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Segunda-feira, 17/10/2005
A estética de um romântico
Pedro Maciel

Quadros Parisienses, de Dolf Oehler (Companhia das Letras, 1997, 318 págs.), é uma investigação sobre a política embutida nos escritos de Charles Baudelaire (1821-1867) e artistas antiburgueses mais importantes do romantismo, como Heine, Daumier, Flaubert e Courbet. Oehler, filósofo e crítico, discípulo de Adorno, expõe as relações entre arte, literatura e burguesia no período de 1830 a 1837. Por meio de citações, o autor analisa e propõe uma nova leitura da chamada vanguarda artística e literária num contexto histórico que inclui a luta de classes na França entre a Revolução de Julho e a Comuna de Paris. Segundo Roberto Schwarz, na apresentação dos Quadros Parisienses, "o leitor verá que humor satânico, tédio, dandismo, flâneur e demais heroísmos da vida moderna trocam de feição e não ficam menos interessantes – muito pelo contrário – quando repostos em seu contexto de luta de classes."

Os românticos através do culto ao belo vão se afirmar contra a emergente burguesia. Sartre anotou em 1947 que "reconhece-se o burguês por negar a existência de classes sociais e especialmente da burguesia". O termo L'art pour l'art é a síntese antiburguesa dos românticos. A burguesia não acreditava que os apóstolos do Belo pudessem causar-lhes algum mal. Proibiram e censuraram apenas os representantes autênticos da estética antiburguesa. Baudelaire foi um dos mais perseguidos e não mais encontrou editor depois da falência do único que aceitou publicar As Flores do Mal. Em 1857, o editor e o autor se envolveram num processo judicial por ultraje à moralidade. O poeta foi ainda obrigado a retirar do volume seis poemas. A proibição só foi anulada em 1949.

Charles Baudelaire foi "um agente secreto – um agente da insatisfação de sua classe com sua própria dominação", escreveu o filósofo Walter Benjamin, que também reconhece a linguagem do poeta movida com uma certa "ira necessária para reduzir incessantemente a ruínas as construções harmoniosas do mundo... A marca do heroísmo de Baudelaire foi viver no coração da irrealidade, das aparências. Segue-se daí que o poeta, na verdade, não conheceu a nostalgia...". Baudelaire não é entendido por seus contemporâneos e os críticos burgueses criam o "mito Baudelaire" como um "dândi elitista". Escritores vanguardistas, como Bretch, Sartre ou Aragon também incorreram no mesmo erro.

Para Sartre, Baudelaire seria incapaz de enxergar a burguesia histórica porque teria optado pela arte absoluta, pelo o irreal e pela conscience de survol (consciência de sobrevôo). Sartre julga Baudelaire e Flaubert apenas como escritores apolíticos. Paul Valéry, um de seus sucessores, tem a mesma opinião de Sartre quando afirma que As Flores do Mal contém poemas históricos ou lendas, "nada que repouse sobre uma narração. Não se vêem tiradas filosóficas. A política não aparece...". A dedicatória Au Lecteur do livro As Flores do Mal é uma ironia às atrocidades de junho: " Se o estupro, o veneno, o punhal, o incêndio/ Não bordaram ainda com seus desenhos finos/ A tela banal de nossos míseros destinos/ É que nossa alma, ai, não é ousada o bastante." Não foi à toa que Baudelaire lutou ao lado dos insurretos em junho de 1848.

O poeta ironiza a burguesia que teria revogado, depois de junho, seu próprio decreto contra a pena de morte para os crimes políticos de 1848; "Ele sonha com cadafalsos enquanto fuma seu narguilé". A lírica moderna de Baudelaire é um retrato amargo da situação desolada do mundo e revela a face do ódio aristocrático aos reis e à burguesia. As relações capitalistas e burguesas que sempre exploraram sem piedade a inteligência e o trabalho fazem Baudelaire ansiar pela revolução e pelo triunfo das classes oprimidas.

O estilo de Baudelaire não produziu "doces", mas "remédios amargos e verdades cáusticas". No livro Assommons les pauvres!, há um trecho que é um bom exemplo de poesia social: "Ao entrar numa taberna, um mendigo me estendeu seu chapéu com um desses olhares inesquecíveis que derrubariam os tronos se o espírito fosse capaz de mover a matéria, e se o olho de um magnetizador fizesse amadurecer as uvas."

As Flores do Mal e O Spleen de Paris - Pequenos Poemas em Prosa (1869), reunião de textos publicados em periódicos de 1853 a 1865, de Baudelaire, são os arquétipos da sátira ao burguês, como as caricaturas de Daumier, que emprestava à vítima odiada os traços do rei burguês, sempre reconhecível pela cabeça em forma de pêra. A este tipo de arte e literatura, comentou Engels sobre Balzac, de que seria possível aprender muito mais sobre a história da França no período de 1815 a 1848 do que com todos os historiadores burgueses e pequeno-burgueses da época.

Discípulo de Poe deu origem à poesia de autores como Rimbaud

Baudelaire anota em seu projeto de prefácio de As Flores do Mal: "Poetas ilustres dividiram entre si, durante muito tempo, as províncias mais floridas do campo poético etc. Farei portanto algo diferente..." A poesia de Baudelaire deu origem a grandes poetas. Segundo Paul Valéry, Rimbaud e Verlaine continuaram Baudelaire na ordem do sentimento e da sensação, enquanto Mallarmé prolongou-o no campo da perfeição e da pureza poética.

Os preceitos de Edgar Allan Poe sobre poesia influenciaram profundamente as idéias e a arte de Baudelaire. As Flores do Mal e O Spleen de Paris resgatam dos poemas de Poe "o sentimento e a substância". Alguns poemas de Baudelaire contêm versos que são a transposição exata dos versos do poeta anglo-saxão. Os ensaios O Princípio Poético (The Poetic Principle), de Poe, foram traduzidos por Baudelaire e não só o conteúdo o influenciou, mas a forma, que ele considerava como se tivesse sido criada para ele.

A produção poética de Baudelaire foi forjada a partir das experiências vividas. O Spleen de Paris, poemas em prosa, revelam essas experiências e graças ao recurso da prosa poética, que a próxima geração (os simbolistas), redescobre o verso branco com o grande triunfo do movimento. Na dedicatória da coletânea ao redator-chefe do La Presse, Arsène Houssaye, ele revela os motivos dessa experiência: "Quem de nós não sonhou, em dias de ambição, com o milagre de uma prosa poética, musical, sem ritmo nem rima, suficientemente flexível e nervosa para saber adaptar-se aos movimentos líricos da alma, às ondulações do sonho, aos sobressaltos da consciência? Este ideal nasce, sobretudo, da fermentação das grandes cidades, do crescimento da malha e suas inúmeras relações entrelaçadas".

O clássico, diz Jorge Luis Borges, "não é um livro que possui necessariamente tais ou quais méritos; é um livro que as gerações dos homens, urgidos por razões diversas, lêem com prévio fervor e com uma misteriosa lealdade". O Spleen de Paris, de Baudelaire, é um desses livros que merecem ser relidos porque nos ensina algo que não sabíamos.

Para ir além





Pedro Maciel
Belo Horizonte, 17/10/2005

 

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