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Segunda-feira, 27/8/2007 The Murdoch Street Journal Sérgio Augusto A novela finalmente chegou ao fim. Com o desfecho previsto: Rupert Murdoch dobrou as últimas resistências da família Bancroft, e sua News Corporation comprou a Dow Jones Corporation, proprietária do diário The Wall Street Journal. Valor da transação: US$ 5 bilhões (ou US$ 60,00 por ação). As ações da Dow Jones valiam em torno de US$ 36,00 quando, em 1º de maio, a CNBC noticiou o interesse de Murdoch em arrematá-las. De imediato, subiram para US$ 56,00. Mas teriam caído com a mesma rapidez se Murdoch desistisse do negócio e nenhum outro interessado se apresentasse. O investidor Warren Buffett, a General Electric e poucos outros ameaçaram entrar no leilão, mas desistiram ao avaliar melhor a obstinação e o poder de fogo do magnata australiano. Para Murdoch foi mais um negócio da China. Com circulação diária de mais de 2 milhões de exemplares, o WSJ é o segundo jornal mais lido dos EUA (o primeiro é o mcpaper USA Today) e o mais respeitado no que diz respeito à cobertura de assuntos econômicos (suas reportagens sobre show business são mais abrangentes que as do Variety e quejandos). Para o jornalismo, foi um desastre, similar à eventual compra de qualquer um dos três maiores jornais do Brasil pelo bispo Macedo. Para os Bancroft, bem, a família é enorme, vive espalhada entre Roma e o Havaí, e, naturalmente, dividiu-se. Uns foram contra a venda de cara. “Qualquer um, menos Murdoch!”, estrilou Elizabeth Steele, inflamada integrante do board da Dow, daquelas para quem o jornalismo é (ou deveria ser), em primeiro lugar, pentecostalista, e, só depois, lucrativo. Ou seja, acima de tudo, fiel a determinados princípios éticos e a um padrão de excelência profissional. Os Bancroft poderiam ter oferecido conteúdo e parceria ao canal de negócios, Fox Business Channel, que Murdoch pretende inaugurar em outubro. Mas, em vez de vender só o leite, negociaram a vaca. De resto, sagrada. Desde 1902 que a família tocava, de forma invisível, o WSJ, procurando mantê-lo irrestritamente atrelado aos ideais do capitalismo, mas sem filiação partidária ostensiva (o último candidato a presidente endossado pelo jornal foi o republicano Herbert Hoover, em 1928). Seus editoriais e colunistas podem ser irritantemente conservadores, mas a redação sempre trabalhou com espantosa liberdade e frutuosa competência, tradição imposta pelo legendário editor Barney Kilgore, que lá deu as cartas nas décadas de 40, 50 e 60. Muitas das denúncias contra ações fraudulentas no mercado de capitais, nos anos 80 e 90, que renderam ao WSJ vários prêmios Pulitzer, talvez não chegassem ao conhecimento dos leitores se o jornal já estivesse sob a tutela de Murdoch; se já fosse, enfim, The Murdoch Street Journal. Murdoch é um misto de polvo e trator. Só na Austrália controla mais de 60% da imprensa, é dono da mais poderosa operadora de TV a cabo, de metade da Qantas (a maior empresa aérea do país) e de toda a liga de rugby. Também fez uma limpa no mercado internacional. Além de 93% da Star TV e 100% da HarperCollins, a News Corp possui mais de uma centena de revistas e jornais, a Fox TV, os estúdios de cinema da Fox e interesses em empreendimentos televisivos de cinco continentes. Seu império jornalístico já contava com 175 jornais antes da compra do WSJ. Nele, o sol nunca se põe – e há sempre, ao fundo, um televisor ligado (também é dele o programa mais visto no mundo, The American Idol) e um computador acessando o MySpace. Compará-lo a Charles Foster Kane é abusar do eufemismo. Seu maior defeito não é ser de direita, é não ter escrúpulos e só pensar em acumular poder. Deram-lhe um apelido perfeito: “Aussie vulgarian”. Os australianos não primam pela sofisticação, mas Murdoch abusa do direito de cultuar e disseminar a vulgaridade, o sensacionalismo, o nivelamento por baixo. Ted Turner, dono da CNN, principal concorrente da Fox News, já o comparou a Hitler. Bruce Page, ex-editor do britânico Sunday Times, comprado e encolhido por Murdoch, preferiu compará-lo a Falstaff – uma injustiça com o boêmio e glutão personagem shakespeariano. Murdoch não tem o menor constrangimento de usar suas publicações e emissoras de TV para seduzir políticos e alterar legislações criadas para evitar concentração de poder, monopólios e outros malefícios à democratização da mídia. Perseguiu o senador Edward Kennedy por sua vigilância às regras da Comissão Federal de Comunicações dos EUA (FCC, na sigla em inglês), que contrariavam os interesses da Fox Corp. A Fox News (vulgo “Faux News”) é linha-auxiliar confessa do governo Bush, promiscuidade que o comentarista do New York Times, Paul Krugman, caracterizou, muito polidamente, como “conflito de interesses”. Suas ligações com os republicanos transcendem o campo das idéias. E do decoro. Ele ofereceu US$ 4,5 milhões de adiantamento por um livro ao então bambambã do Congresso americano, Newt Gingrich, não porque farejasse um best-seller, mas porque necessitava de sua ajuda para abrir brechas na legislação da FCC. Até o beneficiado assustou-se com a proposta. Apesar de ferrenho anticomunista, não economiza agrados ao governo chinês. Não quer perder o fabuloso mercado que de certa forma já controla com a sua TV por satélite, a StarTV, sediada em Hong Kong desde 1993. Quatro anos atrás, tirou a BBC do cardápio da TV por assinatura BSkyB porque os manda-chuvas de Pequim não gostavam da maneira crítica como a emissora britânica cobria a China. Em seguida, não apenas suspendeu a publicação das memórias do último mandatário britânico em Hong Kong, Chris Patten, que sairiam pela HarperCollins, conglomerado editorial formado por Murdoch em 1989, como ofereceu US$ 1 milhão à filha de Deng Xiaoping para que escrevesse a biografia do pai, recebida como um monumento ao clichê, à propaganda e à pieguice. O que mais se temia – a interferência de Murdoch na linha editorial do WSJ – pode até demorar, em função, sobretudo, das ameaças de cancelamentos de assinaturas que se avolumaram desde o início das negociações, mas na certa ocorrerá. Ele prometeu aos Bancroft e demais membros da cúpula da Dow Jones que respeitaria a liberdade editorial do jornal. Fez o mesmo com a família Carr, por ele usada para comprar The News of the World, sua ponta-de-lança na Inglaterra. Também assegurou a Dorothy Schiff que não mexeria na postura liberal do New York Post, que dela comprou em 1976, e o que se viu foi uma guinada repentina do jornal para a direita. Ao empalmar o londrino Sunday Times, reprisou as juras de sempre, para, na primeira oportunidade, demitir o editor Harold Evans, e pôr o jornal a serviço de Margaret Thatcher – e dos interesses da News Corp, claro. A única publicação em cuja linha editorial Murdoch, sabiamente, não interferiu foi o semanário alternativo The Village Voice, por ele tonificado financeiramente em 1977, a pedido de Clay Felker, que também editava as revistas New West e New York, ambas beneficiadas pelo australiano. Na primeira oportunidade, passou a perna em Felker. Tem tudo para abafar no Brasil. Nota do Editor Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado na edição do dia 5 de agosto de 2007 no "Aliás", do Estadão. Sérgio Augusto |
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