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Segunda-feira, 27/6/2005 A Rolling Stone brasileira Ana Maria Bahiana Ficava no segundo andar de um sobrado cor-de-rosa na esquina de Visconde de Caravelas com Conde de Irajá. Das janelas da redação, via-se o Corcovado e tudo parava no final da tarde para um sorvete e outras guloseimas menos legais. O chão era de tábuas corridas e rangia. O banheiro tinha um pequeno nicho a São Jorge, Iemanjá, Buda e Shiva. Num extremo do sobrado, ficava o santo dos santos: o escritório dos donos, um inglês e um americano muito festeiros. Só os chefes – Luís Carlos Maciel, editor, Lapi, diretor gráfico – tinham acesso a ele. Fui lá uma vez: assinaram minha carteira de trabalho estalando de nova, a primeira anotação da minha vida. No outro extremo, ficava a redação. A primeira sala era de Lapi. Parte do meu trabalho era manter Lapi feliz e sossegado, o que nem sempre era fácil considerando a noção vaga de "tempo", "prazo" e "pauta" que reinava na outra sala, um cômodo de janelas enormes, eternamente fechadas. Este era o império de Ezequiel Neves, que às vezes respondia por Zeca Jagger e era, na verdade, o coração, a força motriz e o verdadeiro Shiva dançante de todo o sobrado. Zeca tinha uma juba encaracolada, um perpétuo bronzeado e uma lampadinha no pescoço. Várias vezes ao dia eu era chamada aos berros de "garotiiiiiiiiinhaaaaaaaaaa" ou "Aniiiiiinhaaaaaaa". Em geral, o que me aguardava era uma aula prática de jornalismo rock. A crueldade que Zeca reservava aos grandes era comparável apenas à ternura que ele guardava para os pequenos. Nenhuma banda local era obscura demais, nenhum guitarrista principiante demais para merecer sua mais devotada atenção. Seus acólitos nesse oficio eram Okky de Souza, com cachinhos de querubim barroco; o repórter volante Drope, sempre com um relato detalhado dos últimos acontecimentos; e o eternamente on the road Joel Macedo. Se Zeca era a pilha, Maciel era o córtex cerebral do sobrado, pairando com uma calma zen sobre o festivo caos mal controlado que flutuava sobre as tábuas rangentes. Nenhuma crise – A polícia vai dar batida! A edição foi recolhida pela censura! Acabou o contrato com Jan Wenner! – era suficiente para abalar o Maciel. Fora isso, Maciel sorria, tentava discutir com Zeca (impossível) e me ensinava o que eu pedia para aprender. Minhas tarefas consistiam inicialmente em marcar as laudas de matéria para a gráfica, recolher o material de ilustração, manter Lapi feliz e responder às cartas dos leitores, o que era quase uma psicanálise. Como eu sabia muito bem, os leitores se julgavam donos da revista, sócios, conspiradores. E eram. Dois escreviam quase toda semana: uns tais Jamari França e José Emílio Rondeau. Eu reclamava com Maciel: esses caras estão monopolizando as cartas! Durou um ano, exatamente: o ano de 1972. O último disco que recebemos foi Acabou Chorare, dos Novos Baianos. Lembro dos janelões finalmente abertos, um poente lindo de começo de verão entrando por cima das copas das amendoeiras, o disco rodando na vitrola do Zeca. Todo mundo ouvindo os Novos Baianos dizerem que tudo ia ficar lindo, a gente sabendo que a revista estava condenada e Zeca dizendo: "Mas garotinhos, vai ser um verão demais!". Durou um ano exato. Foi mais que o primeiro ano do resto da minha vida. Foi o primeiro ano completamente feliz da minha vida. Nota do Editor Texto gentilmente cedido pela autora. Originalmente publicado na seção "Rio Fanzine" do jornal O Globo. Update Leia também "A primeira Rolling Stone". Ana Maria Bahiana |
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