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Segunda-feira, 29/11/2004
Uma revista de cultura no Brasil
Ana Maria Bahiana

Volta e meia o assunto volta, mistura de sonho impossível, utopia, santo graal: o projeto de uma revista de cultura no Brasil. Como sou reincidente no crime, o tema acaba borboleteando ao meu redor: eu acho possível? Exeqüível? Desejável?

Admito que a idéia é tentadora. E que a resposta a todas essas perguntas é um sincero “não sei”. Talvez este aqui seja mais um fórum para ventilar o tema – quem sabe não surgirão respostas mais claras que as minhas?

A revista de cultura – ou, como às vezes ela é especifica, cultura alternativa – está viva e bem no mundo todo, e não apenas na Internet.

Todo mundo sabe que sou fã da Vanity Fair, que, para o meu gosto, é a melhor revista de papel em circulação no momento. Em que pese – ou exatamente porque pese – o mix de política e reportagem investigativa do título (e quem quiser saber toda a sórdida verdade sobre as “eleições” na Flórida deve ler a última edição de setembro), a VF é exatamente uma revista de cultura, e alternativa. Porque coloca todas essas questões sob o prisma cultural, no sentido mais amplo e abrangente da palavra. E porque oferece uma visão paralela, mais profunda e freqüentemente divergente do que é apresentado na mídia em geral.

Sim, eu sei que ela é publicada pela Condé Nast, que está recheada de anúncios de produtos de luxo e que todo ano elege o “novo establishment”. Mas estas são as contradições de se viver num século novo. A questão é – uma revista assim é possível, exequível, desejável no Brasil hoje? Uma revista de papel, de banca?
Existem os dois lados da equação (e eu nem vou falar de dinheiro...).

O lado de dentro: não vejo mais, em abundância, o tipo de profissional de fôlego, de formação eclética e experiência sólida, que é necessário para comandar uma empreitada dessas. O tipo de profissional que, é claro, ainda existe, mas que, com raríssimas exceções, não está mais no mercado, empurrado que foi para fora dele por sucessivos achatamentos salariais, ridículas condições de trabalho, uma estranha obsessão por “juventude” e, é claro, projetos bem mais atraentes em outros setores.

Do lado de fora eu preciso entender quem seria o público leitor de uma publicação assim. O mesmo processo que baniu das redações o profissional que, pelo mundo afora, cria e opera títulos deste tipo reduziu o periódico brasileiro ou a um guia de serviços ou a uma galeria de celebridades, formando um leitor que espera apenas isso do investimento que faz na banca ou na assinatura.

Sim, existe a Bravo!, com a qual colaboro esporadicamente. Mas não creio que estejamos falando do mesmo projeto de revista, aqui: a Bravo! é pautada por uma agenda, e se limita, por definição, a um conceito restrito, elevado e fino de “cultura”.

Numa resposta que é quase piloto automático, as pessoas em geral me respondem que o leitor de um projeto desses seria “o jovem”. Eu discordo. “O jovem” não me parece ligado, de forma alguma, numa cultura da leitura em papel, do suporte tridimensional de informação. Sua expressão cultural é efêmera, etérea, digital, transitória por definição – o oposto de uma proposta dessas. A geração que aprecia este tipo de título é “o jovem” dos anos 80 para trás – uma fatia de população numerosa, e de grande poder aquisitivo, aliás.

Mas aparentemente ninguem está pensando neste leitor. O que talvez explique porque, pelo menos por aqui, um projeto desses ainda é como uma rara e bela orquídea na cada vez mais minguada galáxia de Gutemberg...

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pela autora. Originalmente publicado no portal Comunique-se, o qual autorizou a repodução no Digestivo Cultural.

Ana Maria Bahiana
Los Angeles, 29/11/2004

 

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