|
Segunda-feira, 2/5/2005 A balela do Nacionalismo musical Luís Antônio Giron Há milhões de projetos nacionalistas em curso, um para cada mente de doutor Mabuse de plantão. Em música, o nacionalismo só serviu para garantir os privilégios de um determinado grupo de compositores, maestros, instrumentistas etc. Em música erudita, o caráter postiço dos nacionalismos fica muito claro. No Brasil, o nacionalismo teve seu ápice no Estado Novo de Getúlio Vargas. Sua trilha sonora era Villa-Lobos. Na Rússia, Dmitri Shostakovitch, apesar de não o querer, não deixava de justificar a matança stalinista. Hitler foi um animador da típica música alemã – que, para ele, tinha só um nome: Richard Wagner. Nacionalismo é garantia de mercado. Em alguns lugares, não passa de outro nome para xenofobia. Mas música criativa não deve e não pode se basear em preconceitos regionalistas ou nativistas para se justificar como arte. Ela deve ser local, sim, porque locais são os homens, sua sensibilidade, sua visão de mundo. Mas precisa ser universal porque, dentro dessas sensações e sentimentos, há invariantes compartilhadas por toda a humanidade. O debate nacionalista não leva a lugar nenhum. Nacionalista é o cara que gosta de É o Tchan porque a música do grupo de pagode baiano é nacional. Nacionalismo é quem nivela por baixo e coloca no topo os sertanejos e a música de axé. O axé acaba de completar 20 anos e se institucionalizar. É o Tchan completou 10 anos de história. Os bumbuns de Scheylas e da antiga Carla Peres viraram também vultos da pátria. Preferência nacional em compasso de pagodão. O público brasileiro foi cultivado para ser patrioteiro e segura o mercado assim, sendo conduzido em seu gosto. A televisão cultivou o gosto do brasileiro para o carnaval baiano, pela lei da insistência, do bombardeamento dessa música de inferior qualidade, assim como o pagode e o sertanejo. Essa tríplice aliança de Carnaval, Sertão e Litoral domina a música popular brasileira de forma avassaladora. Por causa dela, os roqueiros se submeteram ao vexame de "misturar" pop e ritmos folclóricos. E saiu uma bobajada, estilo mangue beat e quejandos. O rock brasileiro foi uma idéia nacionalista de Raul Seixas e vingou no final do século XX como única possibilidade de sucesso para quem praticava som mais pesado. Agora o nacionalismo rançoso adentrou a seara eletrônica. Estamos ouvindo sambinhas bossa-novisados com loopings, samples e grooves. Outro monte de besteiras. É Bebel Gilberto e companhia ilimitada. É Maria Rita clonando a mãe como uma assombração. O Brasil é alvo predileto dos intelectuais nacionalistas. Estes querem mostrar que Brasil mesmo é da "cintura para cima" (do Rio para o Norte). A linha de baixo não tem nada a ver com nação; é um amontoado disforme de populações surgidas da imigração. Será verdade? Ou não será, mais uma vez, a justificativa de um grupo para exercer hegemonia cultural sobre os outros? O que é Brasil? Samba, futebol e carnaval? Não é cateretê, rancheira e boi-de-mamão? Na música popular, o Brasil de cima domina o de baixo. O Nordeste é um deserto econômico, mas uma meca cultural. Dentro desse raciocínio, o Sul é a caatinga da cultura popular. Preconceitos nacionalistas. Era quase impossível um paulista se identificar culturalmente com o tambor-de-mina do Maranhão, embora faça parte da cultura musical da nação. De São Paulo para baixo, a gente vê que os discos de samba antigamente não vingavam. Era só ópera italiana. Agora tudo é axé, sertanejo e pagode. O músico brasileiro deixou de pensar, ou nunca pensou. Se fosse pelo nacionalismo, a França jamais teria Yves Montand, que era italiano, a Argentina nunca exaltaria Carlos Gardel (nascido em Marselha); nem Gershwin seria um símbolo americano, ele que era filho de imigrantes judeus vindos da Ucrânia. Não me venham com Carmen Miranda (cujos 50 anos se completam este ano com todo tipo de efemérides e livros de ocasião), porque ela era portuguesa, nascida e criada em família portuguesa. Pois esses estrangeiros criaram uma imagem nacional que não tem a ver com nacionalismo. Foi a sua criatividade, não suas raízes, que os tornou imortais. Abaixo a tríplice aliança! Luís Antônio Giron |
|
|