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Segunda-feira, 10/1/2005 Ainda bem que existe a França Mário Bortolotto E o loser foi pra França. Como é que eu fui parar na França? Muita gente me pergunta isso. E eu sei que nessa questão além das tradicionais e pé no saco "Que chique, hein, Marião?", estão embutidas outras questões que não querem vir a tona naturalmente ou seja, impertinências saco cerebrais do tipo: "Como é que esse merda foi parar em Paris?" ou "Como é que esse sujeito que mal fala um inglês tarzônico foi lá pra França e eu aqui, poliglota notório, não tenho uma oportunidade dessas pra debulhar o meu francês de Sorbone?". Devo dizer. Não é nada demais. O que aconteceu foi o seguinte: Lá em Pount-à-Mousson há um tradicional festival de leituras de textos de autores contemporâneos do mundo inteiro. O organizador do Festival, o diretor Michel Didym costuma andar pelo mundo atrás de autores que ele convida para esse festival. E nesse ano ele veio ao Brasil. E aí ele convidou três autores brasileiros: o Bosco Brasil e o Roberto Alvim do Rio; e o bebum aqui de São Paulo. Achei maneiro. Afinal era tudo pago. Passagem, rango e estadia. E eu que, fora do Brasil, até então só tinha conseguido chegar até Porto Stroesner (nem sei se é assim que se escreve) e ficar tomando cerveja em embalagens de plástico, de repente me vi sobrevoando o Atlântico. Os caras traduziram o meu texto Nossa vida não vale um Chevrolet que traduzido virou Notre vie me vaut pas une Chevrolet. São dez horas de vôo até París com todas as perturbações de fuso-horários, mas eu tava tão baleado que dormi pesadamente na maior parte do tempo. Quando cheguei em Paris, o de sempre. A polícia, lá como aqui, parece não ir muito com a minha fachada. Todo mundo tava passando na boa. Foi só o cara olhar pra mim e não deu outra. Já me fez aquele sinal característico do tipo: "Você aí, sujeito suspeito, me acompanhe. Você e os oito bolivianos". Aí rola aquele inquérito chato e a revista usual. Mas ele não me pareceu satisfeito com o fato de não encontrar nada que me comprometesse criminalmente além de um livro de John Dunning. Procurei explicar que eu era um convidado de um festival de leituras de texto na França. Mostrei o e-mail que eu tinha impresso da Organização do Festival. O cara parecia não acreditar que o sujeito que ele tinha na frente com aquela cara de clochard tupiniquim era um escritor convidado para um festival. Mas depois de um tempo, relutantemente, ele me desejou "boa estadia" e me liberou. Era a vez dos bolivianos. Eles iam ter muito o que explicar. Desejei boa sorte pra eles e segui em frente. Pensei: "Ok, agora acabou essa merda". Porra nenhuma. Vinte passos depois e fui parado para nova revista e interrogatório. Tentei explicar que já havia passado por aquilo. Não adiantou porra nenhuma. Eles revistaram novamente a minha mochila. Achei que aquilo não ia acabar nunca. Mais dez passos depois e outro policial resolveu me inquirir e revistar minha mochila. Já conformado passei a mochila pra ele e rosnei um "All right, man. Do it". Eles odeiam que falem em inglês com eles. Só em último caso. Mas como eu falo inglês mal pra caralho, eles devem ter ficado com dó. Na quarta mesa, no que os caras olharam pra mim, nem pensei duas vezes. Já coloquei a mochila em cima da mesa, abri, e fui tirando tudo de dentro. O policial me olhou perplexo e não sabia direito como reagir diante de tanta prestatividade. O resultado foi que atrasei pra caralho minha saída do aeroporto e em conseqüência disso perdemos o trem que nos levaria até Pount-à-Mousson. Quando digo "perdemos" me refiro aos dramaturgos cariocas Bosco Brasil e Roberto Alvim que tinham vindo do Rio e estavam me esperando na plataforma de desembarque do De Gaulle. Mas, enfim, depois de muita zica e euros desperdiçados com táxis e outras despesas semi-luxuosas com as quais eu não estava preparado, conseguimos chegar no festival. A cidade de Mousson lembra uma Blumenau mirim. Tem uma praça no centro da cidade onde a rapaziada se encontra e não tem muito mais que isso. Mas tem a Abadia onde é realizado o Festival e que é bonita pra caralho. Uma Abadia da Idade Média com toda aquela decoração invocada que a gente vê nos filmes da época. A cidade de Mousson, na verdade, não oferece muito à um turista paupérrimo como eu. Aliás, toda a França com sua moeda batendo nos R$ 3,60 não parece muito entusiasmada em receber viajantes de Terceiro Mundo com alguns míseros euros no bolso da jaqueta militar. Vocês imaginem só o que é ficar 6 dias em uma cidade onde um chope dos mais vagabundos (algo como um Nova Schin francês) custa 1 euro e 90 (em reais seria tipo R$ 7,50). E você tem que pensar que não está no Bourbon ou no Blue Night ouvindo o Buddy Guy. Mas o festival era bem legal e os franceses são mais simpáticos do que a gente imagina e particularmente muito interessados no que estamos produzindo. Aí já vale o sacrifício de ficar uma semana sem tomar cerveja. E pra compensar, tinha queijo e vinho à vontade, no almoço e na janta. Mandei ver numas de compensar a abstinência forçada de cerveja. Os franceses parecem ter gostado muito de nossos textos. Tanto o Roberto quanto o Bosco foram intensamente aplaudidos. Gostei muito da interpretação dos atores na leitura do meu texto que foi dirigida pelo Diretor português Diogo Doria. Eles também parecem ter gostado bastante. Só reclamaram que o texto era muito curto e eles queriam mais. Mas é que a rapaziada lá tem mania de texto longo. Vi um espetáculo que durou mais de duas horas e como não entendo porra nenhuma de francês, não foi nada fácil. Mas foi maneiro ver os meus personagens falando em francês. Não entendo muita coisa, mas tava lá a Angela que é a tradutora oficial de Nelson Rodrigues pro Francês e ela me garantiu que a tradução tava muito legal. Mérito pra Luciana Botelho que foi quem traduziu. A Luciana é de Jacarézinho no Paraná e tá morando na França há um porrilhão de anos. E essa foi a primeira tradução dela. Com a boa receptividade dos franceses fiquei pensando no que diz o Woody Allen no final de Dirigindo no escuro: "Ainda bem que existem os franceses". Algumas coisinhas que saquei sobre os franceses Na França as portas costumam ser muito pesadas, o que deve dificultar o trabalho de larápios franceses não muito avantajados fisicamente. Mas também deve dificultar para o próprio dono da casa que se chegar em casa muito baleado vai ter problemas em empurrar aquela porta de ponte levadiça. Em Pont-à-Mousson e no interior da França, pelo que pude notar com minha "incrível" perspicácia, as pessoas não costumam sair muito à rua. São pequenas cidades fantasmas com seus habitantes refugiados em seus carros. Acho que não há ninguém que não tenha carro na França. E não há congestionamento. E parece que ninguém é chegado num fitness. Mas irônicamente, há poucos obesos. Não me lembro de ter visto nenhum que realmente merecesse a simpática alcunha de rolha de poço. Mas isso é facilmente explicável. Na França não tem feijoada. Quer dizer, deve ter em algum restaurante brasileiro, e deve custar uma fortuna. E não tem estufas com salgados. Não sei como os franceses conseguem viver. O Churrasco Grego da França custa 4 euros e vem com batatinha frita. Não poderia deixar de provar tal iguaria. Mas devo dizer que não chega aos pés do Churrasco Grego do Centro da Cidade de São Paulo com aquele seu tempero inconfundível. Os franceses não costumam aplaudir espetáculos de pé. Aplaudem demorada e exaustivamente, mas sentados. Ou pelo menos, nenhuma das leituras apresentadas mereceu tal ovação. Só vi a rapaziada aplaudindo de pé o show de Jacques Higelin que fechou o festival. O que não é nenhuma surpresa, já que o cara é uma espécie de Raul Seixas francês. É o pai de Arthur H. (o Tom Waits de lá) e tem um visual meio Serguei. Deve estar com mais de 60. Aliás eu acho que todo rockeiro que consegue chegar à idade vetusta fica parecido com o Serguei. Deve ser uma espécie de maldição. É só pensar em Iggy Pop ou em Mick Jagger. Acho até que foi por isso que o Jim Morrison resolveu morrer com 27. Ele ficou imaginando que, se ficasse velho, ia ficar parecido com o Serguei e mandou ver logo uma overdose. Mas o Jacques que não morreu em tenra idade e por isso ficou parecido com o Serguei, canta pra caralho. Na segunda música mandou um boogie woogie genial, embora fale mais do que cante. É uma espécie de Angela Ro Ro de calças e nos bons tempos de "Meu mal é a birita". Teve também uns ataques de prima-dona dignos de um pop star e fez um show emocionante onde todo mundo cantava junto e ovacionava o cara que na hora do bis deixou a rapaziada esperando por bons 10 minutos. Mas foi um showzaço. Outra coisa que eu percebi foi que os franceses fumam pra caralho. O tempo todo. Se você imaginar que um maço de Gitanes custa 5 euros (18 reais), eu começo a suspeitar que trata-se de uma campanha do Governo Francês para fazer com que a rapaziada abandone definitivamente o vício. Não parece estar dando muito resultado. É claro que os franceses ganham bem. E ganham em euros. Mas, mesmo assim, é caro pra caralho. Ah, e o café é terrível. Paris: só um rolê Paris é uma cidade incontestavelmente bonita onde os cachorros andam de metrô e onde você pode topar com um clochard tocando sax dentro do mesmo metrô e ainda na saída bater de frente com uma banda de Swing Jazz tocando no meio da rua e vendendo o seu cedezinho independente, que aliás eu comprei e é bom pra caralho. Tem um cinema em cada esquina e teatros pra caralho. A rapaziada fica sentada na frente do Pompidour tomando vinho e cantando numa eterna Terça Blues se é que vocês me entendem. Tinha até um japonês francês tocando rock and roll americano. E a gente ainda viu umas garotas usando sandálias havaianas e tocando bossa nova à beira do Sena. Uma bela cidade. Mas eu não conhecia ninguém em Paris e lá eu tava por minha conta. O Roberto ficou na casa de uma amiga. O Bosco foi pra um hotel e eu me mandei pra um Albergue em Cartier Latin onde dividi o quarto de duas beliches com três moleques ingleses que tavam por lá fazendo turismo. Os moleques na mó fissura de conhecer Notre Dame, Torre Eiffel, Arco do Triunfo e etc. Quando me perguntaram se eu já tinha visto tudo isso, respondi blasé que não era exatamente o programa que tinha em mente. Preferia andar por Paris sem destino, simplesmente. Acho que posei de esnobe pra molecada, mas não foi essa a intenção. É que eu tô mesmo cagando pra esses programas de turistas. Nunca fui no Cristo Redentor no Rio de Janeiro. Porque iria na Torre Eiffel em Paris? Tava a fim mesmo era de curtir um jazz num daqueles pubzinhos sedutores que pipocam em ruas apertadas e cheias de charme da cidade luz, mas como minha grana não me permitia sequer ficar olhando os cartazes, me dei por satisfeito em entrar num barzinho de blues (?) e ficar ouvindo um Led Zeppelin no CD-player do boteco enquanto tomava uma Guiness. Juro pra vocês que tocou até “Stairway to heaven”. Não é fácil, não. Ser pobre em qualquer lugar do mundo é se sentir o velho cachorro na frente do açougue. Andei por umas comics maneiras. Comprei um copo de cerveja do Corto Maltese e consegui descolar um DVD do filme Lua Fria baseado em duas novelas de Old Bukowski. Uma delas é o clássico A sereia que copulava em Veneza, Califórnia onde dois caras transam com o cadáver de uma mulher. O filme é bonito pra caralho, todo em P&B. Não resisti e tirei uma foto em frente à Shakespeare Company onde a rapaziada da Geração Perdida batia ponto. Roberto e eu perdemos o último Metrô numa noite e a gente tava longe pra caralho dos lugares onde estávamos hospedados. Mó merda. A cidade luz não é tão iluminada sim, mas a rapaziada não parece muito interessada em te assaltar. Aliás, parece que ninguém tem muito medo dessa prática tão usual aqui em nosso bom pedaço de mundo. Ao primeiro "Do you speak english?", qualquer garota, mesmo estando sozinha, para na boa pra te dar informação, não demonstrando nenhuma apreensão por estar conversando à uma da madrugada com dois marmanjos razoavelmente mal encarados. Paris é uma bela cidade, mas tava com a mó saudade da minha mulher, filha, e da fogazza do Gianotti; e de São Paulo com sua poluição, feijoada, rodízios de pizza & churrasco e a certeza de que com alguma grana e meia dúzia de amigos é possível amanhecer o dia com a mesa forrada de cervejas. Não há nada que substitua tal prazer. Acho que vale a velha máxima: “Viajar é legal, mas voltar pra casa é muito melhor”. Nota do Editor Mário Bortolotto é dramaturgo. Estes textos, reproduzidos aqui com sua autorização, foram originalmente publicados no seu blog Atire no Dramaturgo durante o mês de setembro de 2004. Mário Bortolotto |
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