi Huberman pela 34 (1998)
>>> Mentes Perigosas - o psicopata mora ao lado de Ana Beatriz Barbosa Silva pela Fontanar (2008)
>>> Adoção (Autografado) de Marisa de Almeida Martins pela Ágora da Ilha (2001)
>>> Corações Curados 5ª edição. de Padre Léo SCJ pela Loyola (2004)
>>> Olha a Onda! de Kwame Alexander pela Brinque Book (2017)
>>> Mar sem fim de Amyr Klink pela Companhia das Letras
>>> Biomilda - Diário de Viagem de Elisabete da Cruz - Yasmin Mundaca pela Suinara (2019)
>>> Cem Dias Entre Ceu E Mar de Amyr Klink pela Companhia Das Letras (2021)
>>> Tem um Dinossauro na Minha Mochila de Quentin Gréban pela Berlendis e Vertecchia (2015)
>>> Por Um Fio de Drauzio Varella pela Companhia das Letras (2004)
>>> Tekoa - Conhecendo uma Aldeia Indígena de Olívio Jekupé pela Global (2017)
>>> O Poder da Kabbalah de Yehuda Berg pela Kabbalah Publishing (2011)
>>> Infancia - Relatos, Poemas, Testimonio de Varios pela Planeta (2002)
>>> Mapa Dos Dias - Livro Iv Da Série O Lar Da Srta.peregrine de Ransom Riggs pela Intrinseca (2018)
>>> Biblioteca De Almas - Livro III. Série O Lar Da Srta. Peregrine Para Crianças Peculiares de Ransom Riggs pela Intrínseca (2016)
>>> Histórias Do Povo De Umbanda de Edson Gomes pela New Transcendentalis (1996)
>>> Cidade Dos Etéreos - Livro II. Série O Orfanato Da Srta. Peregrine Para Crianças Peculiares de Ransom Riggs pela Intrínseca (2016)
>>> Livre-arb¿trio, O de Tomás de Aquino pela Edipro (2015)
>>> Do Mito Ao Romance de Georges Dumézil pela Martins Fontes (1992)
>>> Twilight (twilight Saga) (the Twilight Saga, Book 1) de Stepheniem Meyer pela Atom (2005)
>>> Vontade De Deus, A de Tomás De Aquino pela Edipro (2015)
>>> O Lar Da Srta. Peregrine Para Crianças Peculiares (capa dura) de Ransom Riggs pela Intrinseca (2016)
>>> Italiano Prático Metodo de Conversação de Pietro Giogetti; Jill Norman pela Presença (1994)
>>> Orientação infantil de Isabel Adrados pela Vozes (1983)
>>> Série A Desconstrucao De Mara Dyer - 3 Livros de Michelle Hodkin pela Galera Record (2013)
ENSAIOS

Segunda-feira, 19/5/2003
Fragmentos de um Paulo Francis amoroso
Daniel Piza
+ de 8200 Acessos
+ 2 Comentário(s)

Paulo Francis já me conhecia por escrito, cartas e textos que eu, ainda com 20 anos, enviara para ele, mas demorei quase um ano para conhecê-lo pessoalmente. Foi no lançamento, em 1991, de Cronistas do Estadão, uma coletânea que vai de Euclides da Cunha até ele, organizada pelo Moacir Amancio. Telefonei para o Moacir e perguntei se precisava de convite para ir até a Sala São Luiz porque o Francis viria ao lançamento. Moacir disse que era só aparecer, apareci, vi o homem que lia na Folha e em livros e assistia no Jornal da Globo havia tanto tempo, sem perder nada. Mais alto e elegante do que eu imaginava e, sobretudo, menos sério e mal-humorado.

“Ôôôô, rapaz! Tudo bem?”, festejou ele quando me apresentei. Alguns minutos depois, veio e me puxou pela mão para uma roda onde estavam Luis Fernando Verissimo, Lygia Fagundes Telles e outros, me apresentando com elogios hiperbólicos enquanto eu buscava a desenvoltura perdida lá na avenida JK. Dali em diante, por seis anos, seria sempre assim: Francis emitia ondas de ternura e informação, pessoalmente (quando vinha ao Brasil, umas quatro vezes por ano, ou quando eu ia para lá, pelo menos uma) ou por telefone (se o telefone me acordava à 1h da madrugada, tinha certeza de que era ele), e nunca tivemos nenhum desentendimento sequer. A seguir, algumas cenas do meu baú mental, sem ordem mas com progresso.

O Estadão certa vez pôs Francis num hotel no Largo do Arouche – portanto, decadente. Bati na porta do quarto, ele a abriu e mal me cumprimentou, já foi virando as costas. Estranhei aquele comportamento. Francis começou a reclamar com alguém e vi que era com um encanador negro e forte que tentava estancar o gotejar do chuveiro. “Ainda bem que você chegou”, disse Francis, “senão eu ia acabar levando uma surra.”

Em outra ocasião ficou muito mais bem instalado. Francis gostou muito do L’Hotel, na avenida Campinas, e do seu restaurante, Trebbiano, então no apogeu (que seria breve). Ao final do jantar, fez questão de pagar, como sempre, e deixou uma nota de 50 reais como gorjeta. Falei: “Como assim, Francis!? Isso é muito dinheiro.” “Ah, é?”, ele se espantou. “Então veja aí pra mim.” Peguei 5 reais e adicionei aos 10%. A vista não era um dos seus fortes. Quase despencou da escada quando saímos, mas foi salvo pelo manobrista.

Dois famosos jornalistas de São Paulo bateram boca, feio, na casa de um editor igualmente famoso, durante jantar oferecido a Francis. O assunto era uma viagem a convite aceita por um deles. Francis só dizia algo como “Calma, meninos”. Pensei que nunca o veria na turma do deixa-disso.

Fui apanhá-lo em algum hotel cujo nome não recordo. Francis entrou no carro com um sorriso quase infantil. “Que foi, Francis?” Ele respondeu que tinha estado em três restaurantes cinco-estrelas desde a noite anterior, quando chegara ao Brasil, e não o tinham deixado pagar a conta em nenhum deles.

Fomos caminhar pela Bienal do Livro, acho que em 1996. Contei uma piada maliciosa que nem sei mais qual era. Francis: “A coisa mais engraçada que escutei estes dias veio do Millôr: você já reparou como todos os velhos ficam com uma cara de pinto?”, disse, gesticulando com as mãos para mostrar que a cabeça fica careca e alongada. “Eu não quero ficar com cara de pinto.”

Um pouco incômoda era a quantidade de pessoas que o ficavam olhando em lugares públicos. Incômoda para mim. Ele gostava. Uma vez num restaurante japonês em Nova York uma jovem de olhos puxados, na mesa ao lado, não parava de olhar para a nossa mesa. Francis começou a encarar de volta, provavelmente intrigado com o motivo por que ela o olhava tanto. Até que ela disse, em português brasileiro sem sotaque: “Você é o Paulo Francis.” Ele fez que sim com a cabeça. Ela soltou aquela risadinha envergonhada característica dos descendentes de orientais. Era mais uma brasileira em Noviorque, telespectadora da Rede Globo.

Francis telefonou para mim na redação da Folha. Eu devia estar no café e quem atendeu foi uma redatora iniciante. Quando voltei, ela me disse: “Daniel, ligou um cara dizendo que era o Paulo Francis e queria falar com você. Eu falei pra ele dar trote em outro lugar.” Depois de gargalhar, contei a verdade a ela. Ela: “Bem que eu vi que a imitação era muito boa.”

Francis só tinha consciência parcial do que era sua voz e sua figura na TV. Uma vez o vi gravar o comentário para o Jornal da Globo. Enquanto revia o teipe, de repente ele me perguntou: “Você acha que pareço cabotino? Me dizem que pareço cabotino na TV.”

Chego tarde da noite e há uma mensagem na secretária eletrônica. É do Francis, falando com um vozeirão: “Daniel, aqui é o Paulo Francis imitando a voz do Nelson Rodrigues. Por favor me ligue” etc. Jamais ri tanto. Sei imitar bem o Francis falando como falava na TV (no cotidiano tirava a batata quente da boca). Mas aquilo ali era inimitável, além de inesquecível.

Falávamos de mulheres numa esquina em Nova York e Francis me parou (ele volta e meia parava o outro enquanto falava caminhando). Queria entender como eu tinha me casado com uma mulher não jornalista (minha primeira mulher se formou em publicidade). “O ambiente de redação no meu tempo era quase incestuoso.”

Francis via prostitutas em tudo que era lugar, especialmente em restaurantes de luxo. Dava certeza a quem estivesse com ele que aquela moça ali era garota de programa, apontando para uma jovem beldade ao lado de um velho rico. Às vezes eu sentia certeza também. Numa delas, no Bravo Gianni, o rico era realmente velho e se levantou para ir ao banheiro. Cinco minutos, não voltou. Dez minutos, não voltou. A moçoila, muito vistosa e alta, não sabia mais para onde olhar, o que fazer, qual expressão manter na cara. O velho reapareceu quinze minutos depois, com aspecto de quem estava passando mal ou tinha bebido muito. Foram embora, sem ele ter mexido no prato. Francis, com sorriso sacana: “Hoje ela vai ganhar sem trabalhar.”

Francis se sentou no sofá de casa e pediu o controle remoto da TV. Queria dar uma geral na TV brasileira. Nada. Tentou ver basquete num canal do cabo. Nada. “Sabe quem eu queria ver?” Não. “O Tiririca.”

O maior prazer era caminhar com Francis por Nova York, comprando livros e discos e depois indo jantar em ótimos lugares. Quando descobriu o VL, naqueles tempos em que o DVD era apenas uma promessa, parecia criança com brinquedo novo. Entrava na HMV e só saía depois de juntar mais VLs do que podia carregar. Comentário à saída: “Putz, a Sonia (Nolasco, sua mulher) não pode me ver entrar em casa com isso aqui.”

As sessões de ópera e cinema em seu escritório, no duplex onde morava, também eram imperdíveis. George Solti num ensaio regendo Birgit Nilsson nos “Nibelungos”, com suor pingando pelo nariz adunco. Renata Tebaldi e Fischer-Dieskau no dueto de “Fígaro”. O clássico secreto “Zulu”, com Michael Caine. A cena de Gielgud com Brando em “Júlio César”. Etc. etc. Francis revia tudo como se um adolescente vendo pela primeira vez.

Francis enchia a minha vida. Na noite anterior à sua morte, nos falamos por telefone. Minha mulher estava grávida. Contei para ele, achando que ele fosse me repreender. Que nada. Ele ficou esfuziante. Brinquei: “Agora você vai ser avô.” Mais tarde, soube, comentou a notícia com o Ivan Lessa. Morreu na manhã seguinte, sem conhecer a Letícia. Está perdoado.

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado no site PauloFrancis.com, de Marcelo Vita.


Daniel Piza
São Paulo, 19/5/2003
Mais Daniel Piza
Mais Acessados de Daniel Piza
01. Arte moderna, 100 anos - 10/9/2007
02. Como Proust mudou minha vida - 15/1/2007
03. Saudades da pintura - 16/5/2005
04. A pequena arte do grande ensaio - 15/4/2002
05. André Mehmari, um perfil - 20/11/2006


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

ENVIAR POR E-MAIL
E-mail:
Observações:
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
20/5/2003
09h26min
Minha admiração pelo trabalho do Paulo Francis começou faz dez anos. Ela foi constrída pela coluna do jornal, pelos livros e aparições no Jornal da Globo. Uma entrevista dele no Roda-viva, em 96 ou 97, foi o máximo, era o lançamento do livro Dicionário da Corte. Quem via Paulo Francis na tv poderia achá-lo mal-educado e pretensioso, arrogante. Porém, uma leitura mais cuidadosa revelaria, como este texto de Daniel Piza, um homem gentil, bem-humorado e extremamente inteligente. O Paulo Francis faz uma falta neste mundo tão chato, tão politicamente correto, tão politicamente insosso. Não o conheci pessoalmente, pena, realmente uma pena.
[Leia outros Comentários de emerson wsolek]
30/8/2003
16h48min
Sem dúvida, certas experiências são inesquecíveis, assim como certas pessoas que contribuem para melhorar a cultura do nosso 'mundo cão', no qual tudo é tão difícil, tão efêmero, tão volátil e tão virtual. De fato, experimentar o contato com um Paulo Francis, até para desmistificar sua 'face' arrogante, no dizer de Ervin Goffman, foi um grande privilégio para Daniel Piza.
[Leia outros Comentários de Lúcia do Vale]
COMENTE ESTE TEXTO
Nome:
E-mail:
Blog/Twitter:
* o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar Comentários que se utilizem de linguagem chula, difamatória ou ilegal;

** mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas por e-mails inválidos serão igualmente descartadas;

*** tampouco serão admitidos os 10 tipos de Comentador de Forum.

Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Submarinos Alemães - a Arma Oculta
David Mason
Renes
(1975)



Thais
Anatole France
Garnier
(1911)



Sinha Moreira
Lilian Fontes
Gryphus
(2007)



Mercado De Capitais
Juliano Pinheiro
Atlas
(2019)



Livro Literatura Estrangeira O Fenômeno Ufo
Johannes Von Buttlar
Circulo do Livro
(1978)



Harmonia da Concepção Básica a Expressão Contemporânea
Maria Luisa de Mattos Priolli
Casa Oliveira de Músicas
(1983)



Controladoria Estratégica e Operacional Plt
Clóvis Luís Padoveze
Cengage Learning
(2013)



Há Espaço para a Fé no Mundo Atual?
Urbano Zilles
Est
(2017)



Maman a tort - Roman
Michel Bussi
Pocket
(2015)



A Batalha Das Rainhas
Jean Plaidy
Record
(2024)





busca | avançada
54083 visitas/dia
1,7 milhão/mês