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Segunda-feira, 7/11/2005 Arte para quem? Paula Mastroberti Levei minha filha para ver a Bienal do Mercosul, aqui em Porto Alegre. Aproveitei a mostra do seu ponto de vista, olhando através dos seus olhos, incentivando-a em suas preferências espontâneas e sua interação com a multiplicidade de propostas apresentadas. Enquanto deitava este olho sobre ela, com o outro observava o público que passeava pelos prédios da mostra, um público de idades variadas, tão variadas quanto eram suas reações diante do que era mostrado e proposto. Tá na cara que há toda uma nova geração a fim de uma arte com a qual se identifique mesmo quando se sentem inseguros ao se deparar com ela. Tá na cara que algumas atitudes irônicas observadas neles é resultado da pouca familiaridade com a linguagem (como se estivessem num país estrangeiro, de idioma desconhecido). Se os deixássemos em paz, se não ficássemos espetando com comentários do tipo: isso é arte, viu, gente, olha o respeito!. Eles relaxariam e, espontaneamente, levariam tudo aquilo mais a sério. Porque há certas coisas que não devem ser explicadas, e nem precisam. Eles já sabem, eles já estão vendo. O monitor deve se ater a apresentar algum contexto histórico-social e nada mais: o resto é deixá-los pensar sozinhos a respeito. Traduzir uma linguagem visual é o mesmo que mastigar pros outros um poema: perde a graça, o mistério e o encanto. A arte produzida aqui e agora tem tanto algo a dizer a esta nova geração que, timidamente, se aproxima dela, quanto possui códigos que só os que mantém uma atitude juvenil, ou seja, apta a novidades, conseguem facilmente decifrar. Estes meninos e meninas podem até pensar que não estão entendendo nada, mas revelam alguma sabedoria em suas reações espontâneas. Todas as novas formas e conceitos que a arte assumiu ao longo dos últimos vinte e cinco anos são feitas muito mais para este novo espectador do que as linguagens e suportes tradicionais que as gerações anteriores aprenderam a admirar. Porque a arte de agora é dinâmica, é quente, usa suportes familiares à cultura atual, é interativa e sedutora, trabalha com conceitos estéticos muito mais próximos de quem está conectado ao mundo de agora. Afinal, alô-ô! Ela é contemporânea! Não há como não colar na garotada, o que falta é o empurrãozinho, como o que eu dei na minha filha, que a princípio queria era ficar em casa vendo TV. É impressionante compará-los à reação de alguns (não todos) os adultos que entremeiam essas tribos. Enquanto os primeiros se deixam atrair conforme o material, as formas ou à linguagem (alguns até prestam atenção, eventualmente, aos monitores), há ainda passantes de quarenta anos, até mesmo trinta vejam só! que se postam tensos estupefatos mesmo diante de quase tudo. As novas (novas?) linguagens só chocam a quem parou no tempo e no espaço, a quem parou de acompanhar as evoluções da cultura. Eu diria que o mesmo acontece com a literatura. Não consigo aceitar um teórico ou crítico que insiste em celebrar apenas determinados estilos, todos já devidamente canonizados. Do mesmo modo que não aceito o velho clichê repetido ad nauseum de que jovens não lêem. Não lêem o que a gente quer que eles leiam, mas pergunte a qualquer escritor da nova geração o que mais apreciavam enquanto adolescentes e tenho certeza que muitos dirão: histórias em quadrinhos, mangá, ficção científica, policiais. Eu, que defendo a inclusão da educação artística em todos os níveis (eu disse em todos) nas instituições de ensino, começo a pensar se não melhor deixar tudo pra lá. Melhor um não-condicionamento do olhar, do que uma educação ideológica, conservadora, que afirma as mesmas velhas fórmulas, detendo-se apenas em van goghs e renoirs, quando há coisas mais urgentes, mais interessantes e sedutoras a mostrar. Em vez de começar a educação artística pelo princípio, por que não começá-la pelo fim? Foi o que eu fiz com minha filha, num sábado pela manhã rico e prazeroso, e ela não cessava de pular e exclamar "muito dez!" "que massa!" e " incrível!", diante de boa parte dos trabalhos apresentados. E, não por nada, achou a maior parte do setor intitulado "Persistência da Pintura" chata, com exceção do brilhante trabalho de Nuno Ramos, e de Carlos Pasquetti (cujas "pinturas" são produzidas não por tintas, mas por cores e texturas de diversos materiais compostos e acoplados). Até eu, que soube apreciar as propostas bidimensionais apresentadas, não pude deixar de reconhecer que a linguagem pictórica, pelo seu caráter estático, introspectivo, quase passivo, não tem o mesmo apelo (não quero dizer valor artístico, isso já é uma outra história) aos olhares imaturos e inquietos (o que não quer dizer que não sejam contemplativos, quando lhes interessa). É preciso ter paciência, e acreditar que este é só o começo de uma grande aventura pelo conhecimento e pela sensibilização visual que ela certamente desenvolverá a medida em que for crescendo. Por fim, eu proponho a todos que percam o medo, mudem os hábitos, aproveitem as oportunidades que cada cidade oferece e permitam que, de vez em quando, aquele tapete empoeirado e velho seja tirado de súbito debaixo dos pés. Deixem-se virar de cabeça pra baixo sem medo, façam uma revisão em seus valores estéticos. A arte contemporânea está aí pra isso, pra rejuvenescer a cabeça e o olhar de todas as idades. Detalhe: este rejuvenescimento é, se não de graça, quase sempre muito mais barato do que o Botox. Nota do Editor Paula Mastroberti é artista plástica e assina o artesite que leva seu nome. Paula Mastroberti |
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